• Nenhum resultado encontrado

Por dentro da favela Os dias que se seguiram à reintegração de posse foram agitados na favela Real Parque.

Por um lado, a reintegração havia pegado todo mundo de surpresa, fato que impediu uma articulação de resistência. Por outro, ficavam evidentes as cisões existentes na ainda incipiente Comissão de Habitação. As duas associações que tomaram a frente na organização da população foram o Favela Atitude (com o auxílio da assessoria técnica Usina)27, e o Projeto Casulo, ainda que de forma desordenada e sem um planejamento de suas ações. Naquele momento, as três principais reivindicações da população organizada eram: cobrar explicações da Prefeitura sobre as irregularidades do processo de reintegração; dar atendimento às famílias desalojadas e impedir a efetuação das outras etapas da reintegração de posse.

Ainda que fossem poucos os moradores diretamente envolvidos nessas negociações, após muitos contatos e esforços, conseguiram estes dar visibilidade às inúmeras irregularidades ocorridas. Denúncias foram registradas contra a ação policial; informações foram apresentadas a Defensoria Pública; protestos foram realizados contra a Prefeitura e contra a EMAE; reuniões foram agendadas; parlamentares foram contatados. Enfim, para além da inexistência de um agente político consolidado que canalizasse as demandas da população removida, os moradores que tomaram a frente da discussão sobre a validade e a forma como ocorreu a reintegração de posse na Vila Nova obtinham um relativo sucesso ao pautar os seus problemas.

No domingo, 16 de dezembro de 2007, no ápice das movimentações, houve uma assembléia na rua principal da favela Real Parque, que contou com a presença de oitocentos moradores que discutiram o andamento das negociações e os próximos passos a serem seguidos. Essa reunião chegou a contar com a presença do Senador Eduardo Suplicy e com representantes de diversos movimentos sociais. No dia seguinte, um ato foi realizado na

27

A presença da assessoria técnica Usina na favela Real Parque naquele momento deu-se em decorrência dos boatos de que um plano de urbanização ocorreria nesse local. Assim como no caso de sua presença na favela Jardim Panorama, a Usina foi chamada para pensar um plano de urbanização participativo juntamente com os moradores. Mas assim como no caso da favela Jardim Panorama, os acontecimentos engendrados pelas disputas políticas e econômicas pelo território atropelariam o objetivo inicial. Dessa forma, e sem algum tipo de vínculo profissional, alguns membros da assessoria técnica passaram a atuar conjuntamente com a população organizada da favela Real Parque, sobretudo com o Favela Atitude. Com suas ações, os membros da Usina ali presentes condicionaram de forma decisiva muitos dos acontecimentos posteriores à reintegração de posse.

Câmara Municipal de São Paulo em repúdio à violência policial, o qual contou com a presença de trezentos moradores da favela Real Parque e serviu para colocar em pauta publicamente as demandas da população.

É interessante notar como a divisão do poder ao redor de várias lideranças enfraqueceu a resistência da população da favela Real Parque, mas, paradoxalmente, evitou que acontecesse no local a desmobilização ocorrida na favela Jardim Panorama que, ao possuir uma única instância legítima de representação, a União de Moradores, viu serem canalizadas todas as negociações de melhorias para a favela e também todas as relações clientelísticas por meio do presidente dessa instituição. Uma vez cooptado o presidente, refluíram todos os questionamentos sobre a relação da Construtora JHSF com a favela.

Pode-se afirmar que na favela Real Parque a história não se repetiu. Todas as atividades, ainda que permeada por reivindicações de cunho imediatistas, fortaleceram a população em suas demandas diante do poder público e a empresa mista. Se a reintegração de posse foi um marco da violência estatal contra a população pobre, nesse caso também serviu para consolidar a organização popular.

O fato de um mínimo de organização popular só haver ocorrido após uma ação violenta do poder público causava, entretanto, intensas discussões sobre o próprio grau de consolidação e do sentido dessa organização. O depoimento de um integrante do Favela Atitude é revelador nesse sentido:

Está rolando sim uma organização. O povo agora está mais interessado em saber dos próprios rumos. Mas precisou vir a Tropa de Choque bater em todo mundo. Precisou vir os tratores derrubar os barracos para o povo acordar. Parece que o povo da favela só faz alguma coisa quando a situação chega no limite28.

De fato, foi necessária uma situação limite para a concretização da organização popular no local. Se a reintegração de posse foi um ponto de viragem na indignação coletiva que resultou em organização, notou-se, contudo, também em toda a mobilização realizada pelos moradores uma maior organização acúmulo organizativo derivado da experiência adquirida nos acontecimentos ocorridos na favela Jardim Panorama. Em verdade, bloquear a Marginal Pinheiros foi um marco em si, mas revelava a continuidade de um processo já em andamento. O depoimento de uma jovem do grupo Favela Atitude expõe a questão:

28

A manifestação do Jardim Panorama foi a ação germinal do amadurecimento político de parte do coletivo Favela Atitude. Foi, também, a mobilização de moradores apáticos e a leitura do manifesto entre os ricões elementos formadores de uma memória encorajadora necessária para se enfrentar, um ano e meio depois e a alguns metros dali, uma Tropa de Choque, mobilizar pessoas em choque, parar o trânsito de veículos numa Marginal Pinheiros usando como ferramenta apenas o próprio corpo, sem o apoio presencial de referências importantes29

Em suma, é importante frisar que o avanço dos interesses do capital privado pela região sudoeste, em forma de destruição e incorporação, fazia avançar também, ainda que não na mesma medida, o potencial político da população, calejada justamente nos embates cotidianos pelo espaço e pela moradia.

A partir do próximo ponto deste capítulo, será problematizado o posicionamento de alguns agentes após a reintegração de posse na Vila Nova, favela Real Parque.

IMAGEM 24

Cartum publicado no jornal Folha de São Paulo – 13/12/2007

29

O período após a reintegração de posse: interesses expostos

Outline

Documentos relacionados