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IMAGEM 14 Edifícios do Projeto

A favela Real Parque

IMAGEM 14 Edifícios do Projeto

Cingapura. Em primeiro plano os edifícios do Projeto Cingapura com a favela Real Parque aos fundos.

O terceiro núcleo é formado por um conjunto de alojamentos situados na face norte da favela. Estes alojamentos foram construídos a partir de 1996 pela Prefeitura Municipal de São Paulo para abrigar provisoriamente moradores de barracos destruídos das áreas onde foram erguidos os edifícios do Projeto Cingapura, e para abrigar flagelados de um incêndio que afetou a área central da favela no ano de 2002. Nos alojamentos residem inúmeras famílias de forma provisória e insalubre. Ainda que construídos pela Prefeitura, esses alojamentos situam- se no terreno cuja propriedade tem sido reivindicada pela EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), sendo que sua posse e a destinação dessa população têm sido alvos de intensos debates entre as duas instituições.

O quarto núcleo da favela Real Parque situava-se na face nordeste da favela, num terreno de acentuada declividade, espremido entre o núcleo dos alojamentos, os edifícios do Cingapura, a Leroy Merlin, a pista local da Marginal Pinheiros e um pequeno bosque. Nessa área, localizava-se a Vila Nova, ocupação destruída após a efetuação de um pedido de reintegração de posse expedido em favor da EMAE em 2007. Essa reintegração é o foco da discussão deste capítulo. O fio condutor dessa discussão será a trama de agentes e interesses que propiciaram sua efetuação e que prosseguiu após o acontecimento desta. Segue abaixo uma imagem de satélite com a definição dos núcleos da favela Real Parque.

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A partir desta foto aérea é possível observar os diversos núcleos da favela Real Parque descritos no texto.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), a favela Real Parque foi fundada em 1956. A história da favela confunde-se com a própria história do entorno imediato: o bairro do Real Parque, e o distrito do Morumbi como um todo. Na época de sua fundação, o ambiente semi-rural ali existente se fazia notar por bosques, matagais, criações de animais, uma grande distância entre um casebre e outro e extensas áreas de roçado. Num primeiro momento, a localidade foi batizada com o nome de favela da Mandioca, dada a presença de enormes plantações desse tubérculo na área.

Como grande parte das favelas da região, o nascimento e o crescimento da favela da Mandioca se deveu à expansão do mercado imobiliário na região do Real Parque, em particular, e do Morumbi, em geral, e da necessidade de mão-de-obra barata para a construção das edificações na região. Uma das primeiras levas de habitantes foram os índios da etnia Pankararu, oriundos do estado de Pernambuco. Os Pankararus empregaram-se no mercado de trabalho no ramo da construção civil, atuando, por exemplo, na edificação do Estádio do Morumbi. Contudo, dada a configuração ambiental que de certa forma reproduzia a baixa urbanização do meio de onde haviam partido, o sertão pernambucano, os Pankararus por muito tempo puderam reproduzir uma relação com o meio natural próxima àquela vivenciada em seu local de origem2.

Outra importante leva de primeiros habitantes da favela da Mandioca também se originou da necessidade de moradia dos trabalhadores da construção civil empregados na edificação das mansões e condomínios da região. Sobre a questão, vale apresentar a fala de um dos primeiros habitantes da favela:

Eu sou de Minas. Vim para São Paulo contratado para destruir os cortiços dos pedreiros que trabalhavam na construção dos prédios do [bairro] Real Parque. Como eu não tinha onde morar eu vim morar aqui no [favela] Real Parque, que na época era favela da Mandioca. Os cortiços dos pedreiros ficavam na rua Barão de Melgaço [a trezentos metros da favela Real Parque]. Depois que foi tudo destruído eles também vieram morar na favela3.

Segundo o morador, as transações necessárias para a obtenção de um terreno no local quando de sua chegada envolviam doações de objetos de baixo valor ou pequenas quantias em dinheiro aos pés de pato, espécie de “donos do pedaço” e justiceiros que alicerçavam seu mando por meio da força, impondo ordem e utilizando-se das relações pessoais constituídas. Dessa forma, os primeiros habitantes da favela da Mandioca ocuparam, cada um, pedaços de terra relativamente grandes se comparados aos exíguos espaços existentes hoje na favela Real Parque. Esses grandes terrenos, intercalados por uma série de terrenos baldios, foram sendo divididos e subdivididos na medida em que a demanda por moradia na região começou a aumentar. O entrevistado conta que o seu próprio terreno foi dividido em diversos pedaços

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Cabe ressaltar que por muito tempo os Pankararus realizaram rituais religiosos às margens do Rio Pinheiros, quando isto ainda era possível. Devido às rápidas modificações decorrentes do processo de urbanização em curso, sobretudo na região, os Pankararus tiveram que moldar seu modus vivendi e seus signos diacríticos que ratificam o pertencimento à etnia à nova configuração social e espacial do local e da metrópole. Hoje, alguns rituais religiosos são efetuados nas áreas de convivência dos edifícios do Projeto Cingapura, local de moradia da maioria dos Pankararus. O principal deles, contudo realiza-se na quadra poliesportiva existente na favela.

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com o passar do tempo, e pelos mais variados motivos: “algumas partes do terreno eu vendi por uns trocados, outras eu dei e outras eu deixei o pessoal ficar e depois não saíram mais”.

Com o passar dos anos, houve um encarecimento do preço dos terrenos e, posteriormente, dos barracos e casas construídas na favela Real Parque. Esse encarecimento se deve a um conjunto de fatores, tais como a valorização dos terrenos da região do Morumbi; à implantação de infra-estrutura urbana e equipamentos públicos na favela e a procura cada vez maior por moradia no local.

O principal motivo para o crescimento na procura por casas e barracos na favela Real Parque foi o aumento da oferta de trabalho no setor da construção civil. Com a explosão de lançamentos imobiliários na região, sobretudo entre 1975 e 1985, a necessidade de trabalhadores da construção civil, de manutenção predial e de prestação de serviços domésticos fez crescer enormemente a favela nos primeiros anos da década de oitenta, quando a população do local triplicou. Assim como na favela Jardim Panorama, os interesses imobiliários começavam a mudar a cara de toda a região, conformando uma relação distinta entre os habitantes e o meio, bem como dos habitantes entre si, notadamente pela proximidade entre as classes sociais no Morumbi, e das relações sociais constituídas decorrentes dessa proximidade.

De certa forma, a mudança de nome de favela da Mandioca para favela Real Parque expressa as modificações ocorridas na região por meio das modificações na produção econômica, que se desdobraram em distinta produção social do espaço. A favela da Mandioca, mesmo antes de 1956, data oficial de ocupação, representa uma relação dos moradores com a área próxima da economia de subsistência, onde os recursos naturais existentes eram os responsáveis pela produção econômica e pelos ganhos incorporados via comercialização dos mesmos. Plantações, criações de animais, e mesmo a extração de areia do rio Pinheiros4 dependiam dos recursos naturais disponíveis no ambiente. A passagem de favela da Mandioca para favela Real Parque aconteceu com o rápido crescimento dos barracos e a incorporação da favela Real Parque ao bairro homônimo, tanto geograficamente como economicamente. O avanço da expansão das elites pelo vetor sudoeste na metrópole de São Paulo criou novas formas de uso e ocupação da terra na região do Real Parque, que se desdobraram em novas relações de trabalho, em uma modificação no uso e na ocupação da

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Vale lembrar que o terreno onde se encontra a Leroy Merlin hoje, a leste da favela Real Parque, era até a construção do hipermercado, entre 2001 e 2002, um imenso banco de areia provavelmente remanescente das extrações de areia ocorridas no Rio Pinheiros até a década de 1950. Não por acaso o local era denominado “areião”, onde existiam um campo de futebol e um amplo espaço de recreação da população, que temia apenas a instabilidade do solo em alguns locais. Outra área desse imenso banco de areia inundava-se a cada chuva com o transbordamento do córrego até então existente onde hoje é a avenida Boaventura J. R. Neto.

terra das camadas populares também, consolidando na região uma favela densamente habitada por moradores pobres, em sua maioria inseridos no mercado de trabalho de maneira informal e dependentes das ofertas de emprego oferecidas pelo entorno.

Após uma breve história da favela Real Parque, e de como sua existência está intrinsecamente articulada à presença de oportunidades de emprego na região, serão evidenciadas neste texto as relações e as articulações existentes entre distintos agentes localizados na favela e seu entorno, demonstrando a capilaridade e o imbricamento entre os dois: a favela Real Parque e o bairro do Real Parque, e a tensão decorrente dessa relação. Pretende-se mostrar também que dada relação, alicerçada na dependência econômica, muito mais do que um signo de convivência pacífica entre as classes, é sobretudo um elemento necessário para a reprodução da dominação de uma sobre a outra.

O episódio catalisador da problematização será uma reintegração de posse. A partir dela, desvelam-se os inúmeros interesses em jogo naquele terreno e o posicionamento e ação de cada um dos agentes.

Os antecedentes da reintegração de posse: do ensaio

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