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Dentro dessa ótica, as relações dos partidos com o Governo foram bastante tumultuadas e contraditórias Para o Governo, as

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refere à rigidez de posições. Embora eleito formalmente pelo

PTB

e pelo

PSP,

o novo Governo insistiu em se afirmar apartidariamente, sem compromissos ou acordos com qualquer agremiação política, mas aberto a todo tipo de negociação . Dada a inexistência de parâ­ metros políticos definidos, em torno dos quais se entabulassem as conversações, repete-se o mesmo estado de coisas em que tudo pode ser, em princípio, negociado e em que todas as questões estão em aberto. Na prática, isso significa que tudo terá de ser resolvido caso a caso, com soluções próprias, e que qualquer solução política a ser encontrada deve ser produto de negociações que se iniciam eternamente do ponto zero.

Essa inexistência de posições mais definidas, quer da parte do sistema partidário, quer da parte do Governo, não significa cer­ tamente a ausência de interesses e tendências políticas individuais ou de grupos. A diversidade de tendências, ao lado da indefinição de compromissos para o funcionamento do jogo político, torna-se obstáculo concreto à viabilização de qualquer acordo estável, ainda que restrito às elites. Esse pseudodescomprometimento gera um hiato entre o que se diz e o que se faz, pois, na medida em que cada caso é negociado particularmente, considerados apenas os inte­ resses circunstanciais, as contradições tendem a se manifestar com maior intensidade.

O compromisso com a falta de comprontissos, se é que assim se pode dizer, torna-se um dos principais norteadores da vida polí­ tica e cria terreno fértil para a instabilidade. Entre outros fatores, esta advém do fato de, numa situação de compromissos diluídos e flutuantes, tornar-se difícil vislumbrar quem são Os aliados e quem são os opositores. As alianças tornam-se precárias, assim como se torna problemático atribuir funções e cobrar responsabilidades. Todos se tornam cúmplices e inimigos simultaneamente.

Esse quadro geral de problemas parece-nos adequado para pen­ sar a situação de crise da década de

1950,

cujo desenlace foí dramá­ tico para a nação, mas que não provocou maiores convulsões políti­ cas e sociais. Quando dizemos que a solução encontrada foi a redu­ ção da crise, referimo-nos ao fato de que, no final do Governo, pas­ saram a convergir para um único ponto as mais diversas insatisfações, possibilitando uma aliança conspiratória que contava, inclusive, com a omissào de muitos. Se, de forma geral, se questionou a ilegitimi­ dade do próprio regime, atribuindo-lhe a responsabilidade pela crise institucional, essas imputações passaram a ser dirigidas mais direta­ mente contra o Governo. No final. nào era mais a legitintidade do

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Governo que estava em questão, mas a figura de seu principal manda­ tário.

É

em Vargas que se concentram os esforços de revisão política, transformando-o em fonte de todas as desavenças. Da forma como foi reduzida a crise, o suicídio de Vargas acaba por esvaziá-la rapida­ mente, já que desaparecerá o elemento ao qual foram imputadas todas as causas de todos os problemas.

Não obstante a ausência de uma tradição de legitimidade no país, a situação de crise gerada nesse período é reduzida, portanto, na medida em que se elege um alvo concreto para as dificuldades de composição e entendimento político dentro do regime. Atacando­ se o poder personalista de Vargas, delineia-se uma possibilidade con­ creta de composição intra-elites e reduz-se o âmbito dos problemas. O regime permanece e se fortalece, pelo menos de imediato.

É

importante fazer destacar que, desde sua origem, a referida situação de crise restringe-se ao circuito limitado das cúpulas políti­ cas e militares. A crise emerge e é solucionada no âmbito das pró­ prias elites. Do ponto de vista popular, a figura de Vargas ainda era simpática e benquista para uma parcela significativa da popula­ ção, o que se evidencia na emotiva reação popular ao seu suicídio . O desaparecimento de Vargas não resolve de imediato a insta­ bilidade institucional. Num primeiro momento, tenta-se ainda res­ ponder ao revigoramento do getulismo que o suicídio provoca, e o clima de golpe permanece nos meios militares. A nível de poder civil, busca-se, através do Governo Café Filho, reverter a correla­ ção de forças para redefinir o jogo político em prol de posições notadamente antigetulistas e antipopulistas. Mas a situação se com­ plica para os mentores do golpe, pois a súbita reação popular à morte de Vargas reaviva seu legado político e aumenta a força do getulismo, trazendo uma perspectiva de intranqüilidade para a UDN. As circunstâncias em que ocorreu o suicídio colaboram fortemente para a impopularidade desse partido, que acabara de perder defini­ tivamente seu principal fator de coesão interna. Por tudo isso, a reação da UDN pode ser interpretada como um misto de "depres­ sào e euforia". 2

Por outro lado, o impacto da morte de Vargas sobre a socie­ dade possibilita também a formação de ampla frente antigolpista, que procura zelar pelo cumprimento da Constituição e pela legali­ dade. Esse novo arranjo político visando a manutençào da ordem constitucional é produto também do contexto gerado pelo suicídio, que, ao explicitar claramente a fraqueza política institucional, pro­ picia o surgimento de uma tomada de posição majoritária na defesa e na revitalização das instituições políticas e da ordem democrática.

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Nesse sentido, se a morte de Vargas pode ser entendida como o ponto alto da situação de crise daquele Governo, ela representa, principalmente o primeiro grande passo de uma busca por saídas concretas para a difícil situaçào institucional. A personalização da crise de legitimidade por que passava o sistema político poupou-o de qualquer transformação radical naquele momento, garantindo não apenas sua continuidade, como também o revigoramento, nos anos seguintes, dos princípios pluripartidários e democráticos.

Populismo getulista,

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