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o regime sem Vargas: considerações finais

A recusa de Vargas a renunciar à

Presidência da República leva a

oposição a planejar seu afastamento através de imposições militares. Mas desse processo resultam dois fatos imprevisíveis: o suicídio de Vargas e a reação popular

à

sua morte. A euforia da UDN transforma·se numa vitória de Pirro.

A dramaticidade de que se revestiu o final do Governo altera o que se pensava ser um jogo de forças já definido, e nOvaS varian­ tes surgem no quadro político. O desaparecimento de Vargas nas circunstâncias em que se deu teve o efeito imediato de revitalizar o populismo getulista, que subsistiu e se fortaleceu sem a presença de seu líder. Do ponto de vista partidário, significou o fortaleci­ mento da aliança PSD-PTB em contraposição

à

UDN.

O tão almejado afastamento do Presidente traz um novo e inesperado problema, do qual podemos extrair algumas considera­ ções básicas. Apesar da ação direta dos militares no episódio e em outros subseqüentes no decorrer dos anos de

1954

e

1955,

a dinâ­ mica dos acontecimentos aponta para. o fortalecimento do poder civil. Surpreendentemente, a propalada contradição entre o revigo­ ramento das instituições políticas e os desmandos de Vargas evolui de tal forma que a UDN aparece, nesse processo, como a inimiga das instituições democráticas.

As dificuldades que se seguem no decorrer de

1955

indicam, por várias vezes, a fragilidade encoberta pelo aparente fortaleci-

° MOMEl\,O GOVERNAMENTAL; NA BUSCA DA CONCILIAÇÃO, O CAMiNHO DA CRiSE 143

mento das instituições civis. Mais uma vez, a atuação dos militares é decisiva, dessa feita para garantir a posse de Juscelino Kubitschek, Presidente constitucionalmente eleito . Essa ação militar isola e enfraquece ainda mais as posições golpistas dos udenistas exaltados, e insere-se num quadro de reajustes no sistema partidário. O que se observa no decorrer do período que antecede a posse de Jusce­ lino Kubitschek é exatamente um esforço das lideranças para rearti­ cular suas forças e seus compromissos visando a estabilidade do sis­ tema, em nome da qual o Governo Vargas fora derrubado.

O impacto da morte de Vargas teve de fato um caráter desesta­ bilizador para os planos da UDN, e se transformou, gradativamente, num forte argumento, com respaldo popular, para a manutenção do poder civil. A UDN reage ao seu isolamento investindo nova­ mente numa solução unitária para a sucessão presidencial: tentaria chegar a um candidato comum com o PSD. Mais uma vez malogra essa busca consensual do candidato único, mas a pluralidade de can­ didaturas não assume as mesmas conotações de que se revestira em

1950.

A candidatura Juscelino Kubitschek acaba por represen­ tar interesses e tendências partidárias mais sólidas, através da aliança entre PSD e PTB.

Com a morte de Vargas, a resolução da crise que se prenun­ ciara adquire características diferentes. A ausência do líder impele a corrente getulista, agora fortalecida, a se expressar de forma par­ tidária mais clara. A relação pessoal líder-massa dá lugar a uma rela­ ção partido-eleitorado; são agora agremiações como o PSD e o PTB que se dizem depositárias da herança política do ex-Presidente. Nesse sentido, o desaparecimento de Vargas fortalece de fato as ins­ tituições políticas, só que numa direção não-prevista pelos mento­ res da deposição. A rearticulação das forças políticas se dá nitida­ mente em torno de posições favoráveis ou contrárias ao getulismo, fazendo com que a UDN se veja duplamente derrotada: perdera a imediata razão de ser de sua coesão partidária, ou seja, a figura de Vargas, e via-se obrigada a conviver com a força político-ideoló­ gica da herança getulista, expressa através de manifestações popula­ res e dos próprios partidos. A situação de crise, que a oposição defi­ nira como tendo origem na figura do ex-Presidente, passa a ter, após a morte de Vargas, condições mais objetivas de resolução.

Num primeiro balanço da problemática política que envolveu o segundo Governo Vargas, é possível chegar a algumas conclusões importantes. Inicialmente, a origem e a formação do Governo ilus­ tram a fragilidade do sistema partidário. Na medida em que o

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Governo reforçava o antipartidarismo, numa conjuntura de parti­ dos emergentes e de consolidação da ordem democrática, dava mar­ gem a uma série de indagações sobre o papel das organizações polí­ ticas e a legitimidade do sistema representativo recém-criado. A incapacidade de os partidos agirem competitivamente enquanto canais de expressão de interesses políticos diversificados fez com que, submetidos ao teste eleitoral, possibilitassem o revigoramento de uma corrente político-ideológica não-partidária, o getulismo.

Em segundo lugar, a dinâmica do processo político assentado formalmente no sistema representativo pluripartidário colocava para as lideranças a necessidade de se fortalecerem enquanto atores políti­ cos privilegiados. Para tal, havia que legitimar os meios através dos quais se instituíam enquanto atores desse tipo, ou seja, havia que legitimar os próprios partidos.

Assim, convivem de forma crítica, nesse período, uma tradição e urna prática antipartidária com uma necessidade inadiável de revigo­ ramento das agremiações políticas. Essa contradição marca o Governo desde a campanha presidencial, momento em que os partidos, na busca de uma solução unitária, não conseguem ver mais do que a defesa de seus interesses particulares, vetando qualquer iniciativa comum. Essa situação de impasse é redefinida durante o Governo.

Nosso terceiro ponto diz respeito exatamente a essa redefini­ ção. O poder de veto não permanece da mesma forma generalizado dentro do sistema partidário nem nas relações deste com o Governo. Não há no Congresso uma atitude visando obstruir sistematicamente as iniciativas governamentais, inclusive por parte da UDN. Mas também não há uma articulação de forças sólida e estável para a defesa permanente do Governo. Em geral, a ação dos partidos é de acomodação, de descomprometimento com o Governo, mas nào com as causas nacionais. Essa atitude resguarda o Parlamento e os próprios partidos.

Um quarto ponto é que a posição de cautela parlamentar que nega inclusive o

impeachment

ao Presidente não é seguida do mesmo modo fora do Congresso, particularmente no que diz respeito

à

UDN. Esse é o único partido que assume efetivamente, nas suas relações diretas com o Governo, uma posição de veto.

Nas discussões em torno de sua participaçào no Governo, a UDN recusa-se a colaborar, desde que não lhe sejam dadas garan­ tias definitivas quanto ao que considerava ser uma atuação gover­ namental na defesa das instituições democráticas. Ademais, embora a UDN só aceite participar de uma situação que lhe seja favorável,

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nega-se a colaborar nas mudanças que deseja, optando por uma posição de intransigência, de ataque direto e de veto. Seu veto ao Governo transforma-se em veto à permanência de Vargas no poder e ao que ele representa politicamente. Mas se a UDN se comporta partidariamente ao optar pela obstrução sistemática da ação gover­ namental, também subestima as forças partidárias, na medida em que recorre a soluções excepcionais para alcançar seus objetivos.

Finalmente, ao procurar o consenso através das várias tentati­ vas buscando a " conciliação nacional" , o Governo tenta implemen­ tar exatamente a tese que falhara por ocasião da sucessão presiden­ cial. Essas tentativas de união apresentam características diferentes nesses dois momentos. Durante a sucessão, a proposta de um acordo unitário era feita pelos grandes partidos, contra o insurgimento popular da candidatura Vargas. Durante o período governamental, a tese de união partia de Vargas contra a hegemonia de qualquer partido. Esses dois momentos se assemelham quanto à baixa institu­

cionalização dos partidos, mas têm aspectos distintos. Durante o Governo, o fato de Vargas comandar esse processo agrava as ten­ sões e as desconfianças relativas ao potencial de desmandos e arbí­ trios de que era capaz. Assim, na medida em que se procura isolar Vargas politicamente, testa-se também a capacidade do sistema polí­ tico de se rearticular. E a instabilidade reinante desde o início dessa administração vai-se tornando mais delineada a partir do momento em que se reduz a crise à presença de Vargas no poder.

De imediato, a repercussão de sua morte provoca uma apreen­ são ainda maior quanto às garantias de manutenção constitucional da ordem. A médio prazo, evidencia-se, contudo, que ali começa a etapa decisiva na resolução da situação de crise. Rearticulam-se as forças civis e incorpora-se o getulismo à dinâmica interna do sis­ tema partidário através da aliança PSD-PTB. Um novo padrão de participação é tentado, mais tarde, com o Governo Juscelino Kubits­ chek, através do reconhecimento de novas regras de inserção dos partidos políticos no poder.

Notas

1 Benevides, 1980, p. 93.

2 Idem, ibidem, p. 84.

146 O SEGUNDO GOVERNO VARGAS 4 GV 50. 1 1 .03; Peixoto, 1977. 5 GV 5 1 .01.00/2.

6 Cleófas, 1974; GV 5 1 .01.26/1; Benevides, 1980, p. 97. 7 Fontes & Carneiro, 1966.

8 Ver, por exemplo, Franco, 1965. 9 GV 51 .01. 10/4; GV 51 .02 . 1 3 . lO Sodré, 1965. J l GV 50.12.26. 12 GV 52.01.29/ 1 . 13 GV 52.02.12/4. 14 GV 5 1 . 10.16/1; GV 5 1 . 10.29/6; GV 5 1 . 1 1 .03; GV 5 1. 1 1 . 1012. 15 GV 52.02.21/1 . 16 GV 52.08.02.

17 Composta, entre outros, por Adauto Lucio Cardoso, Afonso Arinos,

Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto e José Bonifácio.

18 Benevides, 1980. 19 Idem, ibidem, p. 335. 20 GV 52.01.29/ 1 . 21 GV 52.0 1 . 1 5/6. 22 GV 52.01 . 1 1/3. 2l GV 53.05.00/3. 24 CDA/BB 55.04.20 e Skidmore, 1969. 25 GV 53.01.12/5. " CDA/BB 53.01 . 12; GV 53.05 .00/2. " GV 52.07.14/2. 28 Boito Jr., 1976.

29 Brasil, Presidentes (1951-1954: Vargas), V. 4, p. 135-7. lO Moisés, 1976; Weffort, s.d.

11 GV 53.07.2812.

32 "O Golpe de Agosto", 1955. 33 Idem, ibidem. 14 Franco, 1965, p. 253. 35 Benevides, 1980, p. 99. 36 Idem, ibidem, p. 238. " GV 53.09.0012. 38 Fontoura, 1957.

39 "A denúncia João Neves", 1954. 40 GV 53.10.2012.

41 GV 53.12.00/5; GV 54.01 .2012. 42 GV 54.01 .23/ 1 .

o MOMENTO GOVERNAMENTAL: NA BVSCA DA CONCILlAÇÁO, ° CAMINHO DA CRISE 147 44 GV 54.02.22/! .

4l Benevides. 1980, p . 239.

46 O pedido de impeachment é votado na sessão da Câmara de 16 de junho de 1954 a partir de denúncia formal apresentada pelo estudante Wilson Passos contra o Presidente da República. Votaram 21 1 deputados, dos quais 136 contra e apenas 35 a favor. Dos votos favoráveis ao impeach­ ment, 21 foram dados pela UDN, um pelo PRT, dois pelo PR, um pelo PSP, dois pelo PL, cinco pelo PSD do Rio Grande do Sul, um pelo PTB e dois por deputados que no momento estavam sem partidos. Brasil, Congresso, Câmara dos Deputados, Anais, Rio de Janeiro, 1%1, vol. IX, pp. 173-178.

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Contradição ou coerência:

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