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CAPÍTULO I: NOVAS TRANSIÇÕES PARA A IDADE ADULTA

1.3. A T RANSIÇÃO PARA A V IDA A DULTA : A E MERGÊNCIA DE UMA N OVA F ASE D ESENVOLVIMENTAL ?

1.3.2. Adultez emergente e o contexto português

1.3.2.2. Dependências em relação à família de origem

Intimamente associado a transformações nos sistemas de ensino e no mundo do trabalho, anteriormente expostos, e tendo em conta o fraco apoio estatal concedido

Novas Configurações na Transição para a Idade Adulta

31 aos jovens, verifica-se que em Portugal um número crescente de jovens permanece até mais tarde em casa dos pais. Esta situação poderá prolongar-se durante anos após a inserção profissional, ultrapassando mesmo os 30 anos de idade. Embora o adiamento da emancipação residencial seja transversal a diversos grupos sociais, é particularmente mais frequente entre os rapazes e jovens que frequentam o ensino superior e/ou que provém de classes mais favorecidas (Guerreiro & Abrantes, 2007).

O adiamento da saída de casa dos pais parece ser um fenómeno que está a acontecer de forma generalizado nos ditos países desenvolvidos, contudo com proporções diferentes nalgumas regiões. Um estudo que compara jovens do Norte e do Sul da Europa, verificou que, apesar do desemprego e do trabalho precário, os jovens da Europa do Norte saem em idades mais precoces (19/20 anos) da residência parental do que os da Europa do Sul (Billari, 2004). Dados recentes do European

Quality of Life Survey5 (European Foundation for the Improvement of Living and

Working Conditions, 2003) revelam que nos países Escandinavos, apenas de 12% dos jovens de ambos os sexos, entre os 18 e 34 anos, vivem com os pais. Esses valores sobem para cerca de 60% em Itália e 46% em Portugal, para indivíduos do sexo masculino6. Factores de natureza cultural e político-económica (e.g., regimes

diferentes de Estado de Providência, mercado habitacional) parecem explicar esta situação. De acordo com Billari (2004), a presença de valores culturais familistas, caracterizados por fortes laços familiares e relações verticais entre gerações, aliados a poucas políticas sociais de apoio ao desemprego e à família, empurram a transição para idade adulta, e a saída da casa dos pais, em particular, para tempos mais tardios nos países da Europa do Sul.

Através de dados de 15 países membros da UE, presentes no European Quality

of Life Survey (2003), Newman e Apteker (2007) avaliaram o impacto da permanência

em casa dos pais sobre a satisfação com a vida. Este estudo revela que quanto mais comum for este padrão de residência, menos ele é percepcionado como problemático, isto é, em países que se tornou normativo os jovens viverem até mais tarde com os pais, o efeito negativo da co-residência sobre a satisfação com a vida diminui. De facto, os dados mostram até que para os jovens portugueses, os índices de satisafação são mais elevados para aqueles que continuam a viver com os pais, do que para aqueles que já efectuaram a emancipação da residência parental.

Parece, deste modo, que é a natureza não normativa de um padrão que o torna disruptivo ou transgressivo. Por exemplo, estudos sociológicos nos Estados Unidos

5 Estudo efectuado no âmbito do European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions em 2003. Participaram neste 26547 jovens europeus entre os 18 e 34 anos de idade de 28 países Europeus e Turquia.

revelam que mudanças bruscas nos tempos de independência criaram tensões entre as novas e anteriores gerações de jovens (Newman, 1993; In Newman & Apteker, 2007). A partir do momento em que uma nova norma se torna evidente, ou seja, que cada vez mais jovens vive até mais tarde com os pais, a penalização social relativamente a essa situação diminui e este passa a ser um padrão socialmente aceite (Newman & Apteker, 2007).

Um dos factores associados à saída de casa é a entrada no ensino superior. Alguns dados sociológicos referem, no entanto, que o proliferamento deste tipo de instituições permitiu a permanência dos jovens em casa dos pais, enquanto realizam a sua formação (Rossi, 1997). Mesmo que essa independência se verifique, por questões de distância relativamente ao local de ensino, esta é encarada de forma temporária uma vez que os jovens regressam a casa durante os fins-de-semana, o tempo de férias ou quando os estudos terminam. Esta situação é reforçada pelos pais dos jovens que, de uma forma geral, preferem assegurar os custos de uma universidade privada próxima do local de residência, do que financiar uma experiência universitária noutra cidade (Guerreiro e Abrantes, 2007). Adicionalmente, não é comum os jovens portugueses exercerem uma actividade profissional enquanto estudam, dificuldando deste modo a sua emancipação e independência.

As dificuldades de emprego e rendimentos reduzidos são outros factores que dificultam a saída de casa. Nos países europeus com taxas mais elevadas de trabalho precário e desemprego observa-se um aumento da dependência residencial (Cordan, 1997). Contudo, parece que não são apenas factores económicos que justificam uma permanência mais prolongada em casa dos pais. Rossi (1997) verificou que os jovens preferem optar pelo conforto e bem-estar da residência familiar, em detrimento do nível de vida conseguido através da sua emancipação. Na expressão de Pais (2001), muitos jovens hoje vivem num regime de welfare family, onde todas as despesas da casa e outros gastos pessoais (por exemplo a educação) são assegurados pelos pais, mesmo quando estes já possuem rendimentos próprios. Segundo este autor esse tipo de regime promove a permanência em casa dos pais por opção. Esta situação é percepcionada como vantajosa pelos jovens, uma vez que permite levar um estilo de vida sem grandes encargos e responsabilidades. O suporte parental prestado neste tipo de configuração residencial, liberta os jovens de uma série de tarefas domésticas, concedendo tempo, liberdade e dinheiro para investir nos estudos, na carreira profissional e nos tempos de lazer. Esta situação é, no entanto, mais frequente em sectores favorecidos da população portuguesa. Segundo o estudo efectuado por Pais (2001), os jovens de meios mais desfavorecidos e com menos qualificaçãoes

Novas Configurações na Transição para a Idade Adulta

33 académicas revelaram dispor de menos liberdade em casa dos pais (sobretudo as raparigas), como também contribuem mais para as despesas da casa. Verificou também que é este grupo de jovens que acaba por constituir família mais cedo.

Todavia, o adiamento da emancipação residencial não é para a maioria dos jovens portugueses uma opção, mas antes um constragimento que se prende sobretudo a razões económicas. Segundo Guerreiro e Abrantes (2007), para muitos jovens, a permanência em casa dos pais surge como um recurso imediato enquanto se encontram a “preparar o terreno” para uma mudança que desejam, mas que se revela problemática. Rendimentos reduzidos e situações profissionais precárias e instáveis dificultam o acesso à habitação, considerando os encargos envolvidos.

A saída de casa dos pais é reconhecida como um importante marcador de entrada na idade adulta e como um facilitador do processo de individuação e autonomização em relação à família de origem (Dubas & Peterson, 1996). Josselson (1980) argumenta que é através do processo de individuação que os jovens obtêm a autonomia necessária para a formação da identidade. Dubas e Peterson (1996) analisaram a relação entre distância geográfica e ajustamento psicológico, assim como, com a qualidade da relação entre pais e filhos e verificaram que os jovens que ainda se encontravam a residir com os pais transitavam mais tarde para a idade adulta, apresentavam índices mais baixos de ajustamento psicológico e de proximidade com a família. Uma vez que a realidade cultural portuguesa é distinta da americana, não sabemos até que ponto estes resultados são extensíveis à nossa realidade.

Os dados Portugueses indicam que os pais são fundamentais enquanto suporte (financeiro, instrumental e emocional) dos trajectos de transição dos jovens para a idade adulta, dando origem a novas solidariedades e dependências (Guerreiro & Abrantes, 2004). A permanência prolongada em casa dos pais envolve muitas vezes alterações nas relações entre pais e filhos. De acordo com Pappámikail (2004), o adiamento da saída de casa veio introduzir redefinições e reconfigurações nas dinâmicas de convivência familiar. Segundo esta autora: Pais e filhos vêm-se assim

“obrigados” a negociar novos espaços de autonomia, bem como novas articulações entre estados de dependência financeira e independência associada à condição adulta

(Pappámikail, 2004, p. 92). Assim, estas relações são geralmente estruturadas a partir de um modelo mais igualitário do que hierárquico, em que pais e filhos vivem juntos e apoiam-se mutuamente. Os jovens não se encontram numa condição subordinada,

como no modelo tradicional, mas gozam de um estatuto de “semi-dependência” que lhes confere uma grande liberdade de acção e apoio financeiro. A este nível Cavalli (1997) argumenta que, este padrão de apoio é mais comum para as famílias de classe média e alta, contudo também se começa a generalizar para as restantes classes. Estão a ocorrer, desta forma, transformações nos valores culturais associados às famílias do Sul da Europa em que se assiste a uma progressiva redução da autoridade parental e uma menor clivagem associada ao sexo dos jovens (Andrade, 2006).

Novos significados sobre a vivência da parentalidade também poderão estar a emergir, como resultado destas mudanças no seio familiar. Guerrero (2001) a partir de um estudo Eurobarómetro (1993) constatou que mais de metade dos Europeus consideram positivo os filhos viverem até mais tarde com os pais, embora com variaçãoes consideráveis entre países. Rossi (1997) verificou que em Itália a coabitação entre pais e filhos é percepcionada de forma positiva e satisfatória e que esta percepção se mantém à medida que os filhos envelhecem. Um outro estudo italiano mostra que 60% dos pais italianos não vê nenhuma vantagem com a saída de casa dos filhos (Zuanna, 2001) e a maior desvantagem percebida, quer para os pais, quer para filhos, é o distanciamento emocional. Adicionalmente, outros dados europeus revelam que os jovens que permanecem em casa dos pais se encontram satisfeitos com a situação e com o grau de autonomia que dispõem, considerando os pais a principal fonte de apoio económico e emocional (Scabini & Cigoli, 1997). Apesar destes estudos não se referirem a dados portugueses, pensamos que a nossa situação deverá ser semelhante a de outros países da Europa do Sul.

De acordo com Newman & Aptekar (2007), o aumento do número de famílias de duplo rendimento e a pouca disponibilidade de tempo para estar com os filhos poderá fazer com que os pais não se sintam preparados para deixar os filhos partir, do modo como acontecia nas gerações anteriores. De facto, a parentalidade surge cada vez mais tarde, os casais têm menos filhos e investem cada vez mais recursos nos poucos filhos que têm. Mudanças na transição para a vida adulta parecem, assim estar envolvidas em mudanças mais globais das estruturas familiares.