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Em que pese os grandes clássicos como O Espírito das Leis, de Montesquieu; Os Federalistas, de Madison e outros, além de A Democracia na América, de Tocqueville, atentarem de alguma maneira para o Poder Judiciário como um poder político, como bem observa Taylor (2007), o Poder Judiciário, para a Ciência Política, foi colocado “juntamente com a autoridade monetária e as agências reguladoras – como um tema marginal e tido como acessível somente a especialistas [...] Essa postura, no entanto, é um erro que afeta significativamente a relação entre análises dos cientistas políticos e o real funcionamento do sistema político [...]” (TAYLOR 2007, p. 234).

Vejamos uma vez mais outro trecho do texto acima indicado, quando Taylor (2007, p. 233), disserta que, “com exceção de Stepan (2000), que incorpora o Judiciário como um fator “demos-constraining” (antimojoritário), poucos cientistas políticos consideram a atuação do Judiciário ao estudarem a tomada de decisões pelo sistema político brasileiro.” A constatação feita por Taylor (op. cit.), como já se viu, é referendada por Tomio e Carvalho (2013, s/p), quando dizem que “[...] no geral, a teoria contra-majoritária, defendida nos artigos federalistas, ilumina o campo de estudo [...]”.

De saída, fica evidente, nas palavras dos seus próprios membros, que a Ciência Política, por um longo período, não voltou os seus estudos para a análise do Poder Judiciário como um poder político, a despeito de Tocqueville já ter levantado essa questão em A Democracia na América. Quando a Ciência Política volta o olhar para o Poder Judiciário, toma-o, em um primeiro momento, como um poder contramajoritário.

Tomio e Carvalho (op cit) constatam, entretanto, que a Ciência Política avançou muito no que diz respeito aos estudos dos tribunais e suas respectivas atuações no processo decisório. In verbis:

[...] A literatura corrente na área de Ciência Política avançou muito no que tange os estudos dos tribunais constitucionais e sua atuação no âmbito do processo decisório. Diversos trabalhos demonstram o aumento considerável da participação do poder Judiciário na vida pública (SHAPIRO, 1981; TATE & VALLINDER, 1995; CLAYTON & GILLMAN, 1999; SWEET, 2000; WORLD BANK, 2003; SADEK, 2004; TAYLOR, 2008; CARVALHO, 2009). (TOMIO; CARVALHO (2013, s/p)

116 Dos trabalhos citados pelos autores como relevantes estudos sobre os tribunais dentro da Ciência Política, já analisamos os trabalhos de Shapiro, Tate e Vallinder, Taylor, Carvalho e Sadek. Analisamos também os trabalhos de Ran Hirschl e Werneck Vianna, dentre outros. Destaca-se, entretanto, que os autores aqui mencionados realmente produziram trabalhos com um viés contramajoritário, o que se verifica também em outros trabalhos quando destacam um aumento da intervenção do Judiciário em políticas públicas, tal como ressaltou Taylor (op. cit.), dizendo que o Judiciário tem sido procurado como arena de disputa política, influenciando, assim, na elaboração de políticas públicas. Rememoremos:

[...] No decorrer da última década, o Judiciário Federal revelou-se um importante ator político: tribunais federais repetidamente interromperam imensos leilões de privatização; [...]. (TAYLOR 2007, p. 237)

O que se vê, de forma geral nos estudos que analisamos, é que a questão contramojoritária realmente ilumina o campo de estudo do Judiciário na Ciência Política. A conclusão dos autores acima citados, a nosso ver, explicaria a escassez de literatura, em Ciência Política, sobre o ativismo judicial propriamente dito, pois o caminho trilhado pela Ciência Política constrange os autores a continuarem seguindo essas linhas basilares. O mesmo podemos dizer em relação aos autores que demonstram certo desinteresse na ideia de estudarem o ativismo judicial, uma vez que são constrangidos a seguirem o que a Ciência Política já vinha fazendo, ou seja, estudar o Judiciário sob a perspectiva da questão contramajoritária ou outras linhas de pesquisa já consolidadas.

Note-se que, para entender o ativismo judicial, inevitavelmente é necessário adentrar na questão da hermenêutica jurídica, o que segundo Taylor (2007, p. 234), “pode ser tido como acessível somente a especialistas”. Essa constatação pode explicar o fato de muitos cientistas políticos simplesmente colocarem o ativismo judicial no mesmo bojo da judicialização da política, pois, entendendo que a questão referente à hermenêutica jurídica é acessível somente aos juristas, preferem não adentrar nessa seara.

Para ilustrar o que estamos dizendo, recorremo-nos novamente ao texto de Maciel e Koener (2002, p. 117), no qual os autores analisaram alguns sentidos em que o termo judicialização da política foi utilizado, dizendo que “no sentido constitucional, a judicialização refere-se ao novo estatuto dos direitos fundamentais e à superação do modelo da separação dos poderes do Estado, que levaria à ampliação dos poderes de intervenção dos tribunais na política”.

117 Maciel e Koener encontraram na literatura o posicionamento acima sobre o que seria a judicialização da política. Sempre tomando por base o nosso conceito “controle” de ativismo judicial, poderíamos dizer que essa definição está muito mais próxima do conceito de ativismo judicial do que da judicialização da política. Entendemos que com essa postura – colocar o ativismo no mesmo bojo da judicialização da política e vice-versa – o autor não é levado a se imiscuir na questão da hermenêutica jurídica, que seria uma matéria reservada aos especialistas. A Ciência Política, entretanto, não se limitou a ver o Poder Judiciário apenas na questão contramajoritária, pois como bem lembra Arantes (2015, p. 48), “disso não resulta necessariamente que o STF exerça principalmente uma função contramajoritária, como demonstram algumas das análises citadas acima. A performance de nossa corte suprema se aproxima mais da hipótese formulada por Stone Sweet (2000) segundo a qual onde houver extensiva constitucionalização de direitos, a função de controle não se restringirá à de “legislador negativo” mas constituirá uma “massive, vitually open-ended delegation of policy- making authority” para o tribunal.”

Arantes (2015), então, tratando do fenômeno da expansão do Poder Judiciário, disse que “há pelo menos dois enfoques acerca desse tipo de expansão do Judiciário, não excludentes e complementares entre si.”:

[...] O primeiro, mais sociológico, associa a expansão do Judiciário e suas dificuldades atuais, respectivamente, ao desenvolvimento e crise do chamado Estado de Bem-Estar Social no século XX. O segundo, mais institucional, associa a expansão do Judiciário à ampliação do acesso à Justiça para direitos coletivos, especialmente a partir da década de 1970 [...]. (ARANTES, 2015, p. 49)

Percebe-se, assim, que há, além da questão contramojoritária, outro enfoque de interesse da Ciência Política, que é justamente entender como se deu a expansão do Poder Judiciário. Essa corrente estaria mais ligada aos “Institucionalistas”, que citamos em nossa classificação, pois, para eles, a questão relativa ao ativismo judicial ficaria em um segundo plano. Fica evidente que o trabalhado de Arantes (2015) é voltado para entender como se deu a expansão do Poder Judiciário, entretanto, ele chama a atenção para outro campo de pesquisa que a Ciência Política tem demonstrado interesse. Em suas palavras:

[...] A judicialização de políticas públicas é outro fenômeno que vem atraindo a atenção dos analistas. Provocados por ações do Ministério Público, de atores sociais e às vezes de simples indivíduos, juízes e tribunais têm sido chamados

118 a assegurar direitos nas mais diversas áreas como saúde, educação e outros serviços de relevância pública [...]. (ARANTES, 2015, p. 55)

No que respeita à judicialização da política, Tomio e Carvalho (2013, s/p) dissertam que “a literatura nacional tem avançado no sentido de compreender a dinâmica desse processo de judicialização da política. Os debates em torno das instituições judiciais e sua relação com o poder, a profissionalização das carreiras jurídicas, a análise dos processos políticos- jurídicos, o Direito e a Economia Política, para destacar alguns temas que os pesquisadores brasileiros têm desenvolvido.” Ressaltam, ainda, que as associações internacionais e nacionais colocam o tema em destaque:

[...] As associações internacionais e nacionais promovem e estimulam o debate ao concederam espaço privilegiado ao tema. A grande reputação dessas associações, como: The American Political Science Association (APSA), International Political Science Association (IPSA), The European Consortium for Political Research (ECPR), Latin American Association of Political Science (LASA), La Asociación Latinoamericana de Ciencia Política (Alacip), Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (Anpocs), entre tantas outras, reforçam a importância do tema e sua projeção em termos de significância internacional [...].

Assim, talvez retroalimentado pelo percurso dos estudos sobre o Poder Judiciário, dentro da Ciência Política, os trabalhos encontrados orbitam realmente em torno da questão contramajoritária, quando dizem que as minorias procuram o Judiciário como a arena que lhes seja mais favorável. Há também vários estudos sobre a expansão do Poder Judiciário, analisando as várias etapas pelas quais o Judiciário passou, mormente sobre o controle de constitucionalidade. Por fim, existem vários estudos sobre a judicialização da política, asseverando-se que o Judiciário tem cada vez mais interferido nas políticas públicas. Em relação à judicialização da política, muitos autores colocam o ativismo judicial dentro dessa área e, não raro, utilizam os dois termos de forma indiscriminada, tal como já ressaltamos.

Pode-se concluir, assim, que com algumas exceções, a Ciência Política prefere não tratar da questão do ativismo judicial propriamente dito, seja por conta do caminho que essa ciência percorreu em relação aos estudos sobre o Poder Judiciário, seja pelo fato de que os autores consideram o ativismo judicial “como um tema marginal e tido como acessível somente a especialistas”. (TAYLOR , 2007, p. 234)

De forma similar ao que foi dito até o presente momento, temos a conclusão de Gavin Drewry (1998, p. 201):

119 [...] Os cientistas políticos ignoram as dimensões legais de sua disciplina por sua conta e risco. Mas tendo dito isso, não é realista esperar que os cientistas políticos se transformem em advogados, ou vice-versa. O caminho a seguir consiste em incluir uma cobertura adequada dos aspectos legais nos currículos de ciências sociais; em colaboração de pesquisa mais interdisciplinar; e, mais modestamente, advogados e cientistas políticos que passem a ler as literaturas uns dos outros. Este escritor oferece suas opiniões com a devida humildade, a partir de sua própria perspectiva nacional, em um país onde o abismo entre a lei e a ciência política é particularmente amplo. Ainda assim, espera-se que este capítulo forneça algum encorajamento e orientação modesta nessa direção. [...]

Dessa forma, quando os autores tratam sobre o ativismo, o fazem dentro da judicializaçao da política, analisando somente os resultados sociais das decisões judiciais. Exemplo disso são as inúmeras afirmações de que o Judiciário tem cada vez mais interferido na elaboração de políticas públicas, muitas vezes vetando ou alterando a política pública elaborada e executada pelos demais poderes, sem, contudo, analisarem se a decisão extrapolou ou não os limites de uma interpretação juridicamente possível.

Não estamos dizendo com isso que não existam trabalhos em Ciência Política que analisam também a questão da hermenêutica jurídica. O que estamos afirmando é que o caminho trilhado por essa ciência constrange os seus autores a permanecerem olhando o Judiciário pelos campos já explorados.

Por fim, citemos Shapiro (1993, apud Almond, 1998, p. 75), que relata que: “a ciência política sem análise legal está seriamente carente de poder explicativo; e a análise jurídica sem o contexto institucional e processual político é formalista e estéril”.

Passemos a verificar, então, qual o caminho percorrido pelo Direito em relação ao ativismo judicial.