Para completar as ferramentas matem´aticas neces´arias para o estudo da dinˆamica quˆantica relativ´ıstica e n˜ao-relativ´ıstica de part´ıculas neutras em um espa¸co-tempo curvo e na presen¸ca de tor¸c˜ao, deve-se saber quais a caracter´ısticas dos spinores e como ´e a defini¸c˜ao da derivada covariante para um spinor primeiramente. Nesta se¸c˜ao faremos um breve estudo em como definir a derivada covariante de spinores, pois deixamos para o apˆendice A uma breve revis˜ao de spinores de duas compomentes. Para uma revis˜ao mais aprofundada sobre spinores na relatividade geral consultar as referˆencias [42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49].
Os spinores de Dirac no espa¸co-tempo curvo s˜ao definidos como objetos de 4 com- ponentes que, sob o grupo das transforma¸c˜oes locais de Lorentz (1.69), transformam-se como
ψ (x)→ ψ′(x) = S (Λ (x)) ψ (x) , (1.78) enquanto seu hermitiano conjugado tranforma-se como
ψ†(x)→ (ψ′)†(x) = ψ†(x) S†(Λ (x)) , (1.79)
onde S (Λ (x)) ´e uma matrix 4×4 que ´e a representa¸c˜ao da matrix de Lorentz Λa
b(x) com
a retri¸c˜a que detS = 1. Veja que esta ´e a extens˜ao natural das matrizes spinoriais 2× 2 que est˜ao definidas no apˆendice A. Escrevendo-se em termos das componentes spinoriais tem-se ψA(x) → ψ′ A(x) = SA B(x) ψB(x) , (1.80) ψA(x) → ψ′A(x) = ψB(x) S−1(x) B A. (1.81)
Deve-se enfatizar que sob transforma¸c˜oes de coordenadas no espa¸co-tempo, os spinores transformam-se como escalares11, isto ´e, ψ′(x′) = ψ (x).
As matrizes de Dirac constantes devem ser definidas em rela¸c˜ao ao referencial local dos observadores para termos suas express˜oes em rela¸c˜ao ao espa¸co-tempo plano. Como discutido no apˆendice A, sem perda de generalidade, pode-se trabalhar nesta se¸c˜ao com a representa¸c˜ao reduzida das matrizes de Dirac12
γa= γa BA ′ ou γa BA′ , (1.82)
que nos traz a mesma ´algebra spinorial para spinores de duas componentes e onde os ´ındices A′, B′, C′, ... indicam o hermitiano conjugado. Estas matrizes reduzidas continuam
satisfazendo a rela¸c˜ao de anticomuta¸c˜ao γaA′B′γbB′T + γb B
′
A γaB′T = 2ηabδAT, (1.83)
o que define a ´algebra de Clifford associada ao espa¸co-tempo de Minkowisky. Como os spinores transformam-se como escalares diante de transforma¸c˜oes de coordenadas no espa¸co-tempo ´e comum omitir os ´ındices spinorias e escrever a rela¸c˜ao de comuta¸c˜ao acima como
γaγb+ γbγa =−2 ηab. (1.84)
Quando o espa¸co-tempo for curvo, as matrizes de Dirac dever˜ao ser definidas em cada ponto do espa¸co-tempo. A express˜ao estas matrizes ´e facilmente obtida escrevendo em termos dos referenciais locais, isto ´e,
γµ(x) = eµ
a(x) γa, (1.85)
onde a ´algebra de Clifford para essas matrizes ´e definida agora como
γµ(x) γν(x) + γν(x) γµ(x) =−2 gµν(x) , (1.86)
onde foram omitidos os ´ındices spinoriais para facilitar nossa leitura. Sob o grupo de transforma¸c˜oes spinoriais (1.78), as matrizes de Dirac transformam-se como
(γ′)µ AA ′(x) = SA′ B′ S−1 B A γ µ B′ B = S γµ(x) S−1 A′ A , (1.87)
enquanto que sob transforma¸c˜oes de coordenadas, as matrizes γµ(x) transformam-se como
um 4-vetor contravariante, isto ´e,
(γ′)µ = ∂x′µ ∂xα γ
α(x) . (1.88)
Vamos tratar nesse momento da derivada covariante para um spinor no espa¸co-tempo curvo13. Tem-se que as transforma¸c˜oes spinoriais (1.78) no espa¸co-tempo curvo dependem
11
Para maiores detalhes ver apˆendice A.
12
Na referˆencia [48] ´e tomada a representa¸c˜ao 4× 4 das matrizes de Dirac.
13
Para maiores detalhes sobre a derivada covariante de um spinor no espa¸co-tempo de Minkowisky ver apˆendice A.
de cada ponto onde s˜ao realizadas. Assim, a derivada covariante de um spinor no espa¸co- tempo curvo deve ser dada por [49]
e
∇µψA(x) =∇µψA(x) + ψB(x) Γµ BA , (1.89)
onde∇µcorresponde as componentes da derivada covariante usual que definimos na se¸c˜ao
1.1 para vetores. A derivada covariante de um spinor (1.89) transforma-se como um spinor em cada ponto do espa¸co-tempo, ou seja,
e
∇µ (ψ′)A(x) =SAB(x) e∇µψB(x) , (1.90)
isto implica que o objeto Γ A
µ B transforma-se como (Γ′)µ BA =SA CΓµ DC S−1 D B+ ∂µS A C S−1D B, (1.91)
isto ´e, o objeto Γ A
µ B = Γµ n˜ao se transforma como um spinor e ´e chamado de afinidade
spinoriais [49] ou conex˜ao spinorial. Para um objeto que tenha tanto ´ındices do espa¸co- tempo quanto ´ındices spinoriais, a express˜ao mais geral para a derivada covariante fica dada por ∇µΨν AA ′ BB′ = ∂µΨν AA ′ BB′ + ν µλ Ψλ AABB′ ′ + Ψν DA ′ BB′Γµ DA (1.92) − Ψν AA′DB′Γµ BD + Γ† A′ µ D′ Ψ ν AD′ BB′ − Γ† D′ µ B′ Ψ ν AA′ BD′.
Usando a condi¸c˜ao (1.25) e a rela¸c˜ao de anticomuta¸c˜ao (1.86) obtem-se e
∇µ γαγβ+ γβγα
= 0, (1.93)
assim, uma condi¸c˜ao suficiente para que a equa¸c˜ao (1.93) seja satisfeita ´e que e ∇µγα = e∇µγα BA′ =∇µγα BA′ + γα DA′ Γµ DB− Γ†µ D′ A′ γ α B D′ = 0 = ∇µγα+ γαΓµ− Γ†µγα, (1.94)
onde os ´ındices spinoriais s˜ao omitidos por conveniˆencia na ´ultima igualdade. Ent˜ao, multiplicando por γαpela esquerda e usando as propriedades das matrizes γα e a express˜ao
(1.85), tem-se que a express˜ao para a conex˜ao spinorial ´e dada por Γµ =
i
4ωµab(x) Σ
ab =
−4i [eνb(x) ∇µecν(x) ηcb] Σab, (1.95)
onde os ´ındices spinoriais da conex˜ao spinorial s˜ao tamb´em omitidos por conviniˆencia e onde foi usada a express˜ao para a conex˜ao de spin ωµab(x) dada em (1.74), com
Σab = i 2 γ
aγb− γbγa. (1.96)
A extens˜ao para um espa¸co-tempo curvo e na presen¸ca de tor¸c˜ao ´e feita usando o mesmo procedimento adotado na se¸c˜ao 1.1, onde a conex˜ao afim inclui os s´ımbolos de Christoffel e o tensor de contor¸c˜ao (1.31). Com algumas manipula¸c˜oes alg´ebricas ver-se-´a a inclus˜ao da conex˜ao um-forma Kµab(x) na conex˜ao spinorial, isto ´e,
Γµ=
i
4 [ωµab(x) + Kµab(x)] Σ
ab. (1.97)
Portanto, temos agora em m˜ao todas as ferramentas matem´aticas essenciais para dis- cutirmos o comportamento de part´ıculas neutras com momentos de dipolo el´etrico e magn´etico permanentes diante de um espa¸co-tempo curvo na presen¸ca ou na ausˆencia de tor¸c˜ao e quando os referenciais locais forem inerciais ou n˜ao.
Dinˆamica das Part´ıculas Neutras
Neste cap´ıtulo revisaremos a dinˆamica relativ´ıstica de part´ıculas neutras que possuem momentos de dipolo el´etrico e magn´etico permantes e em seguida faremos um revis˜ao do limite n˜ao-relativ´ıstico da equa¸c˜ao de Dirac no contexto do espa¸co-tempo curvo. O limite n˜ao-relativ´ıstico da equa¸c˜ao de Dirac ´e obtido atrav´es da aproxima¸c˜ao de Foldy- Wouthuysen e ser´a aplicado em todos os contextos abordados durante nosso trabalho, ou seja, no contexto do esp¸co-tempo curvo sem tor¸c˜ao, com tor¸c˜ao e quando tivermos referenciais n˜ao-inerciais.
2.1
A Dinˆamica Relativ´ıstica de Particulas Neutras
O estudo da dinˆamica relativ´ıstica de part´ıculas neutras, que possuem momento de dipolo magn´etico permanente, deve ser baseado na dependˆencia em que as intera¸c˜oes eletromagn´eticas dos nucleons possuem em rela¸c˜ao aos seus momentos de dipolo magn´etico, pois a equa¸c˜ao de Dirac para part´ıculas livres ou interagindo com um campo eletro- magn´etico externo preveem um momento de dipolo magn´etico para neutrons sendo nulo. As intera¸c˜oes eletromagn´eticas dos nucleons s˜ao influenciadas pelas intera¸c˜oes forte [50], onde estas mostram que o momento de dipolo magn´etico do pr´oton ´e de 1, 79µB enquanto
que o momento de dipolo magn´etico do neutron ´e −1, 91µB, sendo µB o magn´eton de
Bohr
µB =
q~ 2mpc
, (2.1)
onde q ´e a carga do pr´oton, mp a massa do pr´oton e c a velocidade da luz no v´acuo1.
Portanto, no estudo da intera¸c˜ao do momento de dipolo magn´etico de part´ıculas neutras com o campo eletromagn´etico deve-se abandonar o pr´ıncipio do acoplamento m´ınimo [50, 51]
γµ∇µ −→ γµ(∇µ− q Aµ) , (2.2)
1
Apenas nesta express˜ao ´e que deixamos c e ~ expl´ıcitos. No que segue, sempre trataremos c = ~ = 1.
e introduzir um acoplamento n˜ao-m´ınimo na equa¸c˜ao de Dirac γµ∇µ −→ γµ∇µ+ µ 2Σ µνF µν, (2.3)
com µ = −κµB = 1, 91µB. De modo an´alogo, introduz-se outro acompamento n˜ao-m´ınimo
para o estudo da dinˆamica de part´ıculas neutras que possuem momento de dipolo el´etrico permanente, pois estes determinam a parte real e imagin´aria de uma mesma quantidade f´ısica [52, 53]. Este acoplamento ser´a
γµ∇µ −→ γµ∇µ− i
d 2Σ
µνγ5F
µν. (2.4)
Assim, a dinˆamica relativ´ıstica de part´ıculas neutras que possuem momentos de dipolo magn´etico e el´etrico permanentes que interagem com um campo el´etrico e magn´etico externos, respectivamente, ser´a descrita pela equa¸c˜ao de Dirac no espa¸co-tempo curvo com a adi¸c˜ao dos dois termos de acoplamentos n˜ao-m´ınimos dados em (2.3) e (2.4), isto ´e, iγµ∇µψ + µ 2Σ µνF µνψ− i d 2Σ µνγ5F µνψ− mψ = 0, (2.5)
onde tem-se que µ ´e o momento de dipolo magn´etico enquanto que d ´e o momento de dipolo el´etrico. Os ´ındices µ, ν indicam os ´ındices do espa¸co-tempo. O tensor Fµν ´e o
tensor eletromagn´etico cujas componentes s˜ao definidas como Fµν =
n ~
E, ~Bo, Fµν =−Fνµ
F0α = Eα; Fαβ =−ǫαβγBγ, (2.6)
sendo (α, β, γ) os ´ındices espaciais do espa¸co-tempo2. No espa¸co-tempo curvo, a derivada
ordin´aria ∂µdeve ser trocada pela derivada covariante∇µpara abranger a geometria ou a
topologia do espa¸co-tempo para se fazer o transporte paralelo de um vetor3. A defini¸c˜ao
da derivada covariante na equa¸c˜ao de Dirac ´e dada pela soma de dois termos
∇µ = ∂µ+ Γµ, (2.7)
onde ∂µ continua sendo a derivada ordin´aria em rela¸c˜ao a algumas das coordenadas do
espa¸co-tempo como feito no espa¸co-tempo plano, Γµ ´e a conex˜ao spinorial dada na ex-
press˜ao (1.95) ou (1.97) (quando houver a presen¸ca da tor¸c˜ao) e Σµν = eµ
a(x) eνb(x) Σab,
com Σab sendo dada em (1.96). Os ´ındices latinos (a, b, c) indicam as componentes dos
referenciais locais e correspondem a 0, 1, 2, 3.
Lembrando-se que as matrizes γµ s˜ao definidas em termos dos referenciais locias via
express˜ao (1.85), ou seja,
γµ(x) = eµa(x) γa, (2.8)
2
Usaremos apenas os ´ındices (α, β, γ) como ´ındices espaciais do espa¸co-tempo. Os demais ´ındices denotados por letras gregas indicar˜ao as quatro componentes do espa¸co-tempo.
3´
E comum dizer que∇µ´e a derivada covariante, por´em essa nota¸c˜ao indica as componentes da derivada
covariante. N˜ao entraremos nos m´eritos dessa discuss˜ao aqui por n˜ao termos essa finalidade, por´em em qualquer livro sobre relatividade geral essa quest˜ao de nota¸c˜ao pode ser facilmente esclarecida.
onde as matrizes γa s˜ao as matrizes de Dirac definidas no espa¸co-tempo de Minkowisky, γ0 = ˆβ = 1 0 0 −1 , γi = ˆβ αi = 0 σi −σi 0 , (2.9)
com σi sendo as conhecidas matrizes de Pauli que satisfazem a rela¸c˜ao de anticomuta¸c˜ao
(σiσj + σjσi) = 2 ηij. O tensor ηab = diag(−1, 1, 1, 1) ´e o tensor de Minkowsky cujo
´ındices (i, j, k =, 1, 2, 3) representam os ´ındices espaciais dos referenciais locais 4. Para
terminarmos nossas defini¸c˜oes sobre a equa¸c˜ao de Dirac no espaco-tempo curvo devemos definir a matrix γ5. Esta ´e definida como
γ5 = −i 24ǫµναβγ µγνγαγβ = i γ0γ1γ2γ3 = γ 5 = 0 1 1 0 , (2.10)
e por conveniˆencia, defini-se a vetor de spin ~Σ como sendo ~ Σ = ~σ 0 0 ~σ . (2.11)
Para encerrarmos essa se¸c˜ao vamos usar a express˜ao (1.25), para escrevermos a equa¸c˜ao de Dirac (1.22) em termos dos referencias locais. A equa¸c˜ao de Dirac passa a ser escrita como iγaeµ a(x)∇µψ + µ 2Fµνe µ a(x) eνb(x) Σabψ− i d 2Σ abeµ a(x) eνb(x) γ5Fµν = mψ. (2.12)
Dessa forma, temos todas as defini¸c˜oes que nos ser˜ao necess´aria para desenvolvermos nosso trabalho. Partiremos em todos os cap´ıtulos seguintes da equa¸c˜ao de Dirac escrita em (2.12). ´E claro que, quando tratarmos do espa¸co-tempo curvo e com tor¸c˜ao deveremos fazer uma modifica¸c˜ao na derivada covariante, por´em, a express¸c˜ao continua condessada na mesma forma.