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CAPÍTULO 1 – GLOBALIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE E COMUNIDADES

1.4 Desafio ambiental na contemporaneidade

Este modelo de desenvolvimento em curso no mundo capitalista gera um crescimento econômico, em tese, para alguns poucos e, em contrapartida, inúmeros impactos negativos para boa parte da sociedade, principalmente para os povos indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas, camponesas, pescadores e ainda poderíamos arrolar os migrantes, trabalhadores pobres entre muitos outros. Em suma, um modelo que impõe uma "naturalização implícita de inferioridade" conforme afirmam Acselrad; Mello; Bezerra, (2009, p. 20). Segundo estes autores, este cenário caracterizado pela injustiça ambiental, pode ser compreendido como uma "[...] imposição desproporcional dos riscos ambientais às

Atualmente é Professor Associado do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: Modelos de desenvolvimento e conflitos ambientais; Ecologia política da sustentabilidade; Política e regulação ambiental; Apropriações sociais da sustentabilidade urbana; Movimentos sociais, desigualdade e justiça ambiental; Cartografia social.

populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais" (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 09).

Estes cenários de injustiça ambiental podem ser percebidos facilmente, pois fica evidenciada a ausência de equidade do processo produtivo. Neste modelo de desenvolvimento atual, as populações que integram as classes mais vulneráveis, se constituem nas que são beneficiados em menor escala, as que menos consomem, entretanto são “[...] as que mais diretamente suportam as externalidades negativas do processo produtivo. A lógica econômica dominante ignora por completo a ideia de equidade na repartição de tais externalidades” (RAMMÊ, 2011, p. 37-38).

Para Vandana Shiva32, o desenvolvimento econômico, da forma como está sendo executado, não consegue resolver os problemas, atendendo às necessidades básicas da população mundial, muito pelo contrário, é uma verdadeira ameaça à sobrevivência do ser humano no Planeta. Ao analisar a globalização no cenário mundial usa uma expressão marcante para defini-la: apartheid ambiental global e assevera:

Embora as últimas cinco décadas tenham sido caracterizadas pela disseminação mundial do desenvolvimento equivocado e da exportação de um paradigma industrial ocidental e insustentável, em nome do desenvolvimento, as tendências recentes estão orientadas para um apartheid ambiental em que, através de a política global estabelecida pela "Santíssima Trindade", as empresas multinacionais do Ocidente, apoiadas pelos governos dos países economicamente poderosos, tentam preservar o poder econômico do Norte e a vida perdulária dos ricos. Para isso, exportam os custos ambientais para o Terceiro Mundo. Indústrias famintas por recursos e altamente poluentes se mudam para o Sul graças à economia de livre comércio33 (SHIVA, 2001. p. 01).

Shiva (2001) ainda tece sérias críticas às instituições internacionais, tais como: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional – FMI, Organização Mundial do Comércio – OMC, alegando que estas têm penalizado os países menos desenvolvidos, ou subdesenvolvidos como são denominados por estes organismos.

32 Vandana Shiva é física, ativista política, ambientalista e também é pesquisadora interdisciplinar em ciência,

tecnologia e política ambiental no Instituto Indiano de Ciências e do Instituto Indiano de Administração em Bangalore.

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Texto original: “Aunque las cinco últimas décadas se han caracterizado por la difusión mundial de un

desarrollo mal orientado y la exportación de un paradigma industrial occidental y no sostenible, en nombre del desarrollo, las tendencias recientes se orientan hacia un apartheid ambiental en el que, a través de la política global establecida por la «santísima trinidad», las empresas multinacionales de Occidente, apoyadas por los gobiernos de los países económicamente poderosos, intentan conservar el poder económico del Norte y la vida de derroche de los ricos. Para ello exportan los costes ambientales al Tercer Mundo. Las industrias hambrientas de recursos y muy contaminantes se trasladan al Sur gracias a la economía del libre comercio”.

As empresas multi e transnacionais de grande porte estão alicerçadas fortemente sobre as diretrizes estabelecidas pelos organismos econômicos internacionais, conforme apresentado pelos autores citados, especialmente quando usam termos como injustiça ambiental e apartheit ambiental global, que não é outra coisa do que Quijano e Porto Gonçalves denominam de sistema-mundo moderno-colonial. Basta analisar o que está sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil e do mundo, ocorrido no município de Mariana-MG, no dia cinco de novembro de 2015, quando se romperam duas barragens de rejeitos de minério de ferro. Este foi um evento catastrófico, conforme reportagem da jornalista Mariana Durão no Jornal Estado de São Paulo34, na qual consta que a empresa responsável desta mineração é a Mineradora Samarco35, controlada por duas gigantes do setor, empresa Vale que detém 50% e a anglo-australiana BHP Billiton os outros 50% (DURÃO, Jornal Estado de São Paulo, 05 de novembro de 2015).

Segundo consta no laudo técnico preliminar do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, emitido em novembro de 2015, os impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, o volume de material extravasado foi estimado em 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro (IBAMA, 2015). Conforme o laudo, a lama de rejeitos tem compostos de minério de ferro e manganês, e podem conter a presença de diversos metais pesados na água do Rio Doce, como arsênio, mercúrio e chumbo.

O rompimento desta barragem arrasou o povoado de Bento Rodrigues em primeiro lugar, e foi atingindo, destruindo e afetando diversos povoados e distritos, como Gesseira, Barretos e Barra Longa, entre outros distantes a mais de 60 km da barragem. Dali, o mar de lama de rejeitos percorreu mais de 850 km, atingindo principalmente o Rio Doce e de lá seguindo até chegar ao mar, no estado do Espírito Santo, e deixou um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estivam em seu caminho. Ela causou danos ambientais imensuráveis e irreversíveis e pavimentou as centenas de quilômetros por onde passou devastando, com impactos difíceis de serem calculados, talvez até impossíveis, pela dimensão atingindo grande parte do ecossistema da região (IBAMA, 2015).

34 Reportagem publicada no Jornal Estado de São Paulo, no dia 5 de novembro de 2015. Empresa de barragem

rompida é a 10ª maior exportadora do país. Disponível em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,empresa- que-teve-barragem-rompida-e-10-maior-exportadora-do-pais,10000001270>.

35 A empresa Samarco opera em Minas Gerais e no Espírito Santo e é a 10ª maior exportadora do Brasil. Esta

empresa, fundada em 1977, fabrica as chamadas pelotas, pequenas bolas de minério de ferro usadas na produção de aço. A empresa Samarco mantém operações nos estados Minas Gerais e Espírito Santo, e tem capacidade para produzir 30,5 milhões de toneladas anuais deste produto, que é destinado a clientes em mais de 20 países (Jornal

O laudo técnico preliminar do Ibama (2015) subdivide os impactos em: Impactos às áreas de preservação permanente; impactos à icitiofauna; à fauna; impactos socioeconômicos e impactos à qualidade da água. Ao tratar dos impactos socioeconômicos o laudo mostra claramente a situação dramática das pessoas e famílias atingidas, tanto com separação física dos vizinhos, seus locais de vivência e convivência e dá ênfase na questão da perda de “[...] suas identidade e referências tradicionais, culturais, religiosas e de lugar, trazendo transtornos aos seus valores intrínsecos e intangíveis” (IBAMA, 2015, p. 28). Este laudo do Ibama é uma demonstração clara de que o meio ambiente é um sistema complexo e que a mineração é uma atividade que impacta diversos aspectos, tais como a área física, a biodiversidade, recursos hídricos, socioeconômicos e culturais, tema este a ser tratado em capítulo específico neste trabalho.

Esse exemplo que foi trazido para o final deste capítulo é para demonstrar que a mineração é um dos aspectos que trouxe certa insegurança e dúvidas para a Comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, Arraias-TO em relação ao seu futuro como identidade quilombola. O outro fator é a inovação tecnológica que acompanha e é imposto à toda a sociedade moderna como apresentado anteriormente e que, por sua vez, também altera a vida da comunidade, o que será visto mais detalhadamente no quinto capítulo desta tese.

CAPÍTULO 2 - FOLKCOMUNICAÇÃO: PERSPECTIVAS EM PESQUISAS