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Modernas tecnologias – ameaça de destruição ou ferramenta para as comunidades

CAPÍTULO 3 – IDENTIDADE, COMUNIDADES TRADICIONAIS E INCLUSÃO

3.2 Modernas tecnologias – ameaça de destruição ou ferramenta para as comunidades

Segundo Geertz, “[...] os sistemas simbólicos são construídos e reconstruídos o tempo todo, não são nada que se possa amarrar e dizer, é isso” (GEERTZ, 2001, p. 39). Contudo, também há de se considerar, como já foi apresentado anteriormente, que nunca houve na história da humanidade, principalmente nos últimos 40 anos, o efeito que decorre da globalização cultural, proporcionada pelas modernas tecnologias da comunicação. Este processo, ao mesmo tempo em que inclui a todos os cidadãos, faz com que seja uma ameaça real a muitas comunidades tradicionais de perderem seus valores e riquezas de seu patrimônio imaterial. Canevacci46 (2015) discorda de Geertz neste ponto ao afirmar que a época atual é

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Entrevista publicada no El País Semanal, no dia 5 de maio de 2018. Original: Lo que me irrita es el hecho de que se trata de la primera revolución de los medios en la historia de la humanidad que sirve ante todo a fines económicos, y no culturales. Disponível em:

<https://elpais.com/elpais/2018/04/25/eps/1524679056_056165.html>.

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Massimo Canevacci é professor de Antropologia Cultural e Arte e Cultura Digital da Faculdade de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Roma La Sapeienza, e professor visitante na Universidade de São Paulo (IEA-USP).

marcada por uma cultura digital o que possibilita que, diferentemente como ocorria no passado, comunidades tradicionais ou mesmo povos originários se apropriem das novas tecnologias digitais de comunicação e informação e, por esta razão, não podem mais ser encarados como objetos de pesquisa, pois começam a falar por eles mesmos tornando-se, assim, sujeitos da própria história. Isto faz com que estes povos e comunidades ou mesmo os denominados marginalizados culturalmente sobrevivam a todas as tentativas de serem dizimados ou mesmo folclorizados, na medida em que dominam as novas tecnologias. Segundo Canevacci, a

Autorrepresentação toma o lugar de hetero-representação, com cada vez mais clareza conceitual expressiva, ao lado e muitas vezes contra este poder discursivo. Ele pode ser visto na pluralidade de maneiras pelas quais aqueles que foram por muito tempo considerados objetos de pesquisa, apresentados apenas como parte da paisagem, tornaram-se os sujeitos da pesquisa, interpretando a si mesmos em primeiro lugar e, em seguida até mesmo a cultura do antropólogo (CANEVACCI, 2015, p. 107).

Canevacci (2017), ao escrever o prefácio do livro (In)visibilidades das juventudes pós- modernas utiliza um neologismo “polifonias digitais” para exemplificar a realidade do cenário atual, no qual está surgindo uma “[...] cruza digital e cultura, oferecendo perspectivas inéditas”.

Em vez de oposição dialética e classista entre aura e reprodutibilidade, as articulações digitais misturam essas duas perspectivas que – de dicotômicas – se tornam sincréticas, polifônicas, diaspóricas. Surge uma comunicação aurática reproduzível além do dualismo das tecnologias analógicas (CANEVACCI, 2017, p. 21).

Esta relação entre o passado e o presente no que diz respeito à cultura, nos fazeres e saberes, que na atualidade é intermediada pelas novas e modernas tecnologias digitais e que já fazem parte do cotidiano das comunidades, anteriormente, totalmente marginalizadas, me leva a parafrasear Canevacci (2017) ao afirmar que a mudança ocorrida nesta questão temporal foi e está sendo radical. “É um salto paradigmático claro e expressivo com relação com o passado” (CANEVACCI, 2017, p. 21). Da mesma forma, e na mesma linha de pensamento Zacariotti (2017) afirma que “[...] há de se perceber uma mudança paradigmática que define a Pós-Modernidade, como defendem alguns filósofos, sociólogos e antropólogos” (ZACARIOTTI, 2017, p. 27). Nas considerações de Hall (2015), a transformação das sociedades modernas a partir do final do século 20 é radical, pois se trata de uma mudança

estrutural e “[...] isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais” (HALL, 2015, p. 11).

Sem dúvida, a mudança pode ser entendida como paradigmática, o que implica em perdas culturais em alguns aspectos e ressignificações de outros, conforme veremos mais à frente quando será descrita a análise da identidade cultural quilombola da Lagoa da Pedra. Portanto, em parte concordo com Geertz e em outro ponto com o próprio Canevacci. De todo o modo, o que a própria UNESCO observou é que foi necessário encontrar mecanismos para proteger e promover milhares de manifestações e/ou expressões culturais, sendo que, muitas delas, estão beirando a extinção, em decorrência do modelo de desenvolvimento em curso.

Por esta razão:

Diante de um mundo globalizado e midiatizado, a UNESCO elaborou um documento em 2005, no qual, pela primeira vez, no plano de pactuação internacional, ficou estabelecida a necessidade de combinar o desenvolvimento econômico com a preservação do patrimônio cultural dos povos, das comunidades e das culturas (TESKE, 2011, p. XXXVI).47

Este documento foi denominado de Convenção Internacional de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e entrou em vigor, no Brasil, no dia 18 de março de 200748 (BRASIL, 2007), para cumprir com o seu objetivo, ou seja, adotar medidas de proteção quando expressões culturais correrem o risco de extinção frente a uma ameaça grave e aprimorar a diversidade de tais expressões seja de caráter nacional ou internacional. Segundo este documento, quanto maior a disseminação da diversidade criativa, maiores serão também as vantagens culturais e sociais, alcançando assim uma dimensão que vai muito além da esfera comercial e econômica. Por sua vez, este documento tem em sua base propositiva assegurar aos países a criação de mecanismos de defesa das culturas locais contra o monopólio da indústria do entretenimento.

O enfoque, portanto, nesta tese, também é fazer uma descrição da identidade cultural a partir da inclusão tecnológica da comunidade quilombola Lagoa da Pedra, Arraias-TO, em uma perspectiva folkcomunicacional.

47 Numeração romana para as páginas iniciais do livro incluindo a Introdução. Normas da Editora do Senado

Federal.

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DECRETO Nº 6.177, DE 1º DE AGOSTO DE 2007. Promulga a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, assinada em Paris, em 20 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6177.htm>.