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CAPÍTULO 2 A AGRICULTURA FAMILIAR

2.5. Desafios e dificuldades do trabalho cooperado

Invariavelmente, acontecem disputas entre os próprios trabalhadores, porque eles têm a percepção de que a melhor forma de melhorar de vida é trabalhando individual-

64 mente, mesmo que contraditoriamente pensem que o trabalho cooperado seria a melhor alternativa. Mas quando as intenções vão para a prática, isso não acontece. Esse talvez seja o maior desafio do processo de formação para o trabalho, visto que o trabalho coo- perado existe, está nas relações capitalistas que dependem da cooperação dos trabalha- dores para se realizar, porém da mesma forma que explora e expropria, se esconde e se torna invisível para aqueles que, pejorativamente, "vendem o almoço para poder com- prar jantar".

Singer (2002) faz a discussão sobre o trabalho cooperado na forma de uma pro- posta chamada de Economia Solidária, fundada em princípios do cooperativismo e que aponta para ações e comportamentos que criam alternativas para a economia capitalista de mercado. Baseado na autogestão e na construção de valores solidários e democráti- cos entre as pessoas e organizações, seria possível tornar empresas solidárias, além de economicamente produtivas, em centros de interações democráticas e igualitárias. O autor também aponta uma série de dificuldades para que isso se concretize, mas acredita que é um caminho para viabilizar melhorias das condições de vida para os marginaliza- dos ou excluídos, ou simples desempregados que querem "fugir" das relações capitalis- tas.

Embora existam muitas ações bem sucedidas dentro dessa perspectiva da Econo- mia Solidária, como o caso da cadeia de empreendimentos solidários ligados ao setor de algodão no Rio Grande do Sul, apresentado por Lima (2006), ou do arroz orgânico, no mesmo estado, apresentado por Betanho (2008), são todas dependentes e alicerçadas em retóricas que justificam sua existência, e portanto, ainda é um projeto a ser construído, pois as ações são pontuais e localizadas, bem como os resultados ainda podem ser ques- tionados como ações que acabam por substituir as relações existentes da economia capi- talista por uma forma mais "progressista" de mundo, mas que na essência continua re- produzindo o modo de produção capitalista em sua totalidade.

Wellen (2012), em sua discussão sobre as possibilidades para os trabalhadores que pretendem e devem empreender para a conquista da emancipação por meio de seu traba- lho, afirma que não há garantias de que as cooperativas ou associações que são criadas pelos trabalhadores tenham bons resultados. Segundo o autor, "o cooperativismo tem sido proposto tanto por governos e indivíduos de direita - reacionários, conservadores, como pela esquerda, pelos progressistas, por aqueles que lutam por sociedades mais justas", assim, o "cooperativismo tanto pode ser um instrumento de emancipação dos

65 trabalhadores como pode ser usado para tornar, para esses mesmos trabalhadores, mais desvantajosas as relações de trabalho" (WELLEN, 2012, p.65).

Essa discussão pode servir de base para colocar a questão da organização dos mo- vimentos de resistência que buscam a emancipação, pois as experiências que acompa- nhamos em relação às estratégias dos movimentos em se aproveitar das políticas e dos financiamentos de Estado para construírem uma infraestrutura inicial, não tem sido bem sucedida na grande parte dos espaço produtivos. É fato que algumas organizações estão aproveitando os PAAs12 para consolidar a organização da produção em sua plenitude, mas vale ressaltar que são poucas, e os resultados podem ser questionados quando colo- cados numa linha de tempo futuro em relação à sua perenidade. Em Betanho (2008), estão relacionadas estruturas produtivas subutilizadas, como o pátio de venda da agri- cultura familiar do CEAGEPE (PE), a fábrica de doces de Escada, o abatedouro de aves da Cooperunião no Rio Grande do Sul, a fábrica de doces do Iterra em Veranópolis (RS). Em Uberlândia, tem-se duas estruturas produtivas paradas no assentamento do Rio das Pedras: uma fábrica de farinha e uma processadora de melaço, que estão semi- acabadas e sem atividade nenhuma. Se essas unidades de processamento estivessem prontas, ainda assim, atualmente, haveria problemas, porque os camponeses não têm domínio tecnológico, tanto de gestão como de produção para tocar o negócio, como será discutido mais à frente.

As experiências que vivenciamos indicam que no tempo em que a organização es- tá sobrevivendo com dinheiro público tudo vai bem, mas quando esse dinheiro deixa de entrar no caixa, as coisas começam a ficar precárias, inclusive nas relações pessoais entre as famílias. Nesse sentido, Betanho (2008) discute o aproveitamento dessas políti- cas públicas: enquanto existirem, devem ser usadas para criar condições concretas de garantir infraestrutura mínima de sobrevivência, pois quando as "vacas gordas emagre- cerem", a dependência das políticas de Estado nãos teriam impactos tão severos para esses espaço produtivos. Essa ainda é uma intenção, pois grande parte dos espaços pro- dutivos de trabalhadores ainda estão se sustentando por meio dos programas governa- mentais, esse ciclo de investimento estatal ainda não chegou ao seu final.

Podemos inferir que, aliado ao espírito individualista, que é alimentado pelos meios de comunicação burgueses e direcionados diariamente para os trabalhadores, ali-

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Programa de Aquisição de Alimentos criado pelo governo Lula em 2003, com a finalidade de incenti- var a agricultura familiar garantindo que os produtores entregassem suas produções diretamente a institui- ções beneficiadas.

66 ado à ideia de inclusão e crescimento, a realidade dos Agricultores Familiares Campo- neses está recheada de dificuldades. Talvez a única constatação sobre a qual não exista dúvida é a necessidade de arrumar meios para sobreviver, e essa necessidade é real e não pode ser adiada, tem que ser atendida todos os dias. O pesquisador acredita que, as contradições do individualismo, do estranhamento, da exploração, da propriedade, do domínio tecnológico externalizados, encontrados no cotidiano desses agricultores, são constantes e não serão superados de forma rápida ou com simples intervenções.

Levando em consideração que a emancipação econômica só ocorrerá a partir do momento em que as pessoas consigam se emancipar enquanto ser historicamente social, e dominar a sua própria existência (MARX, 2010), essas contradições podem não ser superadas a tempo de que as mesmas possam usufruir dos resultados. Assim, é factível entender que um processo de formação aconteça paralelamente às necessidades desses trabalhadores, levando em consideração não só as dependências tecnológicas, mas de todas as ordens e acúmulos de conhecimento da humanidade e que de fato viabilizem e dêem longevidade aos movimentos de resistência.