• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II Ensinar números racionais representados por frações

3. Desafios

Há diversos aspetos que poderão justificar as dificuldades no universo dos números racionais por parte dos alunos, tais como: a multiplicidade de significados, a perceção da quantidade, a utilização precoce de regras – representada sob a forma de fração, maioritariamente – entre outros aspetos. Estas dificuldades dos alunos são, consequentemente, um desafio para os professores.

Ainda que as frações façam parte da linguagem por nós utilizada todos os dias (meia chávena de leite, um quarto de maçã), os alunos demonstram algumas dificuldades na atribuição de significado à fração.

A passagem do número natural para a fração é sempre complicada; passamos de um algarismo para uma fração e, assim sendo, começamos por encontrar um motivo de dificuldade dos alunos: a representação de fração (Monteiro & Pinto, 2007).

A compreensão do que é uma fração não é uma tarefa simples pois, a fração é um conceito multifacetado do qual fazem parte diversos subconceitos.

Quaresma (2010, referindo Monteiro & Pinto) aponta algumas razões que poderão estar na origem das dificuldades dos alunos:

(i)o facto de uma fração ter uma construção multifacetada, ou seja, apresentar diferentes significados; (ii) a concepção da unidade; (iii) o ensino precoce e descontextualizado dos símbolos e algoritmos; e (iv) a sua representação ser constituída por dois números, facto que leva os alunos a interpretar uma fração como dois números separadamente. (p. 22)

Torna-se preferível que os alunos, numa primeira abordagem às frações, o façam intuitivamente, sem recorrer a regras para que, gradualmente, se apercebam que existem e não se limitem a recorrer à memorização pois, ao fazê-lo, poderão estar a impedir a interiorização do conceito e estarão a criar uma teia de conceitos que se interligam ao invés de apenas mais um conceito (Sequeira & Pinto, 2005). Deste modo, será feita uma matematização progressiva (idem). Monteiro e Pinto (2007), também fazem referência ao uso de estratégias alternativas afirmando que “as estratégias informais dos alunos não são o objetivo final do ensino, elas são o principio” (p. 16).

Numa fase embrionária do estudo das frações, os alunos optam por encontrar alternativas para resolver um problema ou tarefa, ou seja, tendem a utilizar uma representação visual para facilitar a compreensão do significado da fração, tal como referem Monteiro e Pinto (2005):

26

O treino permite a alguns alunos respostas corretas a situações de cálculo rotineiro, o que pode criar a ilusão de que compreendem o que fazem. Por outro lado, há situações em que os alunos resolvem bem um problema com desenhos ou esquemas, mas que não conseguem resolvê-lo recorrendo a símbolos. (p. 2)

Para além disso, pode tornar-se mais fácil para os alunos compreender um número racional como percentagem, e, neste caso, estamos a trabalhar o número racional representado sob a forma de percentagem utilizando rótulos, ou seja, exemplos familiares; o aluno procura incessantemente algo que conhece, que está presente no seu dia-a-dia, para compreender tarefas matemáticas. Desta forma, compreende-se uma vez mais que o entendimento da fração é facilitado pela compreensão visual do seu significado constituindo uma mais-valia para o estudo das operações com frações (Sequeira et. al., 2009).

Outros autores, tais como Quaresma e Ponte (2012), afirmam também que os alunos demonstram dificuldades na aprendizagem dos números racionais. Os mesmos autores refletem sobre investigações que apontam para a possível falta de noção quantitativa do número racional (Quarema & Ponte, 2012, baseando-se em Post, Behr e Lesh) pois, os alunos não compreendem que os números racionais podem ser representados de várias formas: numerais decimais, frações, percentagens, pontos de uma reta numérica, entre outros.

Apesar das razões explicitadas que justificam as dificuldades exibidas pelos alunos, é necessário que estes tenham de operar com os símbolos respeitando o seu significado e tenham de compreender o conceito de fração no seu múltiplo significado, atribuindo-lhe sentido. O facto de realizarem múltiplas tarefas neste âmbito, poderá criar a ilusão, para o professor, de que o conceito foi interiorizado; existem tarefas em que “o aluno resolve bem um problema com desenhos ou esquemas, mas que não conseguem resolvê-lo recorrendo a símbolos (Monteiro & Pinto, 2007, p. 2). Monteiro e Pinto (2007) referem, também, que é mais usual ser trabalhado o significado parte-todo, nomeadamente nas situações de partilha equitativa e de medida. No que diz respeito à relação parte-todo “a fração surge da comparação entre a parte e o todo” (p. 5) e na medida “compara uma grandeza com outra tomada como unidade” (p. 6).

No decorrer de cada situação didática, é importante salientar a fração enquanto relação, o que, segundo as mesmas autoras, poderá apresentar inconvenientes porque os alunos

27

podem confundir a “relação da parte com o todo, com a relação da parte com a outra parte” (Monteiro & Pinto, 2007, p. 16).

Em termos pedagógicos, o professor deverá colocar-se a si próprio algumas questões orientadoras do trabalho: “O que significa compreender os números racionais? Quais serão os obstáculos conceptuais para as crianças enquanto fazem a transição do número natural ao número racional?” (Lamon, citado por Silva, 2012, p. 62). Em suma, as frações são um tópico que se torna desafiante para o professor na medida em que este terá de ponderar um encadeamento de tarefas onde os conceitos a abordar consigam estar interligados para que façam sentido para os alunos e, gradualmente, para os conseguir interligar, gerando um fio condutor de conhecimentos. Desta forma, poderão ser reconhecidas as potencialidades de uma fração e compreender o porquê das suas múltiplas facetas.

No que diz respeito ao professor, as várias formas de representações dos números racionais poderão ser encaradas como um desafio; o professor terá de começar por ser ele próprio a estabelecer relações para as transmitir aos alunos (Fosnot & Dolk, 2002). O grande objetivo e desafio do professor será refletir sobre como ajudar os alunos a desenvolver o sentido de número racional. Segundo os mesmos autores, Fosnot e Dolk (2002) este é um desafio difícil de concretizar e têm de ser criadas as condições necessárias para que tal aconteça: os materiais indicados devem ser fornecidos aos alunos, as tarefas têm que ser devidamente pensadas e trabalhadas para que as crianças consigam fazer a ponte entre os conhecimentos intuitivos e desprovidos de regras matemáticas e os métodos e técnicas adequadas à resolução de cada tarefa.

Para tentar ajudar os alunos a fazerem face às suas dificuldades, o professor poderá selecionar e sequenciar tarefas tendo por pano de fundo a ideia de trajetória hipotética de aprendizagem ao perspetivar o ensino, com base na construção de uma trajetória de aprendizagem, beneficia o professor uma vez que todos os objetivos, conteúdos e ideias chave de cada tarefa são delineados e é definido o encadeamento sequencial de cada uma (Delgado, 2013). Este é um processo que “obriga o professor a refletir acerca das atividades desenvolvidas na sala de aula e nos seus efeitos na aprendizagem dos alunos” (Delgado, 2013, p. 80). A par de todos os benefícios acima descritos, encontram-se os desafios colocados ao professor pois:

28

Exige (do professor) um forte conhecimento dos seus alunos, no sentido em que, neste processo, o professor terá de prever o tipo de atividade mental que é desenvolvido por eles que permita a construção dos conceitos e a sua progressão. (Delgado, 2013, p. 80, baseando-se em Clements & Sarama e Simon & Tzur)

Tentar construir uma trajetória de aprendizagem sequencial é um grande desafio no que diz respeito à articulação das tarefas, aspeto sublinhado por Delgado (2013).

Em suma, as frações não são um conteúdo de fácil aprendizagem para os alunos nem é fácil, para o professor ensiná-lo. No entanto, se se partir dos conhecimentos informais dos alunos, se se escolherem tarefas, com contextos adequados e que permitam trabalhar os vários significados de fração, é possível conseguir que os alunos aprendam frações numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número.

29

Capítulo III

Documentos relacionados