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DESAPEGO E RECIPROCIDADE

No documento TÍTULO (páginas 80-84)

4 DESENVOLVIMENTO HUMANO

4.4 DESAPEGO E RECIPROCIDADE

Diante do desejo de que os fatores anteriormente discutidos se efetivem e para que o constante desenvolvimento pelo qual passa a pessoa possa encontrar elementos que lhe facilitem, é preciso também o desapego. Este significa a abertura constante à mudança, ao novo, à atualização. É por essa disposição ao novo que o desapego se justifica entre os princípios da interdisciplinaridade (FAZENDA, 2002).

Com a ajuda dele, a

Interdisciplinaridade compreende a busca constante de novos caminhos, outras realidades, novos desafios, a ousadia da busca e do construir. É ir além da mera observação, mesmo que as realidades do cotidiano teimem em nos colocar perplexos e inseguros diante do desconhecido ou estimulando a indiferença para evitar maiores compromissos (SOUZA, 2002, p.120).

Para tanto, ao contrário do que se pensa, o desapego não é nunca o negar-se do passado, mas sim o desejo constante de evolução. Por isso, ele se vale da humildade ao saber que o caminho da evolução é constante e que o tempo das transformações é inseparável ao tempo em que se vive. Ele se utiliza do respeito ao passado, às experiências anteriores, à memória, mas sempre os utilizando como impulsão ao futuro. Traz consigo a espera vigiada, como que reconhecendo que a cada nova etapa os desafios aumentam e tornam-se cada vez mais decisivos, para o que é preciso refletir antes de qualquer decisão.

O desapego significa desprender-se dos preconceitos com relação ao novo, por mais assustador que uma nova visão possa ser. Assustador, no sentido de que os homens se sentem desconfortáveis diante do inédito, da incerteza e das inúmeras variáveis que o desconhecido apresenta, colocando em situação difícil a segurança adquirida pelas experiências passadas. É como se o passado, por pior que tenha sido, fizesse mais sentido, ou melhor, é que sobre as coisas do passado o homem tem certo domínio de suas atitudes. Porém, é preciso superar esse receio e aventurar-se por novos horizontes.

O docente não pode questionar seu aluno quanto a uma nova perspectiva se ele próprio não se relaciona com o futuro. O primeiro a dar esse passo rumo à mudança, que sempre há de ser incerta, é o professor. “Para socorrer verdadeiramente alguém, observa Kierkegaard, devo estar melhor informado que ele

e, antes de tudo, ter a inteligência do que ele compreende, sem o que a minha qualidade de mestre não lhe será de nenhum proveito” (GUSDORF, 1987, p.140). O docente, em sua atitude interdisciplinar, está na vanguarda dessas reações, chamando e incentivando aqueles que desejam alcançá-lo.

Apenas quando o docente interdisciplinar e a escola em si se desligarem do comodismo que acompanha o passado e assumirem a ousadia da inovação é que se iniciará a construção de um ambiente capaz de promover efetivamente o desenvolvimento humano.

A antiga visão de escola está vinculada à atrofiada percepção da pura divulgação do conhecimento. Porém, a instituição em questão abriga pessoas, cada uma com sua história, com sua identidade, cheia de valores e de desejos, que nascem e se reforçam fora das paredes da escola. Quando as pessoas adentram o recinto, é impossível focarem-se totalmente nas atividades propostas. Não é mais permitido ignorar tais aspectos. Para facilitar o desenvolvimento humano, é preciso entender e assumir os elementos em questão.

Assumindo essa interpretação multifacetada das pessoas que a compõem, aceitando que cada uma traz para dentro da escola situações e sentimentos ocorridos em sistemas diferentes e distantes do microssistema escolar, apontamos o ponto propedêutico para uma relação baseada na RECIPROCIDADE. A escola apresenta seu corpo teórico de conhecimento, oferece aos seus toda base científica atual e recebe em troca a experiência, a vida de cada um que compõem seu interior, dos docentes aos alunos. O resultado dessa troca se dá num conhecimento significativo, que abrange todas as características da pessoa, a intelectual, a social, a emocional e a psicológica. Consequentemente, faz com que as ações adotadas tornem o local um espaço de desenvolvimento.

A escola consciente da complexidade daqueles que a formam passa a participar diretamente da regulação da atenção, das emoções, dos comportamentos e, é claro, da aprendizagem. Nesse contexto, cada pessoa vivencia inúmeras situações: relação entre pares, grupos, amizade, competição, rivalidade, aprendizagem e descoberta do novo, entre tantas outras. Diante de tudo isso, a escola pode promover a autoestima e a auto-eficácia, capacitando a todos em habilidades sociais, além de influenciar o relacionamento entre o grupo de iguais por meio de normas, de regras e da cultura da própria instituição (POLETTO; KOLLER, 2008).

Tornar real todas as transformações sugeridas até aqui não é algo fácil. Os desafios em adotar novos rumos são tão grandes e cheios de obstáculos. Há, em inúmeros momentos, o sentimento de insegurança, a incerteza quanto ao sucesso e quanto à efetividade das ações, que se não forem bem trabalhados pelo professor, se não forem superados com coragem, confiança e ousadia podem dominar aqueles que decidem pela interdisciplinaridade, degenerando no desejo de abandonar sua nova atitude e retornar aos moldes antigos. Com as antigas ações, havia ao menos a falsa segurança de que conheciam os procedimentos, ainda que esses estivessem defasados e fossem falhos.

Mesmo com tanto receio, é preciso continuar. Saint-Exupery alertava, “a vida do passado parece corresponder melhor à nossa natureza apenas porque corresponde melhor à nossa linguagem” (1981, p.38), por isso, para superar tanto medo é que se constrói, com a ajuda de todos, orientados pela atitude interdisciplinar, uma nova linguagem.

O alicerce que sustenta esse desapego e a adoção de uma atitude interdisciplinar por parte do docente se constrói também com a reciprocidade. O professor que oferece seu “eu”, sua identidade aos outros, ainda que o faça desinteressadamente, tomado apenas pela responsabilidade daquele que participa ativamente do local em que se encontra e, mais ainda, que atua diretamente na história das pessoas que estão ao seu lado, ainda que a gratuidade conduza tais relações, o docente sempre há de receber algo em troca. Como uma ordem natural, a reciprocidade, de diversas formas, vai lhe ofertar amparo ante os desafios do novo e o incentivo para continuar nesse rumo inovador.

Com o aluno, por exemplo, o docente interdisciplinar vai encontrar um parceiro, um companheiro na construção de novos saberes. Quando o professor une ao conhecimento sua experiência, dando sentido à teoria e ao mesmo tempo abre espaço para a participação dos discentes, esses o surpreendem, devolvendo visões e ideias, ainda que pouco articuladas, as quais escapavam aos olhos do professor, ampliando assim também sua condição de análise do mundo. Na relação recíproca entre professor e aluno, há a troca de saberes, mas, principalmente, existe a troca de experiências, de vida. É um se dispondo ao outro numa relação desenvolvente de todos.

Quando, por sua vez, o olhar se volta para a relação recíproca entre os professores, a conquista se dá na propagação e na corroboração da atitude

interdisciplinar. O docente, junto a seus pares, encontra força e apoio para seguir acreditando na mudança, encontra alternativas quando o novo parece obscuro e duvidoso. A reciprocidade reforça as parcerias, valoriza o trabalho em equipe, convida os professores a trocarem ideias e vivências, despertando o sentimento de pertença e compromisso de todos.

Por fim, pela reciprocidade também o ambiente escolar se torna outro. Não é nova a ideia de que a relação entre a pessoa e seu ambiente é uma relação recíproca. Tendo como base essa máxima, pode-se reconhecer que o professor, ao se tornar interdisciplinar, ao assumir atitudes interdisciplinares, também torna a escola assim. Nesse sentido, tal local passa a ser um ambiente preocupado com a formação integral da pessoa, valorizando a construção e a propagação do conhecimento intelectual, mas sem se limitar a ele, avançando para todas as outras questões que envolvem a vida daqueles que atuam dentro de seu espaço.

Na relação recíproca e transformadora gerada pela atitude interdisciplinar docente e a escola, o objetivo da instituição – em particular do Ensino Médio – ganha ares de realidade, pois a escola está atenta à formação que permite a continuidade do estudo ao mesmo tempo em que se mantém ciente dos interesses dos alunos e da necessidade deles em ingressar no mercado de trabalho, deixando cada um apto a exercer qualquer futura função. Transcende até mesmo esses dois quesitos, pois o estudo e o trabalho são aspectos pertencentes a algo maior que é a vida humana. Assim, a escola, consequentemente, atém-se aos aspectos biológicos, psicológicos e sociais dos seus. Na somatória de todas essas características, a escola que se faz interdisciplinar pela atuação diferenciada de seus docentes também se faz um local de desenvolvimento humano.

De várias maneiras, as relações baseadas na reciprocidade acontecem. O professor, em sua atitude de oferta, também recebe. O desapego, esse esvaziamento racional (no sentido de que o professor avalia seu trabalho, sua postura, sua experiência de modo a separar o que é ultrapassado daquilo que ainda pode ser feito. O desapego não apaga a história de cada um, ele apenas auxilia a abandonar alguns pontos e fortalecer e atualizar outros), abre espaço ao novo, mas o que é inédito ainda não está pronto, é preciso, então, paciência e vontade, respeitando o tempo de corroboração desse emergente propósito. É necessário a espera vigiada e o reconhecimento de tudo o que foi e está sendo feito.

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