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Desaprender para recomeçar: urgências e desafios dos estudos subalternos pós coloniais

Quando sinhô-moço certificou-se de que o negro aprendia, parou a brincadeira. Negro aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber de branco?

— Conceição Evaristo

A chegada da esquadra portuguesa de Pedro Álvares Cabral à região próxima do que hoje conhecemos como Porto Seguro (BA), em 1500, costuma ser apontada como o início da História do Brasil. Muitos de nós, ainda na escola, aprendemos sobre o descobrimento das terras brasileiras pelos lusitanos que, na verdade, buscavam refazer os caminhos de Vasco da Gama para estabelecer relações comerciais com o Oriente. No entanto, essa narrativa vem sendo questionada ao longo das últimas décadas, uma vez que descreve os acontecimentos por meio de uma perspectiva eurocêntrica, tendo em vista que, segundo ela, nossa existência só pode ser contada – e, consequentemente, validada – a partir de nosso encontro com os portugueses; como se só existíssemos para o mundo quando passamos a existir para a Europa. Nesse contexto, não é de se espantar a ausência da visão das populações indígenas que aqui habitavam sobre a chegada dos colonizadores na construção da historiografia do Brasil – algo que, felizmente, já começou a ser revisto.

Em Considerações sobre o sentido da colonização (1969), o historiador Fernando Antônio Novais chama atenção para como a obra de Caio Prado Junior12, publicada quase três

décadas antes, já discutia profundamente os mecanismos e implicações de nossa formação colonial. Contudo, Novais ressalta que o livro não teve o impacto esperado na visão geral sobre o período, tendo sido aproveitado “quase que exclusivamente nas análises particulares” (1969, p. 55). Ainda neste ensaio, o historiador reflete sobre o significado do termo colonização e apresenta, resumidamente, a tipologia das colônias, isto é, as classificações das diferentes maneiras que o imperialismo concretizou os processos colonizadores ao redor do mundo. A formação colonial brasileira se insere na tipologia de exploração:

[...] As colônias de plantação [...] ou de exploração instalam-se para abastecer a metrópole dos chamados “produtos coloniais”: açúcar, café, índigo, tabaco, algodão... O meio geográfico será necessariamente diverso do metropolitano para produzir essas “kolonialwaren” [...] O colono é, aqui, antes de tudo, empresário; reclamam por isso essas colônias grandes inversões de capital, e organização “artificial” (sic!) do trabalho, tais a escravidão ou migração engajada [...] A produção dessas colônias de exploração visa pois o mercado metropolitano, a riqueza cresce rapidamente; o crescimento demográfico é porém lento, a sociedade “deixa muito a desejar”. O espírito democrático é débil e não amadurece cedo para a liberdade (NOVAIS, 1969, p. 57).

O próprio nome deste tipo de colonização já revela suas intenções: explorar o território colonizado, fornecendo à metrópole o que de melhor há nessas terras. Para realizar este trabalho, subentende-se a necessidade de uma mão-de-obra também explorada, a fim de prover o máximo de riquezas com o mínimo de gastos para o império. Nesse sentido, já é possível perceber como essa formação colonizada da sociedade brasileira colocou o País, desde o início de sua “existência oficial”, numa posição inferiorizada cuja estrutura de exploração e dependência fundaram a base perfeita para o desenvolvimento da desigualdade, após séculos de escravidão.

Muito desse poder exercido sobre o território colonizado assentava-se na imposição de uma espécie de discurso civilizador que enxergava na Europa Ocidental o apogeu do desenvolvimento e da cultura e nos países meridionais o auge do atraso e da selvageria – um exemplo óbvio dessa visão é a catequização dos povos indígenas pelos jesuítas. Segundo Gayatri Spivak, “[...] a gravidade do imperialismo foi ele ter sido ideologicamente imbuído do sentido de uma “missão social” (2018, p. 137). A dicotomia civilização vs. barbárie foi utilizada

12 O autor está se referindo a primeira edição da obra Formação do Brasil contemporâneo – Colonia, publicada

também pelos espanhóis nos processos de colonização de outros países da América Latina, como aponta a pesquisadora Irlemar Chiampi:

José de la Luz y Caballero, Esteban Echeverría, Juan Bautista Alberdi, José Victorino Lastarria ou Francisco Bilbao, criticaram o servilismo da adoção das filosofias inglesa, francesa ou alemã, sustentando a urgência de soluções próprias. Malgrado a comprovação dos desajustes de todo tipo de transplante cultural à América Latina, parecia inevitável a “europeização”, devido à incipiência das teorias educacionais próprias, à inexistência de uma Filosofia americana, ao afastamento do intelectual das massas iletradas (ora pelo seu status social, ora por sua refinada formação parisiense ou londrina), e, em suma, devido ao desconhecimento do que fosse a tão propalada “realidade latino-americana”. De resto, os contrastes entre a vida urbana e a rural, as disparidades sociais, o caos político, a brutalidade do meio, eram tidos como índices de “barbárie”, cuja eliminação se programava pela assimilação das formas “civilizadas” de vida (CHIAMPI, 1977, p. 75-76).

Apesar de terem sofrido instaurações coloniais distintas, é importante compreender que esse histórico de exploração, dependência, abuso e apropriação marca a formação de grande parte dos países ao sul da Europa, incluindo a Ásia Meridional – de onde partem os primeiros estudos que iniciam o movimento Pós-Colonial.

As mudanças efetuadas pela Revolução Industrial, iniciada nas últimas décadas do século XVIII, bem como as consequentes inovações nos métodos de produção geraram novas demandas no comércio, como o barateamento do custo das matérias-primas e a ampliação dos mercados consumidores, uma vez que as colônias estabelecidas por Portugal, Espanha, Inglaterra e França no continente americano já não eram capazes de supri-las, como vinham fazendo desde o século XVI. Por isso, a partir do século XIX, as nações europeias passaram a explorar os continentes africano e asiático, dominando econômica e politicamente seus países. As decorrências do imperialismo europeu foram tão cruéis nesses processos de dominação quanto foram as vivenciadas pela América. Nos períodos que circundam as grandes guerras, os movimentos de resistência ganham força, firmando bases independentistas na África e Ásia, onde muitos conquistam seus objetivos após a Segunda Guerra Mundial, que termina oficialmente em 1945.

Nesse panorama, a professora e pesquisadora Luciana Ballestrin esclarece que há duas apreensões possíveis acerca do termo pós-colonialismo: uma diz respeito ao período no tempo da história que decorre da independência e descolonização dos países explorados pelas potências europeias – justamente o período pós-guerra, a partir da metade do século XX –; já o outro significado remete a um “conjunto de contribuições teóricas oriundas principalmente dos estudos literários e culturais” (BALLESTRIN, 2013, p. 90).

Vale destacar, ainda, algumas ressalvas que Ballestrin aponta em seu artigo. Como praticamente todos os movimentos e transformações que ocorreram ao longo da história do mundo, o pós-colonialismo não começou em um dia específico e inaugurou, apenas a partir dali, tudo que se pensou sobre o tema. A maioria das rupturas que pretendem enfraquecer a hegemonia em curso constroem-se aos poucos e, mesmo após estabelecidas, ainda dividem espaço com resquícios do movimento anterior. Como exemplo, a pesquisadora aponta a existência de pensadores pós-coloniais, inclusive europeus, antes da institucionalização da corrente teórica.

Dito isso, um consenso entre os pesquisadores do tema conseguiu estabelecer o início da escola de pensamento pós-colonial a partir das publicações de três teóricos franceses que refletiram sobre o pós-colonialismo em épocas similares. São elas: Retrato do Colonizado precedido de retrato do colonizador (1947), de Albert Memmi; Discurso sobre o colonialismo (1950), de Aimé Césaire e Os condenados da terra (1961), de Franz Fanon. Essa tríade inaugura uma “transformação lenta e não intencionada na própria base epistemológica das ciências sociais” (BALLESTRIN, 2013, p. 92). A partir da década de 70, os estudos passam a ser mais ordenados, com a formação do Grupo Sul-Asiático de Estudos Subalternos, sob a liderança do historiador bengalês Ranajit Guha. O subalterno é entendido, aqui, como aquele que pertence “às camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante” (SPIVAK, 2000 apud ALMEIDA, 2018, p. 13-14). Em 1978, o intelectual e crítico literário palestino Edward Said (1935-2003) publica a obra Orientalismo, que se tornaria um dos grandes clássicos da pós-colonialidade por problematizar a origem do significado por trás da ideia de “oriente”, considerando que a compreensão geral (estereotipada) acerca do termo está baseada numa perspectiva eurocêntrica que, como vimos, desde o início das transações comerciais internacionais, olhou para os outros países com arrogância, desprezo e autoridade. Nesse sentido, orientalismo designa o processo discursivo que engendrou o sentido de oriente como algo muito além da simples denominação geográfica, ou seja, uma invenção cultural produzida pelo “colonizador” a fim de manter o domínio sobre os territórios à leste da Europa – vistos igualmente como exóticos, inferiores, misteriosos etc., desconsiderados em suas diferenças ideológicas, culturais e religiosas. Nas palavras de Said, “existe, afinal, uma profunda diferença entre o desejo de compreender [outros povos] por razões de coexistência e de alargamento de horizontes, e o desejo de conhecimento por razões de controle e dominação externa” (SAID, 2007, p. 15).

Essa visão crítica norteou as pesquisas do Grupo Sul-Asiático de Estudos Subalternos, cuja proposta inicial era “analisar criticamente não só a historiografia colonial da Índia feita por ocidentais europeus, mas também a historiografia eurocêntrica nacionalista indiana” (GROSFOGUEL apud BALLESTRIN, 2013, p. 92). De maneira geral, esses pesquisadores compreenderam que a história “oficial” de seus países estava baseada em um ponto de vista único, que tinha interesses específicos em uma maneira muito própria de contar essa história; consequentemente, evidenciou-se a necessidade de buscar a voz dos que até então não tiveram a oportunidade de falar por si próprios e de contar a sua visão sobre esses processos, daí a denominação do grupo, que iria olhar para a narrativa dos subalternos – ignorada até então.

Para compreender a importância dessa guinada epistemológica, cabe aqui um paralelo com a (já) clássica análise que a tradutora e crítica norte-americana Helen Caldwell fez da obra de Machado de Assis, Dom Casmurro.

Publicado em 1899, o romance conta o desenvolvimento da relação de Bento e Capitu – desde a infância, quando eram vizinhos, até as crises depois do casamento e do nascimento do filho. Bento é apresentado como um cavalheiro distinto, que tem prestígio político e social; é ele, também, quem narra a história. Dois caminhos de leitura se concretizaram após a publicação da obra, como aponta Roberto Schwarz (1991): a leitura romanesca, que privilegia o casal e seu relacionamento, e a leitura patriarcal/policial, que foca nas evidências deixadas no texto de um possível adultério cometido por Capitu. Foi só em 1960, quando Caldwell publicou O Otelo brasileiro de Machado de Assis, que o terceiro caminho foi desvendado. A grande armadilha da narrativa estava justamente na escolha do narrador: ao colocar Bentinho nesta posição, Machado faz com que tudo que captamos do texto esteja filtrado pela ótica dele, daí a dificuldade de se fugir da leitura do adultério de Capitu; nesta terceira perspectiva descoberta mais de 60 anos depois da primeira edição de Dom Casmurro, é Bento quem vira suspeito de ser um mau-caráter.

Schwartz também aponta que, a partir das contribuições de Caldwell, outro crítico estrangeiro pôde aprofundar ainda mais a análise. O inglês John Gledson levou a questão da falta de objetividade do narrador-personagem para outras camadas, além da sentimental – explorada pela crítica norte-americana:

[...] Gledson identifica a presença de interesses propriamente sociais, ligados à organização e à crise da ordem paternalista. Em lugar do novo Otelo, que por ciúme destrói e difama a amada, surge um moço rico, de família decadente, filho de mamãe, para o qual a energia e liberdade de opinião de uma mocinha mais moderna, além de filha de um vizinho pobre, provam intoleráveis (SCHWARTZ, 1991, p. 86).

A novidade trazida por Gledson está em perceber que a “conduta capciosa do autor- protagonista não suspende o conflito social nem a História, muito pelo contrário” (SCHWARTZ, 1991, p. 87). Nessa perspectiva, as propriedades intelectuais de Bento Santiago, por exemplo, passam a ser indícios da desigualdade de classes no campo da cultura, em vez de apenas características positivas que contribuiriam para o país: “Longe de ser a solução, o refinamento intelectual da elite passa a ser uma face — com aspectos diversos, positivos e também negativos — da configuração social que o romance [...] põe a nu” (SCHWARTZ, 1991, p. 88).

Ao descartar a ilusória imparcialidade do narrador e “trazer à frente a componente social das personagens” (SCHWARTZ, 1991, p. 91), Caldwell e Gledson foram capazes de revelar uma nova camada do texto de Machado que, por anos, passou despercebida. Apesar de ser o mesmo texto narrando os mesmos acontecimentos, a partir dessas descobertas as possibilidades de compreensão da obra se ampliam, assim como diversos aspectos, que, até então, pareciam apenas ornamentais, ganham significações importantes. Daí o paralelo dessa terceira leitura de Dom Casmurro com o grupo de Estudos Subalternos – embora as semelhanças residam, unicamente, na lógica de pensamento que estrutura as críticas, uma vez que nem Caldwell (de influência feminista) nem Gledson (de influência marxista) pertencem a linha dos estudos pós- coloniais –: era preciso olhar para a produção textual histórica dos países colonizados, buscando fazer uma nova leitura desses escritos, munidos da convicção não apenas de que o autor- narrador tem suas intenções, mas de que o ofuscamento delas muda radicalmente o resultado e a significação da história que eles contam. Em Dom Casmurro, a conclusão dessa visão crítica e menos conformista foi a mudança do paradigma sobre a obra: o grande enigma cuja decifração importa deixou de ser Capitu e sua possível traição, e passou para a conduta e o nível de manipulação praticada por Bentinho. Nos Estudos Subalternos, as conclusões trouxeram questionamentos importantes, uma vez que, diferentemente do que fizeram os críticos estrangeiros com Machado, há aqui a necessidade de se pensar também nas possibilidades e limites de uma nova escrita, protagonizada por um outro sujeito (subalterno), além dessa nova/outra leitura.

Autores como Partha Chatterjee, Dipesh Chakrabarty e Homi Bhabha desvelam uma dimensão teórica do colonialismo, que atinge as ciências humanas – além dos efeitos econômicos e políticos já conhecidos:

[...] as humanidades e as ciências sociais modernas criaram um imaginário sobre o mundo social do “subalterno” (o oriental, o negro, o índio, o camponês) que não somente serviu para legitimar o poder imperial no nível econômico e político, mas também contribuiu para criar os paradigmas epistemológicos dessas ciências e gerar as identidades (pessoais e coletivas) dos colonizadores e colonizados (CASTRO-GÓMES, 2005, p. 20 apud BALLESTRIN, 2013, p. 93).

A década de 1980 é o período de divulgação e expansão dos Estudos Subalternos, quando intelectuais asiáticos residentes em outros países, principalmente Estados Unidos e Inglaterra, levam a discussão para a área dos estudos culturais e da crítica literária de suas universidades – daí o nome mais conhecido dessa corrente ser o termo em inglês, subaltern studies. É nessa época também que o debate sobre os limites da prática discursiva do intelectual pós-colonial ganha força, principalmente depois da publicação de Pode o subalterno falar? da indiana Gayatri Spivak, em 1985.

Nesta obra, uma das mais conhecidas e herméticas dos Estudos Subalternos, Spivak parte de uma crítica sobre a filosofia de Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925- 1995) para demonstrar que, apesar das imensas contribuições dos dois filósofos sobre a não- homogeneidade das redes de poder, desejo e discurso e suas preocupações em colocar o Outro da sociedade como digno do interesse e da investigação dos intelectuais, lacunas importantes não foram preenchidas e relevantes descobertas foram ignoradas por ambos. A teórica indiana cita o capitalismo global como uma das instâncias cuja influência foi desconsiderada pelos filósofos ao tratarem da luta dos trabalhadores, por exemplo. Além disso, Spivak também ressalta a resistência de Foucault e Deleuze em considerar os avanços conquistados pelos trabalhos de Freud sobre o desejo e de Marx sobre a ideologia. Para ela, as reflexões desses teóricos acabaram sustentando uma incoerência epistêmica: “[...] a contra-dição não reconhecida de uma posição que valoriza a experiência concreta do oprimido, ao mesmo tempo que se mostra acrítica quanto ao papel histórico do intelectual” (SPIVAK, 2018, p. 38).

Spivak recorre à língua alemã para iniciar sua crítica à representação do subalterno pela classe intelectual. Os termos Vertretung e Darstellung são traduzidos igualmente como “representação”, no entanto, seus significados são distintos: “[...] o primeiro termo se refere ao ato de assumir o lugar do outro numa acepção política da palavra, e o segundo, a uma visão estética que prefigura o ato de performance ou encenação” (ALMEIDA, 2018, p. 15). Assim, ao distinguir tais significados, a autora alerta, reconhecendo seus próprios deslizes, que o discurso do intelectual está imbricado no discurso hegemônico e, portanto, qualquer ato de resistência que fale em nome do Outro subalterno estará, inescapavelmente, reproduzindo as

estruturas de poder e mantendo o subalterno silenciado. Ela também ressalta, ao refletir sobre algumas práticas tradicionais indianas de sacrifício das mulheres viúvas, que a situação da mulher é ainda mais fragilizada do que a do homem subalterno, devido a opressão de gênero, uma vez que “nunca se encontra o testemunho da voz-consciência das mulheres” (SPIVAK, 2018, p. 123). Ao ver o “papel do intelectual como cúmplice do processo de colonização” (AGUIAR, 2016, p. 278), Spivak escancara a necessidade dessa guinada epistemológica que estrutura a base da corrente pós-colonial e imputa o combate da subalternidade aos intelectuais e, principalmente, às intelectuais mulheres, na última frase de sua principal obra: “A mulher intelectual como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio” (2018, p. 165).

Posteriormente, muitas questões colocadas por Spivak foram criticadas, principalmente o excesso de desconstrutivismo13 de suas reflexões, oriundo, provavelmente, de sua ligação

teórica com Jacques Derrida14 – principal nome deste movimento intelectual.

A expansão dos Estudos Subalternos para além das fronteiras sul-asiáticas inspirou, no início dos anos 1990, a criação de um grupo latino-americano cujo objetivo era “buscar novas formas de pensar e de atuar politicamente”15, enfocadas no subalterno. Assim como o grupo

original, o latino-americano também fora formado, majoritariamente, por intelectuais que atuavam nos Estados Unidos, embora fossem naturais de países latino-americanos. Dentre seus integrantes, é possível citar Ileana Rodríguez, John Beverley, Robert Carr, José Rabaza e Javier Sanjínes como os componentes da primeira formação.

Embora o grupo tenha publicado algumas obras e coletâneas relevantes para o pensamento latino-americano pós-colonial, como Colonialidad y modernidad-racionalidad (1992), de Aníbal Quijano e Teorías sin disciplina: latinoamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate (1998), coordenada por Eduardo Mendieta e Santiago Castro-Gómez, sua formação durou poucos anos, devido às discrepâncias teóricas entre seus componentes: alguns acreditavam que o grupo estava demasiadamente baseado nos estudos subalternos sul- asiáticos que, por sua vez, eram acusados de não romper propriamente com as referências teóricas eurocêntricas.

O principal porta-voz desta crítica interna ao grupo foi o argentino Walter Mignolo, semiólogo e professor de literatura na Duke University (EUA). Na própria coletânea Teorías

13 Cf. BALLESTRIN, 2013, p. 93.

14 Spivak tornou-se conhecida, primeiramente, como a tradutora de Derrida e por seus trabalhos de desconstrução. 15 Trecho retirado do foundind statement – manifesto inaugural – do grupo, publicado originalmente em 1993, na Boundary 2, editada pela Duke University Press (GRUPO LATINO AMERICANO DE ESTUDOS SUBALTERNOS, 1998, p. 70 apud BALLESTRIN, 2013, p. 94).

sin disciplina..., Mignolo aponta sua insatisfação com essa postura de simplesmente assumir e traduzir as teses desenvolvidas pelos teóricos indianos para a América Latina. Segundo Castro- Gomés e Mendieta, o semiólogo argentino afirmava que “as teorias pós-coloniais têm seu locus de enunciação nas heranças coloniais do império britânico” e, portanto, seria necessário “buscar uma categorização crítica do ocidentalismo que tenha seu locus na América Latina” (1998, p. 17 apud BALLESTRIN, 2013, p. 95). Luciana Ballestrin aponta 1998 como o ano de desagregação do grupo de estudos subalternos latino-americano devido às inúmeras divergências teóricas que impossibilitaram o avanço das discussões. No entanto, não há um consenso sobre quando o grupo foi, de fato, encerrado. Em Subalternidad y Representación: debates en teoría cultural (2004), o professor e crítico literário John Beverley, integrante do grupo desde sua formação inicial, apresenta 2002 como sendo o ano oficial de dissolução:

[...] la disolución formal en 2002, después de un doloroso esfuerzo para encontrar una manera de seguir adelante, del llamado Grupo de Estudios Subalternos Latinoamericano, formado inicialmente diez años antes, en 1992, cuyo trabajo colectivo, representado en dos antologías editadas por Ileana Rodríguez: The Latin American Subaltern Studies Reader (2001), y