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2. FORMAÇÃO E IMPORTÂNCIA DOS MUNICÍPIOS NO CONTEXTO

2.5. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E DO PODER POLÍTICO

2.5.1. Descentralização intergovernamental

O processo de descentralização no mundo, e em particular no Brasil, tem várias causas; da mesma forma, pode-se dizer que envolve questões econômicas, jurídicas, políticas, administrativas e sociais. Com relação às questões econômicas, (SANTOS, A. 2010; FIORI, 1995) consideram que os mecanismos e processos relacionados ao federalismo e à descentralização estão imbricados no desenvolvimento e avanço do capitalismo. Também para Santos, A. (2010), a descentralização teria como causa o desenvolvimento do país como um todo no

sistema capitalista, com vista ao aumento da concorrência entre os entes federados. Assim, a descentralização estaria relacionada à mundialização do capital, em que grandes empresas buscam nos estados e municípios oportunidades de avançar economicamente ao beneficiar-se de alguma forma de incentivo governamental. Neste sentido, há uma crescente importância das escalas locais e regionais na formação de crises fiscal do Estado brasileiro. Transfere-se o ônus do desenvolvimento para a escala local, mais precisamente para o município; e paradoxalmente, com vistas ao crescimento econômico do país.

Na busca pela solução dos problemas gerados pela crise econômica nacional durante os anos 1980, período conhecido como ―a década perdida‖ estabeleceu-se um ―[...] elo entre desenvolvimento, poder local e gestão participativa por meio de um redimensionamento do tamanho do Estado, na condução das políticas públicas, por via da descentralização‖ (SANTOS, A. 2010, p. 131). Com a mudança de estratégias para o desenvolvimento, a economia brasileira passou a se adaptar aos ditames dos movimentos da economia internacional, sobretudo dos mercados financeiros que tinham como objetivo aumentar seus lucros a partir de uma relação direta com os locais.

Tratou-se de buscar nos municípios as condições necessárias para que o capital continue a se reproduzir num novo contexto político-econômico- financeiro, em que a intencional perda da centralidade dos Estados nacionais é acompanhada pelo despertar da capacidade empreendedora das cidades locais, donde formas precarizadas de trabalho são ressignificadas, aparecendo sob manto ideológico (SANTOS, A. 2010, p. 131).

O Estado se ausenta da responsabilidade de diversos problemas gerados na escala mundial ou nacional, como questões ambientais ou sociais, passando a responsabilidade da resolução para as escalas subnacionais. Como exemplo, podemos citar a redução dos Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) em 2012, que fez diminuir o preço dos eletrodomésticos, e em especial dos automóveis, aumentando muito a frota brasileira, com cerca de 420.000 novos veículos em circulação, incluindo caminhões e ônibus, só no mês de agosto (VERILLO, 2012). As cidades, principalmente as grandes, foram atingidas diretamente por congestionamentos. Dessa maneira, não será a União Federal, mas os municípios, que deverão ―resolver‖ o problema. Além disso, a redução do IPI também diminui o montante do FPM, principal fonte de recurso das prefeituras municipais. O problema

é assim criado na esfera nacional, mas o local é que deve buscar a solução.

Na questão jurídica, a Constituição Federal de 1988 tem um cunho descentralizador, estando diretamente relacionada às questões econômicas, mas também às questões políticas, por meio dos partidos e das esferas governamentais. Na realidade, porém, Carvalho (2005) observa que a descentralização intergovernamental tem sido implementada de forma verticalizada, compondo um conjunto de instrumentos fixados para os municípios de forma a não respeitar suas características peculiares, como: demografia, condições econômicas, sociais etc.

Pode-se afirmar que a descentralização entre os níveis governamentais pós-88 vem se dando segundo um formato único e setorializado, fundamentado na descentralização fiscal, na transferência de encargos e serviços aos municípios (municipalização) e na institucionalização da participação popular na gestão municipal, através da criação de conselhos municipais (CARVALHO, 2005, p. 2).

Lubambo (2006) também alerta que mesmo em meio ao processo de descentralização em curso, há ainda a tentativa de homogeneizar as ações e projetos dos governos locais por meio de projetos desenhados deliberadamente para tal, mas, ―[...] as experiências regionais e locais são reveladoras de que não se pode entender a descentralização como um processo homogêneo‖ (LUBAMBO, 2002, p. 2).

A descentralização conforme Lubambo (2002), teria assim, duplo objetivo: um explícito, que é o fortalecimento do poder público municipal e sua maior autonomia na tomada de decisões; e outro implícito, se constituindo a tentativa de redução do déficit fiscal dos governos estaduais e federal, e aumento dos encargos municipais, sendo o município pressionado constantemente a assumir encargos antes atribuídos ao governo federal, como a implementação das políticas sociais e também aqueles ligados à infraestrutura urbana de suporte. A justificativa para a emancipação, porém, é justamente a oferta de serviços à população local, devendo ser repensada a crítica com relação às competências atribuídas aos municípios.

Quanto à questão administrativa, a descentralização vem como promessa de melhoria dos serviços públicos e de desenvolvimento local, o que envolve também, as questões sociais. No que diz respeito à gestão e a oferta de serviços públicos, Lubambo (2006) aceita as indefinições acerca dos fatores explicativos associados ao desempenho das gestões municipais; compreende as dificuldades enfrentadas pelos municípios em gerir os serviços públicos, agora sob sua responsabilidade; mas

chama a atenção para a diferenciação no desempenho da gestão pública, que é definida por alguns fatores específicos que ocasionam um maior ou menor sucesso da gestão. A autora conclui que, nem os fatores de ordem estrutural, nem os institucionais podem, independentemente, explicar o desempenho da gestão pública. Lubambo (2006) compreende que é dada ênfase demasiada pelos autores a análise da relação entre a base fiscal e o desempenho da gestão, ou seja, colocando a capacidade de gasto público como capaz de definir um menor ou maior grau de desempenho dos governos. Por outro lado, a autora prioriza analisar o desempenho da gestão pública em pequenos municípios através da aprovação popular. Vários obstáculos aparecem também nessa forma de análise, uma vez que essa aprovação evidencia o grau de conscientização política da população, em uma sociedade cada vez mais alienada e individualizada, na qual fica em segundo plano o debate sobre os investimentos e as demandas coletivas da sociedade.

Ainda com relação à demanda e oferta de serviços públicos, a Constituição Federal de 1988 prevê também a possibilidade de cooperação entre os entes federados. Nesse sentido, cabe aqui ressaltar a importância dos consórcios intermunicipais, que pode ser definido como uma associação de dois ou mais entes da federação para a realização de objetivos de interesse comum. Nesse sentido, já há no Brasil uma importante interação de cooperação entre municípios, estados e união federal por meio de consórcios na área de saúde. (TEIXEIRA; DOWELL; BUGARIN, 2003) analisa os consórcios intermunicipais de saúde a partir de dois modelos: um que considera a punição ao município que abandonar a parceria e outro que, seguindo o preceito constitucional da assistência universal não estabelece essa punição, havendo neste último maior instabilidade.

Para Carvalho (2005), os benefícios da descentralização para o município dependem pelo menos de quatro fatores: a sobrevivência econômica do município; o reforço da racionalidade da participação local, não apenas no sentido de fiscalizar a ação política, mas de participar ativamente na tomada de decisão; na organização administrativa com uma estrutura organizacional voltada para a descentralização e ordenação da gestão dos serviços públicos; e a reversão da irracionalidade e da inadequação dos projetos globalizantes de planejamento, ou seja, o planejamento das ações deve ser feito pelo próprio município.

Na discussão sobre a descentralização e a centralização política, um fato chama a atenção, se o problema da centralização é apenas conjuntural ou é

também, e principalmente, estrutural. Costa (1988) acredita que o problema da centralização se encontra nas estruturas já ―[...] cristalizadas, tanto ao nível de práticas políticas estatais [...], quanto ao nível das estruturas territoriais ―geografizadas‖ ao longo do tempo, com poderes de ―sobredeterminação‖ das políticas e gestões futuras‖ (COSTA, 1988, p. 111), neste sentido, podem ser citados os empreendimentos ―faraônicos‖, os megaprojetos nacionais, mas que na verdade alimentam o crescimento econômico de apenas algumas áreas, ou favorece classes, grupos ou sujeitos sociais, e não, o conjunto da sociedade.

Presos que se encontram, no geral, às formas jurídicas e políticas da questão, poderão não atentar para o fato de que não há preceito constitucional que seja capaz, por si só, de alterar estruturas já ―cristalizadas‖ territorialmente, com poderes de ―sobredeterminação‖ face as políticas territoriais futuras, funcionando como verdadeiras ―indutoras‖ de resultados nem sempre esperados (Costa, 1988, p. 104).

Essa cristalização da centralização, ainda que haja uma institucionalização da descentralização e da participação popular, impede que sejam criados espaços verdadeiramente descentralizados, autônomos e uma relação horizontalizada entre as esferas de governo e entre o Estado e a sociedade.

Aqui, a centralização excessiva cortou os laços de comunicação com a base, tornando a cúpula incapaz de compreender as inquietudes sociais. Por sua vez, a cooptação de forças hegemônicas regionais suprimiu um escalão de negociações que permitiam a um tempo atender a certos interesses regionais e manter a região sob controle, resultando numa extensão da frente de conflitos. O governo não consegue mais controlar os movimentos e tenta cooptá-los ou institucionalizar o poder a nível local de modo a poder articulá-lo ou com ele negociar. Daí, também o interesse do Estado na região local (BECKER, 1986, p. 48).

É preciso considerar que a formação política do Brasil tem heranças contraditórias de práticas políticas patrimonialistas e assistencialistas e, além disso, há barreiras financeiras, administrativas e organizacionais quando nos referimos a municípios, principalmente, os pequenos e recém-criados; e limitações à participação da população, pois a representação continua com toda força, ainda que haja uma crise no modelo de governo representativo. Mesmo que se efetive a prática da participação, essa se dará através de representantes, com entidades preestabelecidas.