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II. Psicopatologia: dos paradigmas a uma escolha

2.8. Descompensação, estrutura psíquica, personalidade e carácter:

Os conceitos de neurose, reacção vivencial anormal, psicopatia e desenvolvimento anormal correspondem a grupos de distúrbios mais facilmente classificáveis como não- psicóticos. Já entre eles, a classificação, delimitação e diferenciação é mais difícil de estabelecer. De qualquer forma, reacção e processo são ambos compreensíveis do ponto de vista fenomenológico, tal como Jaspers aborda a questão: é possível empatizar os motivos. É neste sentido que Fernandes da Fonseca (1997) diferencia estes conceitos:

a) A neurose seria a “exteriorização de conflito que a psicanálise revelou ser, muitas vezes, inconsciente, de carácter pessoal ou interpessoal” (A. Fernandes da Fonseca, 1997; pág. 395)

b) A psicopatia resultaria da expressão de uma imaturidade de estruturas da personalidade, com repercussões apreciáveis no comportamento do indivíduo.

c) As reacções vivências anormais correspondem a uma resposta da personalidade a uma perturbação mais ou menos aguda do equilíbrio psíquico. Quando a vivência que a provocou cessa, a reacção tende a desaparecer.

d) Um desenvolvimento anormal refere-se às consequências de um trauma intenso (circunstancial ou prolongado) sobre as estruturas disposicionais do indivíduo. Este trauma resulta então num desenvolvimento ou evolução inadequada da vida psíquica desse indivíduo

O conceito de reacção vivencial anormalcomeça a ganhar peso na psicopatologia a partir de Karl Jaspers, que vem então falar de uma reacção compreensível do psiquismo a determinada vivência ou experiência. Por “compreensível” Jaspers quer dizer que, por exemplo, podemos compreender ou empatizar (colocarmo-nos no lugar da pessoa) o efeito que a experiência de ser aprisionado terá sob o psiquismo de uma pessoa. Permanece no entanto incompreensível o processo psicológico que leva à tradução dessa experiência em patologia (K. Jaspers, 1959).

Jaspers classifica os estados reactivos da seguinte forma:

- De acordo com os factores precipitantes: Psicoses de prisão, neuroses de compensação posteriores a acidentes, psicoses decorrentes de catástrofes, as reacções de saudade, psicoses de combate, psicoses de isolamento e reacções a isolamento com

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alguns camaradas (aprisionamento em que se tem por companhia sempre os mesmos camaradas).

- De acordo com a estrutura psíquica dos estados reactivos:

 Experiências que desencadeiam sentimentos qualitativamente compreensíveis mas excessivamente fortes, que roçam a anormalidade e que rapidamente criam fadiga ou paralisia. A depressão reactiva é a mais comum, sendo raras as manias reactivas. Também a intensidade dos efeitos subsequentes destes sentimentos pode ser anormal.

Explosão de violência, raiva, movimentos descoordenados, etc., ficando o self num estado de estreitamento de consciência.

 Afectos violentos levam a uma turvação da consciência, mesmo dentro de limites de intensidade normais. A memória é posteriormente incompleta. Em situações anormais observam-se estados crepusculares.

 Síndrome de Ganser, delírio histérico, estupor e ideias elaboradas de perseguição.

 Reacções com alucinações e delírios.

- De acordo com o tipo de constituição psíquica: refere-se à robustez e limites de cada um à intensidade e tipo de experiências.

No caso de uma reacção autêntica, há então uma conexão compreensível entre vivência e conteúdo da reacção, reacção que não existiria sem essa vivência. O curso da reacção dependerá também da vivência e suas conexões (Pio de Abreu, 1997)

Kurt Schneider (1997) concorda com Jaspers no que se refere ao critério de que é a vivência que desencadeia sempre o estado reactivo. Coloca no entanto algumas reservas ao dizer de Jaspers de que existe uma relação compreensível entre causa e conteúdo do estado reactivo. Por exemplo, após uma catástrofe, assiste-se por vezes a estados eufóricos. Jaspers tinha já assinalado esta questão mas introduzem-se mesmo assim excepções ao seu segundo princípio identificador das reacções vivências.

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Schneider aponta também excepções e a não universalidade do terceiro critério, o de que o estado depende da causa no seu curso temporal, cessando quando a causa cessa também. Nem sempre causa e reacção cursam paralelamente, podendo existir uma reacção vivencial descontínua. Tal situação existiria quando, por vezes, a recordação de uma experiência dolorosa leva a sentimentos dolorosos, mas noutras ocasiões tal reacção não é desencadeada.

Pode então haver uma reacção à recordação da vivência original, influenciada também pelo fundo não vivenciado como a hora do dia, o tempo meteorológico, o estado de ânimo vital, etc. Ao considerar-se como reacção o estado desencadeado por uma recordação e, assim, a não continuidade temporal como critério, dificulta-se a distinção de reacção com desenvolvimento. No entanto, a distinção está na existência de um princípio e um fim para a reacção, enquanto no desenvolvimento esse fim não se avista (Pio de Abreu, 1997)

Schneider introduz assim um alargamento do conceito de reacção, o que no entanto implica cuidados na classificação. Por exemplo, pode existir uma psicose sub-clínica que se manifesta aquando de uma determinada vivência, mas que se manifestaria do mesmo modo sob influência de uma outra qualquer vivência ou mesmo de nenhuma.

Ainda no campo das psicoses, Schneider considera que as que são reactivas a patologias orgânicas não deveriam ser consideradas reacções vivenciais, mas antes secundárias a um estado orgânico. Vinga assim o critério de Jaspers de que apenas se pode considerar reacção vivencial aquelas que surgem na consequência de um estímulo externo (Fernandes da Fonseca, 1997).

Estas reacções vivenciais podem não surgir sob uma forma emocional mas antes como expressões corporais psicossomáticas. São então reacções psicossomáticas apenas enquanto mantiverem uma relação compreensível com a vivência. Podem no entanto tornar-se incompreensíveis, dando então lugar a processos orgânicos.

Uma vez que o desenvolvimento anormal parte também de uma vivência, a distinção entre as duas faz-se em termos da reversibilidade da anormalidade. Enquanto a reacção cessa quando cessa a vivência, no desenvolvimento a vivência coloca em marcha uma alteração permanente da personalidade. Pio de Abreu considera que muitas das reacções vivenciais anormais podem depois tornar-se desenvolvimentos anormais (1997)

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Quadros deste tipo foram descritos por Kraepelin como “Psicoses de relação” e por Mira y Lopez como “Psicoses Situativas” (Fernandes da Fonseca, 1997). Estas últimas, embora com fronteiras difusas com as verdadeiras psicoses, não definem verdadeiros doentes psicóticos. Surgiriam, face a circunstâncias desfavoráveis, reacções próximas ou do tipo paranoide ou o reavivamento de predisposições mórbidas latentes (psicoses reflexas) (J.S. Athayde, 1971), sendo que então nos desenvolvimentos se observa uma evolução delirante.

Mencionou-se atrás que as reacções vivenciais são uma resposta da personalidade a uma perturbação mais ou menos aguda do equilíbrio psíquico e que o desenvolvimento anormal corresponde às consequências de um trauma intenso sobre as estruturas disposicionais do indivíduo. Pio de Abreu (1997; 187) defende que se devem considerar as Perturbações de Personalidade como desenvolvimentos anormais. Surge então a clássica questão de saber porque determinada perturbação gera uma reacção vivencial anormal naquela personalidade. E, no caso dos desenvolvimentos anormais e perturbações da personalidade, de que forma uma paragem ou bloqueio do desenvolvimento psico-afectivo condiciona toda a relação do self consigo mesmo e com os outros, dando lugar àquilo que se passa a chamar desordem de personalidade.

Como nota R.H. Cawley (1983), neurose e perturbações de personalidade não são claramente diferenciadas nas nosografias do DSM-IV e CID-10. A sua classificação é arbitrária e as fronteiras entre os diversos quadros são difusas. Considerando que há uma clara distinção entre estas duas situações e as perturbações psicóticas, o autor considera que a dificuldade de estabelecer uma correcta nosologia se deve a quatro características comuns às neuroses e desordens de personalidade:

- O fenómeno mórbido pode ser visto, em grande parte, como um desvio quantitativo dos fenómenos de uma vida normal.

- O funcionamento psicológico e a individualidade pessoal do paciente só podem ser entendidos por uma apreciação sistemática dos traços, dimensões, categorias e dinâmica da personalidade.

- As variáveis ecológicas, principalmente as do ambiente humano, têm uma importância central nas questões de harmonia ou desarmonia de adaptação ao meio. - As variáveis do desenvolvimento psicológico são importantes na medida em que se

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influência de processos biológicos de crescimento, maturação e pelos processos de aprendizagem emocionais e cognitivos.

Esta encruzilhada remete-nos, pelo menos a nós, para a noção de estrutura psíquica, noção psicodinâmica que nos parece esclarecer melhor muitas das dificuldades classificativas e significativas das sintomatologias, com claro benefício para um enquadramento clínico do tipo psicoterapêutico do paciente. Embora Fernandes da Fonseca não siga na sua obra uma posição exclusivamente psicodinâmica, relembremos que os seus princípios de base são similares no pensar da normalidade e sintomatologia da pessoa: uma totalidade dinâmica cujas actividades funcionais se integram em núcleos estruturais (constituição, individualidade e personalidade) (1997).

“Em psicopatologia, a noção de estrutura corresponde àquilo que, num estado psíquico patológico ou não, é constituído pelos elementos metapsicológicos profundos e fundamentais da personalidade fixados num arranjo estável e definitivo.” (J. Bergeret, 1996; pág. 50). Acrescenta o autor que, se tal estrutura não for considerada aquando da apreciação dos sintomas superficiais, corre-se o risco de não se apreciar correctamente o valor destes sintomas em termos de génese e prognóstico, com evidentes consequências clínicas.

Este conceito remete também para distinções entre, por exemplo, a verdadeira psicose ou episódios agudos de angústia estilhaçante, mas inserida numa estrutura neurótica, das psicoses situativas. Um sintoma de aspecto psicótico, como por exemplo um episódio delirante, pode ser encontrado num paciente não psicoticamente estruturado (J. Bergeret, 1998). O sintoma deveria ser avaliado à luz da sua relação com a estrutura de base da personalidade, por exemplo, o sintoma como defesa de certos aspectos dessa estrutura.

Relembrando o que atrás se disse em relação ao manejo do paciente em risco de suicídio, no exemplo de Kernberg, percebe-se como esta noção de estrutura se torna extremamente relevante do ponto de vista clínico. O autor referia o exemplo do risco que constitui o não reconhecimento de uma organização borderline à qual se sobrepõe um sintoma tipológico de depressão aguda psicótica e o problema do risco aumentado de suicídio nas altas precoces desses pacientes que recuperam de tal episódio.

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A noção de estrutura como uma organização estável e definitiva da personalidade tem também implicações fundamentais para a noção de “normal” e “patológico”; de “neurose” e “psicose”; e de carácter e neuroses de carácter, ou aquilo a que se chama na literatura anglo- saxónica organização borderline. A noção de estrutura, tal como aqui está a ser seguida, tem uma implicação crucial relativamente à compreensão da descompensação mental e que Freud (1933) coloca nos seguintes termos:

Se atirarmos um cristal ao chão, ele parte-se; mas não em pedaços ao acaso. Ele despedaça-se de acordo com as suas linhas de clivagem em fragmentos cujas fronteiras, embora fossem invisíveis, foram predeterminadas pela estrutura do cristal. Os pacientes são estruturas fragmentadas e partidas deste mesmo género (pág. 73).

Esta estruturação faz-se ao longo do desenvolvimento e maturação individual, desde a indiferenciação somatopsíquica até ao estabelecimento de uma estrutura que, depois de estabelecida, não pode ser mais alterada. A patologia ou sintomatologia surge de uma descompensação aquando da falha dos recursos estruturais existentes, sob a pressão de factores e tensões internas e/ou externas. Dada a imutabilidade da estrutura, a “cura” passa por um reconquistar de um estado compensado dessa mesma estrutura19 (Bergeret, 1998).

Esta noção tem também algumas semelhanças à de “dissolução” da teoria de Jackson e Henry Ey que anteriormente vimos. A dissolução de um determinado nível psíquico, e que se traduz em sintomas, faz-se pela passagem para um nível anterior que lhe serve de base: “(...) estes sintomas são o efeito da expressão de uma desorganização da vida psíquica e da sua reorganização a um nível típico de dissolução, com um suporte estrutural que caracteriza e define cada forma de doença mental” (H. Ey et al., 1965; pág. 554)

A personalidade, resultante da sua estrutura, quando pensada em termos psicodinâmicos, segue uma linha desenvolvimentista em que se levam em conta factores constitucionais e fenomenológico-humanistas (Fernandes da Fonseca, 1997). Com o aparecimento da chamada Escola da Psicologia do Ego (Hartmann, Mahler, Jacobson, etc.), esta linha

19Esta noção de Bergeret de “estrutura definitiva” e suas descompensações, com a sua clara relação com o modelo estrutural de Freud, é

algo ambígua. Dentro das correntes psicodinâmicas e psicanalíticas actuais, este é um conceito difícil de conciliar com a noção de “perda de estrutura”, “fragmentação da estrutura do self” ou com a noção de Homem como ser gregário (E. Wolf, 1988). Por ser um modelo com raízes mais tradicionais, mas fazendo a ponte com noções mais recentes de relação de objecto, escolhemos começar por a seguir inicialmente, a jeito de ponto entre a psicopatologia fenomenológica e a psicodinâmica.

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desenvolvimentista leva também em conta o que Fernandes da Fonseca atribui a teorias como as de Piaget: maturação biológica e interacção com o ambiente. A.J. Horner (1990) defende igual posição.

Freud falava do desenvolvimento da criança (por exemplo, S. Freud, 1905d) através de uma reconstrução feita a partir da neurose do adulto e onde o vértice principal era o de compreender quais as experiências infantis que estavam na origem da psicopatologia do adulto. Este ponto de vista genético enfatizava o desenvolvimento pulsional, o conflito interno, as experiências traumáticas e a neurose infantil.

Uma perspectiva desenvolvimentalista leva também em conta a origem e desenvolvimento das estruturas psíquicas que contribuem para a adaptação da criança e que entram em conflito ou que permitem uma sustentação durante esses conflitos. Os constituintes inatos compostos pelas necessidades físicas, capacidades cognitivas e um esquema de desenvolvimento psíquico que se desenvolvem em parte por fases maturacionais, combinam-se com a interacção com o mundo dos outros determinando diferentes respostas de indivíduo para indivíduo em relação a experiências objectivamente idênticas. A característica única de cada personalidade é então tida como resultante da formação de uma organização estável de estruturas psíquicas, sendo isto resultante da combinação de influências maturacionais, interacção com os outros, experiências individuais, necessidades, desejos e sensações ou sentimentos (P. Tyson e R. Tyson, 1990; págs. 21 a 28).

Desta forma, e embora Fernandes da Fonseca (1997) não siga uma linha exclusivamente psicodinâmica, parece-nos que esta é uma leitura possível e articulada da noção fundamental do autor em relação à normalidade e sintomatologia do paciente: uma totalidade dinâmica cujas actividades funcionais se integram em núcleos estruturais (constituição, individualidade e personalidade).

Por personalidade, Fernandes da Fonseca entende “o conjunto activo de sentimentos e valores, tendências e atitudes que traduzem um fundo estrutural próprio e especificamente característico de cada indivíduo” (1997; pág. 265). Ela seria a responsável pela regulação das relações entre impulsos e motivações instintuais e manifestações comportamentais. Este funcionamento seria estável e previsível na normalidade e, em circunstâncias anormais, as tendências, atitudes, sentimentos e valores estariam alterados, dando origem a diversas

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situações clínicas (portanto na esfera interna e/ou externa, na manifestação comportamental). A ligação entre pulsões e motivações e os aspectos estruturais do self, com a sua contraparte interpessoal (comportamental) será abordada mais à frente, no capítulo de teorias de relações de objecto.

Desta forma, neurose e psicose, sintoma, defesa, episódio e doença mental passam também a ter que ser pensados em termos do nível a que se lhe referimos. A seguinte discussão é apoiada nos textos de Jean Bergeret (1996, 1998), excepto quando assinalado.

Um sintoma alucinatório, delirante ou de despersonalização, embora de aspecto tipicamente pertencente à psicose, não implica, por si só, que estejamos perante uma estrutura psicótica. Refere-se apenas à natureza qualitativa dessa manifestação, tendo que ser encarado no contexto do seu conteúdo latente, do seu valor relacional enquanto objecto interno e do seu aspecto económico na dinâmica pulsões/defesas. Os síndromes ansiosos são um bom exemplo desta situação.

As defesas, na literatura psicanalítica, são também geralmente divididas entre defesas neuróticas ou psicóticas. Bateman e Holmes (1997) oferecem uma sistematização, de seguida apresentada na tabela 6:

79 Tabela 6: Defesas primárias e defesas neuróticas

Defesas Primárias/Imaturas Defesas Neuróticas

Fantasia autística Condensação

Desvalorização Negação

Idealização Deslocamento

Agressão passiva Dissociação

Projecção Exteriorização

Introjecção20 Identificação com o agressor

Identificação Projectiva Intelectualização

Clivagem Isolamento afectivo

Racionalização Formação Reactiva Regressão Recalcamento Reinversão Somatização Anulação Humor e Sublimação21

In A. Bateman e J. Holmes 1997, pág. 75 - adaptado

Independentemente deste tipo de agrupamento de defesas, uma defesa primitiva pode surgir como defesa de último reduto de uma estrutura neurótica e suas problemáticas, assim como as defesas neuróticas podem surgir no contexto de uma estrutura psicótica. Faz também aqui sentido diferenciar a Posição Depressiva e a Posição Esquizoparanoide, tal como proposto por Klein (H. Segal, 1973). O termo posição refere-se a um estado de maior integração ou desintegração do sujeito, referindo-se por isso a um estado de flutuação de humor, tipo de ansiedades e defesas e não à presença de uma entidade clínica patológica fixa (J. Steiner, 1993). Este assunto será mais bem abordado em capítulos seguintes. De qualquer forma, e tal como em relação ao sintoma, o mais correcto será falar em defesas do tipo psicótico ou neurótico, uma vez que, por si só, pouco ou nada nos dizem sobre a estrutura subjacente do paciente.

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No esquema original não há lugar á inclusão deste mecanismo de defesa. Ele é no entanto importante no processo de desenvolvimento, levando á possibilidade de identificação e diferenciação do ego como instância do self (M. Klein, 1959), assim como mecanismo de defesa presente nas psicoses e que está na base de fantasias persecutórias (H. Rosenfeld, 1965)

21No esquema original, os autores designam estes dois mecanismos de defesa como “maduros” e não como neuróticos. Tal vem da noção

original de que humor e sublimação são formas adaptativas de descarga e satisfação pulsional (por exemplo, S. Freud, 1901a). No entanto, e no contexto do ponto que estamos a desenvolver, tal distinção remete exactamente para a situação da defesa neurótica como mecanismo de uma neurose clínica ou estado de descompensação. Anna Freud (1936) considerava já a sublimação como mecanismos de defesa neurótico. Por outro lado, qualquer defesa tem sempre um valor adaptativo o self, independentemente do seu tipo e custo para esse mesmo self (McWilliams, 1994).

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A qualidade de um episódio é também algo relativo. Se estamos a falar de crianças ou adolescentes, sujeitas a determinadas tarefas evolutivas (entrada para a escola, aprendizagem e desenvolvimento de capacidades), essas tarefas podem implicar reacções e dificuldades na adesão e adaptação a tais tarefas. Isso revela uma estrutura frágil que, de outra forma, deveria sustentar relativamente bem esses movimentos de desenvolvimento. O mesmo se aplica ao adulto que sempre funcionou relativamente bem até ao momento em que se depara com uma situação que o atira para um distúrbio que vem, dessa forma, revelar também fragilidades estruturais de longa data (A. Horner, 1991)

Por outro lado, um acontecimento imprevisto e emocionalmente significativo, pode levar a uma regressão temporária do modo de funcionamento e a mobilizadoras de intensas descargas pulsionais. Este episódio, podendo ter um aspecto psicótico e assemelhar-se a um estado pré-psicótico, não o é verdadeiramente e, aquando de uma organização neurótica subjacente, não deveria ou poderia evoluir para tal. Fala-se aqui de eventos traumáticos como uma cirurgia que altere a unidade somatopsíquica, e não de formas iniciais de esquizofrenia ou outros estados de descompensação da linha psicótica em que tal estrutura de base é já tida como certa.

A questão da doença esquizofrénica é aliás, e a nosso ver, um ponto importante no apoio ao ponto de vista estrutural psicodinâmico da psicopatologia, tal como aqui está a ser seguido. Fernandes da Fonseca (1987), numa investigação sua feita em 1966, chega à delineação de três tipos de formas iniciais da esquizofrenia, apresentadas na tabela 7:

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Tabela 7 – Formas iniciais de esquizofrenia segundo Fernandes da Fonseca

Formas iniciais de Esquizofrenia (Fernandes da Fonseca)

Forma de início pseudoneurótico Início insidioso em que o paciente vai sentindo um crescente sentido de tensão e apreensão, levando a um estado de desconfiança, muitas vezes exprimido por queixas de despersonalização e desrealização ou de falta de iniciativa, e que precedem um estado delirante e autista.

Existirá pois a necessidade de diferenciar estas condições de formas clínicas neuróticas, como síndromes depressivos de tipologia hipocondríaca.

Forma de início afectivo O delírio, que para o autor é o tema central da esquizofrenia, é antecedido por sintomatologia maníaca ou depressiva. Até que a