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PARTE II – AS FLORES DA BARRIGUDA

3 A TESSITURA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: FIOS QUE EMERGEM DO

3.1 DESCONFERÊNCIA: FIOS QUE EMERGEM ENTRE CAFÉS E CONVERSAS

A Desconferência: intervenções do/no cotidiano foi realizada no dia 22 de abril de 2014, no Parque da Cidade localizado no município de Lapão. O objetivo do evento era a construção de diálogos com os membros – professores, gestores, coordenadores, das três redes que compõem o Mestrado Profissional em Educação – UFBA. Através desses diálogos buscávamos ouvir os professores sobre as temáticas das pesquisas que então eram realizadas pelos mestrandos do programa, e ouvir suas sugestões para os projetos de intervenções nos quais naquele momento começávamos a pensar.

O evento foi organizado pelos 20 mestrandos do programa, sob a orientação da Professora Inez Carvalho, visando romper a lógica comum de uma conferência ou palestra, nas quais geralmente os participantes são meramente ouvintes ou quando têm a possibilidade de se expressar permanecem sentados em lugares fixos durante todo o evento. Desta forma, decidimos adotar o termo Desconferência, que vem sendo utilizado em eventos, principalmente

nas áreas de tecnologias, como uma saída para romper com um ou mais aspectos de uma conferência convencional.

Assim, a organização da Desconferência: intervenções do/no cotidiano foi pensada na perspectiva de fuga do convencional, os membros das três redes que participaram do evento foram convidados a conversarem, a serem coautores, e não apenas meros figurantes ou ouvintes de uma preleção

Seu uso nesse evento da área educacional, que tinha um cunho acadêmico e de pesquisa, corrobora com nossa ideia inicial de escuta aos profissionais da educação dos municípios, visto que uma conferência ou uma palestra não nos permitiria ouvir esses profissionais. Nessa perspectiva, o evento foi organizado visando romper a lógica comum de uma conferência, nas quais geralmente os participantes são apenas ouvintes e raramente tem a possibilidade de se expressar.

A organização da Desconferência: intervenções do/no cotidiano foi pensada visando o distanciamento do convencional, e na busca de uma racionalidade outra, os participantes foram convidados a se movimentarem pelos espaços, a interagirem, a conversarem, a serem coautores do processo de construção dos projetos de intervenção, e não apenas meros figurantes ou ouvintes de uma preleção. Neste sentido, a Desconferência foi organizada em três espaços/momentos que, no acontecer da dinâmica do evento, deram vida à Desconferência.

O primeiro dos espaços/momentos era Alameda, que se constituiu como o espaço de entrada dos participantes, espaço de acolhimento e provocação, no qual ficaram expostos os banners com as informações e indagações sobre as temáticas das pesquisas realizadas pelos mestrandos. Nos banners não haviam informações sobre os mestrandos, o objetivo com isso era que os participantes escolhessem as mesas por afinidades com as temáticas, e não por afinidade com os mestrandos ou por serem de suas redes. As imagens as seguir mostram como foram expostos os banners na Alameda, e a interação dos participantes com o espaço.

Já a Instalação tinha como objetivo a sensibilização e a provocação dos participantes, e foi construída com objetos que remetessem às temáticas da pesquisa. A instalação era composta por uma cama de gato que fazia com que os participantes se desequilibrassem ao andar pelos espaços, provocando a busca constante de equilíbrio. A cama de gato foi utilizada como metáfora para os problemas que acontecem no cotidiano escolar e na tentativa de busca de solução para esses problemas.

Figura 9. Participantes da Desconferência lendo as informações/indagações no banner. Fonte: Vera Cavalcante

Figura 10 – Participantes do evento se movimentando dentro da instalação. Foto: Vera Cavalcante

O World Café foi utilizado como instrumento para efetivação dos diálogos colaborativos entre os participantes do evento. O World Café é organizado em várias rodas de conversas que acontecem simultaneamente em diversas mesas. As rodas têm um tempo determinado para o seu acontecer, ao final desse tempo os participantes devem se levantar e escolher outra mesa, para que possam tecer um novo diálogo/conversa.

Na Desconferência, essa metodologia foi composta por 14 mesas divididas de acordo com as temáticas das pesquisas dos mestrandos do programa, e foram realizadas quatro rodadas de conversas com 10 participantes a cada rodada. Cada rodada de conversa teve 20 minutos de duração, o final do tempo era sinalizado com música tocada pelos irmãos artistas Victoria e Victor Portugal, filhos de Joelma Portugal, mestranda do projeto. E por mais que o fim da conversa acontecesse de forma um tanto abrupta, ainda no calor das discussões, as músicas deram melodia e vida à dinâmica da metodologia. Cabia a nós mestrandos durante a

Desconfêrencia o papel de coadjuvantes, éramos instigadores das conversas, ouvintes das

prosas.3

Figura 11. Participantes da primeira roda de conversas na minha mesa, antes do início da construção dos diálogos.

Foto: Hilma Souza

As conversas, tecidas entre a degustação de alguns sequilhos e um pouquinho de café, foram gravadas através de um aplicativo no meu celular, contudo e infelizmente, por esquecimento não ativei o aplicativo de gravação após o intervalo das duas primeiras rodadas de conversas, assim apenas os áudios das primeiras rodadas ficaram registrados. E devido à

3 No World Café foram utilizados copos descartáveis devido ao alto custo que seria fornecer copos reutilizáveis.

dinâmica do evento, algumas pessoas no calor da conversa não se apresentaram, impossibilitando sua identificação. Desta forma, os participantes serão identificados apenas como professoras.

Para desencadear os diálogos iniciais, lancei a indagação: como a Educação Ambiental acontece nas escolas?

A conversa é iniciada por uma fala de uma professora que propõe que a Educação Ambiental seja inserida nos currículos municipais com disciplina especifica, expondo um debate histórico da Educação Ambiental, que parecia ter sido superado, mas que sempre ressurge como uma maneira de tornar as ações em Educação Ambiental nas escolas mais frequentes. Contudo, no tecer da conversa as falas de outras professoras demonstram outras formas de pensar e compreender essa questão, sendo que a própria legislação vigente que dispõe sobre a Educação Ambiental, a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, institui como um dos princípios da Educação Ambiental a perspectiva inter, pluri, multi e transdisciplinar, e os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs tratam o Meio Ambiente como tema transversal. Um aspecto bastante importante revelado nos fios da conversa, é a não contextualização

dessas práticas com os problemas ambientais da região, que devido a uma forte seca e a

problemas de gestão hídrica, passa por um racionamento de água. O trecho da conversa que mostras esse aspecto é exposto a seguir:

Professora A: “É uma questão curricular, ela como disciplina. Cobrado realmente para ser realizado”.

Professora B: “Eu vou mais além da cobrança disciplinar, eu vou mais para o olhar do próprio professor”.

Professora D: “Se o professor não tiver esse olhar ambiental...”.

Professora B: “Porque já tem tanta coisa que é cobrada no currículo, mas não acontece”. Professora C: “Porque é uma questão transversal, a própria lei diz que é transversal”. Professora B:

Os PCNs já trazem isso. Mas falta esse olhar ambiental. Quando a gente faz um evento na escola, ou que vai trabalhar mesmo o Dia do Meio Ambiente, aí a gente vê muitos professores cortando galhos verdes para decorar o espaço. Eu posso decorar com galhos secos, com folhas secas. Eu tenho outras opções, mas eu só tenho isso se eu parar para refletir que se eu tiver quebrando o galho, eu estou no dia do meio ambiente agredindo o meio ambiente.

Professora C: “Ou faz a passeata pela conscientização para produzir menos lixo, e distribui panfleto de papel!”.

Professora B:

E outras coisas, diversas coisas que acontecem. No Dia da Criança, muitas escolas fazendo banho de mangueira, e nós estamos passando por racionamento de água, a gente não sai do racionamento já há uns três anos. Mas toda escola fez o banho de mangueira. Eu estou incentivando meu aluno a chegar em casa e a fazer o banho de mangueira qualquer dia que ele quiser. Aí em minha aula eu falo: usar o balde para limpar a casa ou carro, usar o balde, não usar a mangueira, aí eu vou e faço banho de mangueira na escola. Então são pequenas coisas que a gente faz na escola que reflete muito na vida das crianças.

Transcrevo agora um trecho de outra conversa que foi iniciada com a mesma pergunta da anterior:

Professora 1: “Assim, tem que trabalhar mais na escola a questão ambiental, tem ficado muito a desejar. Geralmente trabalha apenas um dia, no Dia do Meio Ambiente”.

Professora 2:

Conscientização é um processo lento, mas o que acontece é o professor trabalhar apenas o mês de junho com o meio ambiente, depois fica esquecido o resto do ano todo. Então, não vai conscientizar o aluno num projeto de 15 dias. Isso precisa ser trabalhado diariamente. Outro problema é que a gente não tem formação para trabalhar com Educação Ambiental. Não tem nenhum material da Secretaria, o currículo não tem.

Professora 3: “Quando vem algo é para trabalhar com reciclagem, aí você vai trabalhar com o que? Com garrafa PET, essas coisas”.

Professora 4: “Gasta EVA4 para fazer uma bordinha ali”.

Professora 5: “Você acaba produzindo mais lixo ainda, por que produz um enfeite que não vai ser utilizado”.

Através desse trecho da conversa tecida pelas professoras podemos perceber que a Educação Ambiental tem acontecido de maneira bastante pontual nas escolas, e está ligada

principalmente a datas comemorativas, como o dia do Meio Ambiente – 5 de junho, que é

citado no diálogo, e ao tema lixo e reciclagem. No relato também pode ser percebido que as professoras têm conhecimento da importância da conscientização dos alunos em relação às questões ambientais, contudo as falas deixam transparecer que não existe um

aprofundamento do debate dessas questões no processo de ensino e aprendizagem, o que

pode ser reflexo de uma carência de formações para o trabalho com a Educação Ambiental. Outro ponto importante levantado na conversa se trata da ausência de políticas públicas

municipais relacionadas à Educação Ambiental, como o não aparecimento nos currículos de

orientações para o trabalho nas escolas ou a produção de materiais que deem suporte para as ações dos professores, contudo, emergem na conversa falas que mostram que apesar da ausência de políticas públicas especificas, projetos são enviados pelas Secretarias de Educação para as escolas trabalharem, embora os professores deixam transparecer em suas falas que as temáticas dos projetos muitas vezes não estão contextualizadas com as realidades das escolas e das comunidades nas quais estão inseridas.

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