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No início era o verbo, mas o verbo era Deus e o Homem 88 Michelle Perrot

A Bossa Nova tem uma pré-história feminina. Sua batida nasce em disco de uma mulher originária da célula musical do samba: Elizeth Cardoso. Miúcha lembra passagens da gravação do disco de Elizeth, contada a ela por João Gilberto. Miúcha narra:

Miúcha: João estava acompanhando Elizeth (Cardoso) no violão. Ele inovou ao pedir dois microfones

para gravar: um para a voz e outro para o violão. Desse modo, a harmonia passou a ser mais claramente ouvida.

O disco de Elizeth Cardoso se chamou Canção de amor demais. Nele, além do acompanhamento de João Gilberto no violão, o álbum teve um repertório composto basicamente de músicas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Elizeth Cardoso nasceu no Morro da Mangueira, negra, aos 10 anos já trabalhava como balconista. Portanto, além de 17 anos mais velha que Miúcha, a origem social separa essas duas mulheres. Em comum, as duas não se mantiveram casadas por muito tempo e tiveram um maior impulso na carreira após a separação. Entre as canções famosas na voz de Elizeth Cardoso merece destaque: Eu

bebo sim. Nessa canção, temas como boemia e mulher aparecem juntos. Chama ainda

atenção a versão de Elizeth Cardoso para Chega de Saudade, primeira gravação dessa

música. Na versão interpretada por ela, o masculino foi modificado para o feminino,

representando uma mulher saudosa e declamadora pública do seu amor.

Vai minha tristeza

E diz a ele que sem ele não pode ser Diz-lhe numa prece

Que ele regresse

Porque eu não posso mais sofrer

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88 – Citação do livro Les femmes ou les silences d’histoire, Paris: Flammarion, 1998. A frase é uma paródia do

Velho Testamento. A autora faz uma intertextualidade com a notória abertura presente no primeiro capítulo do Evangelho do apóstolo João, no Antigo testamento. Ele inicia seu relato sobre a vida de Jesus Cristo com esta declaração: “No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus”.

Chega de saudade

A realidade é que sem ele não há paz Não há beleza

É só tristeza e a melancolia

Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas se ele voltar

Que coisa linda, que coisa louca

Pois há menos peixinhos a nadar no mar Do que os beijinhos que eu darei Na sua boca

Dentro dos meus braços

Os abraços hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calado assim Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim

Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim Não há paz

Não há beleza

É só tristeza e a melancolia

Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Dentro dos meus braços

Os abraços hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calado assim Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim

Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim Não quero mais esse negócio de você longe de mim Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim

(grifos meus)

A canção é um ícone do gênero da Bossa Nova, com letra de Vinícius de Moraes e música de Tom Jobim. Chega de Saudade deu título ao primeiro disco de João Gilberto, considerado como inaugural do movimento, em 1958. Miúcha rememora as impressões de Vinícius de Moraes sobre Chega de Saudade.

Miúcha: Quando Tom Jobim mostrou, Vinícius (de Moraes) ficou encantado. Disse que aquilo parecia

uma música inteiramente nova, original: inteiramente diversa de tudo que viera antes dela, mas tão brasileira quanto qualquer choro de Pixinguinha ou samba de Cartola. Um samba todo em voltas, onde cada compasso era uma nota de amor, cada nota uma saudade de alguém longe. Era realmente a Bossa Nova que nascia, a pedir apenas, na sua interpretação, a divisão que João Gilberto descobriria logo depois.

Entre as intérpretes que gravaram Chega de saudade estão Gal Costa (1999) e Rosa Passos (2003). As duas cantoras utilizariam a letra destinada a uma mulher, observando que nesse caso as cantantes mulheres podem metaforicamente ou não reportar seu enunciado amoroso a uma mulher.

Transitando pelas lembranças de outros artistas, em certos momentos Miúcha parece deixar escapar frases como esta: “- Achava que não conseguiria ser cantora”. Essa afirmação de dúvida e hesitação sobre a carreira soa, ao menos à primeira vista, como insegurança e auto sabotagem. Miúcha diz: “- No início eu não me considerava cantora. Só quando gravei o disco e mesmo assim não acreditei muito. Eu achava que era uma coisa meio conto de fadas, era demais para mim”. Uma declaração muito semelhante pode ser encontrada na biografia de Nara Leão, que em tréplica a seu artigo publicado na revista Fatos e Fotos, ela responde que o que motivou a sua saída da Bossa Nova foi que não entendia por que diziam tanto que o gênero começou no seu apartamento, em Copacabana, na Zona Sul carioca. “-Se ao menos me convencessem de que tive uma participação importante...”, escreveu Nara Leão.

Seria esse sentimento de aqui-não-é-o-meu-lugar um traço apenas de personalidade e experiência pessoal ou algo também ensinado e construído através da mínima representação feminina no espaço público?Essas falas, me parecem, denotam a dificuldade do feminino em se ver como criadoras, autoras, personas falantes do espaço público. A auto-depreciação feminina não deve ser compreendida apenas em uma ótica singularizada, no qual esse estudo se aprofunda, mas precisa ser observada no contexto da violência simbólica, que, nas palavras do sociólogo Pierre Bourdier na obra A Dominação Masculina, a faz parecer quase invisível, fazendo essa relação ser vista como natural.

A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural. (BOURDIER, 2012, p.46).

A sofisticação dessa dominação se dar no momento que a própria mulher se torna instrumento dessa dominação. Isso, se dar, por exemplo com a reiteração ad infinitum do feminino como a esposa prendada para questões da casa, e da dedicação de mulheres para ocupar esse papel doméstico com louvor. As mulheres que se deslocam desse imaginário social costumam ser vistas – e terem também a sua auto-imagem - como ousadas demais. Os lugares marcados binariamente por gênero têm provocado, ao longo dos tempos, uma desconfiança inicial em relação ao feminino, muitas vezes partindo da mulher, na ocupação do espaço público.

Não ser aceita ou “não conseguir” são estados e sensações comuns a diferentes mulheres, o que pode ser provocado pela ausência ou reduzida presença de referências femininas em postos que se almeje alcançar. Pelo peso da auto-cobrança e da cobrança social, a mulher precisaria sempre estar na iminência de conquistar, já que o seu lugar de mulher pública não está colocado. A união das palavras “mulher” e “pública” pode soar vulgar ao senso comum. Enquanto “homem público” remete àquele que se dedica à nação ou é reconhecidamente célebre, a mulher pública, não raro, evolui para o exótico, como um espaço permitido pelo masculino. Esse espaço foi historicamente reservado aos bobos da corte, título dos artistas nos reinos aristocráticos, ou às musas no métier das artes.

No encontro entre o cotidiano doméstico de casada e mãe e a de cantora e artista, Miúcha

conta que os momentos de dividir o palco a dois com João Gilberto praticamente não fazem

parte das suas memórias. Porém, o cantor dividiu o palco com outras cantoras, como Rita Lee 89, essa, por sua vez, uma artista que inúmeras vezes foi retratada como exótica pelo

fato de ser uma mulher e fazer rock. João Gilberto também esteve no palco com a filha. Bebel Gilberto 90, filha do casal nascida em 1965, desde muito pequena e depois adolescente

dividia a cena com o pai, sendo encorajada por ambos.

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89 – Encontro João Gilberto e Rita Lee, áudio do show “Brasil é com S”, disponível no

site: https://www.youtube.com/watch?v=YtQfl3zetNE . Acesso em 05 de agosto de 2019.

90 - Foto autor desconhecido. Bebel Gilberto no palco com o pai João Gilberto.

Figura 20 – A foto com João Gilberto e Bebel Gilberto juntos cantando faz lembrar a ausência de Miúcha no palco, o que marcou o período em que esteve casada.

Porém, Miúcha estava ao lado, muitas vezes na coxia, como já exemplificado pelo show do Teatro Castro Alves. Ela agia, ao mesmo tempo, como esteio da família e com o desafio, nem sempre simples ou fácil, de garantir que tudo corresse bem no espaço público para o então marido.

3.1 – De quem é o palco, de quem é a palavra?

Antes de seguir com o percurso de Miúcha e sua reverberação na história coletiva, interessa aqui apontar a atualidade da problemática do discurso na/da música. De quem é o palco, de quem é a palavra? Persigo nessa pergunta. Para isso, proponho uma ponte com a música brasileira contemporânea através do levantamento das receitas dos artistas neste mercado no Brasil. A investigação desta pesquisa busca também compreender as reverberações desses processos de educação para a feminilidade na alta-contemporaneidade, articulando gênero e música, para tentar identificar se existiria ainda hoje uma invisibilidade, ou menor visibilidade, da mulher no meio musical.

Os números iluminam essa distinção e apontam como ela atua nas esferas de poder, com os homens ocupando de uma ponta a outra toda a cadeia musical, inclusive com grande presença deles nos espaços de fala e de maior rendimento financeiro. Na atualidade, com a difusão do hábito de escutar música através da web, os rendimentos não provêm mais da venda de discos, como na era das gravadoras. Desde o final dos anos 90, o faturamento dos artistas da música concentra-se na venda de shows e no recolhimento dos direitos autorais, através da execução em internet, rádio, propaganda, televisão, filme, espetáculo etc.

Para situar e atualizar a trajetória específica de Miúcha, recorro ao estudo quantitativo da pesquisa: “Por elas que fazem música” 91, publicada em fevereiro de 2018, que versa sobre

direitos autorais e faturamento dos produtores. Este levantamento é focado em mapear a _____________________________

91 – Relatório da pesquisa ‘Por Elas que Fazem Música’ disponível na

íntegra: http://www.ubc.org.br/anexos/publicacoes/arquivos_noticias/porelasquefazemamusica2018.pdf . Acessado em 05 de agosto de 2019.

representação das mulheres no mercado da música no Brasil, baseando-se em dados do ano anterior. A pesquisa foi realizada por uma equipe transdisciplinar da UBC (União Brasileira de Compositores), associação fundada em 1942 e que representa atualmente cerca de 25 mil compositoras e compositores brasileiros, espalhados pelo Brasil e no exterior.

O métodode sondagem consistiu em levantar o faturamento anual dos associados, quantificando os do sexo masculino e os do feminino. A partir da análise dos dados, foi possível constatar a desigualdade de gênero no métier da música, mesmo sessenta anos depois do surgimento da Bossa Nova. Esta pesquisa não possui dados numéricos anteriores para compararmos se a presença da mulher na música no Brasil aumentou, reduziu ou se manteve. Porém, chama atenção a enorme disparidade, nos dias atuais, entre o faturamento de artistas homens e mulheres, após tantas lutas feministas, muitas delas reivindicando a inserção da mulher no mercado de trabalho e a sua devida equiparação salarial e/ou dos cachês.

Figura 21 – Esta imagem gráfica reproduzida da pesquisa “Por Elas que Fazem Música” (dados: 2017) expõe a sub-representação feminina no métier musical do Brasil, que, não apenas se manteve, como também se manifesta em diferentes espaços de poder, aqui no exemplo da diferença abissal na arrecadação entre os autores e das autoras.

O levantamento da UBC constata que 90% do faturamento com direitos autorais sobre música no Brasil do ano de 2017 foi destinado a homens. Podemos destrinchar item por item os dados fornecidos: notamos que entre os compositores, apenas 8% são de mulheres, contra 92% de homens. E mesmo entre os intérpretes, onde habitualmente as mulheres costumam ganhar projeção midiática e ter seus nomes mais lembrados pelo público, para cada 100 intérpretes, elas aparecem apenas em 17 contra 83 do sexo masculino. A pesquisa conclui ainda que 87% dos músicos, ou seja, dos acompanhantes dos grupos e bandas são compostos por homens, o que denota uma maior presença concreta do corpo masculino em espaços públicos, como no palco ou nos créditos das obras.

No item “produtores fonográficos” a presença feminina cai ainda mais, para apenas 4%, sendo o de menor presença delas e menor ainda o peso sobre o faturamento geral para as mulheres, representando apenas 1% do total que elas arrecadaram. Aprofundando a interpretação dos dados colhidos pela UBC, os números da distinção entre os sexos se mantêm nos itenslistados dos autores, versionistas, intérpretes, músicos, acompanhantes e produtores fonográficos. Esse cruzamento de dados nos permite concluir que o discurso objetivo e subjetivo, seja ele através da palavra cantada, da criação das letras, do repertório executado, das variadas versões das músicas ou da presença numérica geral na cena da música brasileira, é, em todas as etapas dessa cadeia produtiva, ocupado pela expressiva maioria de profissionais do sexo masculino.

Este estudo quantitativo denota não apenas a atualidade do debate, como revela que a música brasileira exportada e apresentada ao mundo tem sexo e é o masculino. Ao longo do século XX e XXI, a música brasileira tem sido a maior vitrine cultural do país no exterior. Ao tratar da divisão da presença de mulheres e homens na música a partir do montante da receita com direitos autorais, podemos concluir que não apenas o discurso da música brasileira é dos homens, como os artistas de maior prestígio, por serem os de maior receita, também os são. Os números da pesquisa sinalizam que o cenário da música, ao menos com a presença numérica das mulheres, modificou muito pouco. No primeiro disco de Miúcha e Tom Jobim, de 1977, vinte e oito homens são creditados, entre músicos, compositores, intérpretes e técnicos. Miúcha figura como única mulher entre eles.

Essa hegemonia numérica e concreta, não impede, no entanto, ações de desconstrução de mulheres diante do feminino padrão, o qual esse estudo trata como deslocamento pela différance. A cantora Dolores Duran 92, certa vez, em um encontro entre músicos na

Rádio Nacional, reescreveu a letra de Por causa de vocês, música de Tom Jobim e letra inicial de Vinicius de Moraes. Ela concluiu o bilhete com a seguinte frase: “-Vinícius (de Moraes) outra letra é covardia”, avisando, com humor, que esse não se atrevesse a modificar a letra, porque aquela era a versão definitiva como ela iria cantar. Quem conta essa história, em tom de anedota, é Tom Jobim no palco em um show ao piano em Minas Gerais. Tom Jobim conclui: “-Ficou a letra dela e saiu a do Vinícius (Moraes), que também era bonita”. Que ousadia, uma mulher, entre eles, ter a palavra final!

3.2 – A escrita pelo corpo discursivo

A Igreja diz: O corpo é uma culpa. A ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz: O corpo é um negócio. O corpo diz: Eu sou uma festa. Eduardo Galeano

A regulação dos corpos, com a distinção social entre masculino e feminino, me parece o ponto cego do meio musical, mas não especificamente do gênero da Bossa Nova, funcionando como um impedimento ao desenvolvimento pleno dos sujeitos. Como

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92 – O episódio de Dolores Duran (1930-1959) está contado na íntegra por Tom Jobim e disponível na

plataforma de música Spotify disponível na

integra: https://open.spotify.com/album/1M7tCilZSiX2gxRtv6ldG9?si=jEYCD0DKQ4mxH9vlXGLUcg . Acesso 05 de agosto de 2019.

podemos ser capazes de ativar múltiplas possibilidades de inter-relações, se os códigos são moralmente separados? Aqui, vale uma distinção epistemológica entre os termos diferente e desigual. Nesta pesquisa parto da compreensão de que as diferenças são constituintes dos seres humanos e que, para além da construção cultural, as distinções biológicas e sexuais são da esfera do material e do psíquico. Importante, no entanto, pontuar que o antônimo de desigualdade não é igualdade, mas, a equidade, ou seja, uma sociedade com condições equânimes e escolhas singulares.

O meio artístico, notadamente o da música, costuma ser visto aos olhos da opinião média e pública como um ambiente equânime. Um métier habitado por mulheres e homens, de forma mista e diria, inclusive, queer, no qual identidades plurais de gênero transitariam livremente. Proponho aqui o deslocamento dessas falsas certezas para, dentro de uma perspectiva desconstrutivista, problematizar os não ditos. Parafraseando Nietzsche, na obra Assim falou Zaratrusta, como já havia feito antes Jacques Derrida (1968, p.13), ao desafiar absolutismos filosóficos, pergunto: será que é preciso romper os ouvidos para enxergar com os olhos? Em uma perspectiva dos estudos dos subalternos (SPIVAK, 2014, p.16), podemos entender a invisibilidade nas artes como um silenciamento do feminino com seus plurais. Quebrar o círculo dessa violência silenciosa passa por incluir outras vozes e escritas e construir novas bases, o que inclui desinfantilizar o feminino aprisionado nas musas, nas mulheres de fulano e cicrano, nas madonas e mães de maridos.

Parto da hipótese de que a afirmação da equidade no meio musical é um mito. As mulheres estão presentes nos territórios da música, como, por exemplo, no palco, nos estúdios de gravação, nos discos, na mídia, porém, na grande maioria das situações, na condição de musas ou de acompanhantes, à sombra do masculino. Não é que não haja mulheres célebres e reconhecidas no campo musical, claro que existem e posso citar diversas, mas estas são, em um dito popular, a exceção que confirma a regra. É possível fazer uma rápida iconografia

do movimento da Bossa Nova a partir da presença - e da ausência - do corpo feminino. Nas

fotos, a presença majoritária dos homens no palco e nos créditos dos discos fica evidente. As bandas, com as quais Miúcha cantou, eram sempre formadas por homens instrumentistas. O lugar, então, reservado às mulheres, era ao lado deles como cantoras, geralmente segunda voz, ou citadas nas letras das músicas, como era o caso das musas. Fossem nos palcos, elas

estavam quase sempre formando dupla com eles, ou com mais cantores, como quando Miúcha se apresenta com Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Toquinho no lendário show do Canecão.

Mas havia um lugar onde as mulheres tinham espaço cativo: o coro. No samba, gênero musical fundamental para a criação da batida da Bossa Nova, o coro feminino tinha até nome: as pastoras ou as pastorinhas. Vozes femininas eram bem-aceitas no momento do “lá, lá, lá” ou “oh, oh, oh”, quase como uma saudação aos donos da festa, um cantarolar que remete às cantigas infantis. Na temporada do Canecão, quando o show do quarteto Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Toquinho e Miúcha 93 ficou quase um ano em cartaz, o coro

se revezou entre dezenas de amigas da turma.

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As integrantes do coro não eram fixas, mas sempre mulheres, belas mulheres, afinal, atributos físicos costumam ser um pré-requisito para a mulher brilhar no palco. Miúcha era a única com status de atração principal no meio dos três homens, como fica nítido nas fotos. __________________________

93 – Foto do disco ao vivo Show Olympia, em São Paulo, 1977: Miúcha, Vinícius de Moraes, Tom Jobim (ao

piano) e Toquinho (em pé). Gravadora RCA.

Figura 24 – Miúcha no palco, na fase já separada de João Gilberto. A sua presença ao lado de Tom Jobim (sentado à frente do piano), apoiada no colo de Vinícius de Moraes e com Toquinho na outra ponta do piano, representa a grande maioria das suas aparições públicas: como uma mulher entre eles.

Essas duas fotos acima, exemplificam bem, a presença feminina de Miúcha cercada por artistas homens. Seu duplo deslocamento, como mulher-errante - uma cantora latina no

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