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4 ESTUDO COMPARADO DE CASOS: IMPACTO SOCIAL NO ESTADO DE SÃO

4.3 COMPARAÇÃO DOS CASOS PESQUISADOS

4.3.2. Descrição do objeto das parcerias de impacto social

No que se refere à descrição das atividades a serem desempenhadas pelos parceiros privados, vale dizer, o objeto propriamente dito das parcerias, a análise comparativa dos casos selecionados comprova que em nenhum deles houve descrição exaustiva. Em ambos, o poder público apresentou uma moldura referencial do desenho da política pública, incumbindo o parceiro privado de empregar sua expertise para planejar e executar ações adequadas, voltadas ao alcance das metas pré-ajustadas.

O quadro 6 resume as atividades referenciais aplicáveis em conformidade com as respectivas políticas públicas setoriais.

Quadro 6 - Descrição de atividades dos projetos de impacto social do estado de São Paulo Atividades recomendadas ou obrigatórias Atividades recomendadas ou

complementares/alternativas

Caso 1

Ações com foco em famílias (implantar canal direto de comunicação, construir equipes com profissionais preparados para assuntos relacionados à família) Ações com foco em alunos (auxilio na construção de um projeto de vida e carreira, atividades de desenvolvimento de protagonismo juvenil)

Interligação com o planejamento escolar da SEE (diálogo conjunto)

Não há descrição

Caso 2

Com flexibilidade para a frequência e a quantidade de horas/jovem do grupo de tratamento:

mentoria, aconselhamento individual, construção de habilidades, treinamento de profissionais da entidade

Programas comportamentais, terapia cognitiva-comportamental,

desenvolvimento de habilidades sociais, educação profissional Fonte: elaboração própria.

Consoante indicado pela literatura a respeito do tema, essa flexibilidade na gestão das atividades voltadas ao alcance das metas sociais coaduna-se com o modelo inspirado no SIB, na busca da coprodução nas etapas de formulação (do ponto de vista do parceiro privado) e de implementação de políticas públicas (da perspectiva do usuário do serviço de relevância Pública) (BRANDSEN; HONINGH, 2015).

Assim, a coprodução em etapas essenciais de política pública constitui nota distintiva relevante entre parcerias sociais de impacto e outras parcerias usuais no poder público. É uma forma de identificar modelos inspirados em SIB (ARENA et al., 2016) como estruturas inovadoras (OSBORNE; BROWN, 2005) de parcerias público-privadas. O diferencial do modelo pode ser observado tanto no aspecto da coprodução – já que o serviço de relevância pública é prestado com o particular (BOVAIRD; LOEFFLER, 2012) – como no aspecto do acompanhamento da execução ou governança (FALCÃO-MARTINS, 2017), permitindo afirmar tratar-se de expoente da teoria da nova governança pública (OSBORNE, 2010).

Com efeito, embora o sistema normativo brasileiro comporte expressamente “contratos de eficiência”46 ou, ainda, contratos com cláusula de “remuneração variável” vinculada ao desempenho do parceiro privado, “conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato” de parceria público-privada47, fato é que as contratações nos setores de serviço ou infraestrutura, e mesmo as parcerias sociais, dependem, para sua regular celebração, de licitação cujo edital deve trazer, como anexo, projeto básico48, termo de

46 De acordo com a Lei federal n º 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, artigo 23, § 1º, “o contrato de eficiência terá por objeto a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada.”.

47 Lei federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, artigo 6º, § 1º.

48 Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, artigo 6º, inciso IX: “IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza; b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem; c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso; f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;”.

referência ou plano de trabalho49 com descrição do objeto com um nível de detalhamento que assegure a isonomia no procedimento competitivo de seleção. Esse dever legal a que se submete a Administração pública concretiza a tradição de controle pelo procedimento50.

A rigor, não faltam parâmetros normativos ou legais para avaliação de adequação de propostas aos objetivos específicos que motivaram a estruturação de parcerias, tampouco para avaliação e valorização de propostas de acordo com critérios estabelecidos em procedimento competitivo. Exemplos disso são, respectivamente, os chamamentos públicos de que trata a Lei federal nº 13.019/2014 e as licitações do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço”, previstas no artigo 46 da Lei federal nº 8.666/93.

Aliás, a possibilidade de adaptação das atividades às necessidades concretas dos beneficiários do serviço de relevância pública constitui vantagem considerável de modelo de parceria que envolve a coprodução e prescinde ou até desaconselha a padronização de serviços (FLEDDERUS; BRANDSEN; HONINGH, 2015).

Esse cenário parece indicar que a descrição não exaustiva das atividades a serem desempenhadas para concretização do objeto de parcerias sociais de impacto não configuraria um obstáculo à implementação do modelo no estado de São Paulo. Em concreto, contudo, a falta de confiança dos parceiros privados em relação à efetividade do controle de resultados e o desconhecimento do modelo podem ter contribuído para o insucesso dos casos examinados. Vale registrar que a observação dos casos selecionados (YIN, 2018) indica que em nenhum deles houve efetiva participação dos beneficiários nos processos de estruturação das parcerias, conforme registros das audiências públicas realizadas. Aludidos registros não evidenciam a participação dos destinatários das políticas públicas, a sinalizar que o formato “top-down” não é apropriado para modalidades de parceria inspiradas em SIB (WATSON, 2014).

Assim, não se pode apontar que tenha havido equívoco na descrição do objeto de ambos os projetos de parceria de impacto social analisados.

49 De acordo com a Lei federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014, o plano de trabalho deverá conter, dentre outros elementos, “forma de execução das atividades ou dos projetos e de cumprimento das metas a eles atreladas” (artigo 22, inciso III) e, o chamamento público deve contar com “julgamento objetivo” (artigo 2º, inciso XII).

50 LUHMANN (1980); DUARTE (1996). A nova lei geral de licitações e contratos (Lei nº 14.133/2021), que substituirá, a partir de abril de 2023, a Lei nº 8.666/93, enumera como um dos objetivos do processo licitatório, a garantia de “seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto” (artigo 11, inciso I). Há, portanto, evolução normativa voltada à garantia de resultado em detrimento do controle de procedimento puro.