• Nenhum resultado encontrado

2. Revisão da literatura

2.3. Organização da informação

2.3.1. Descrição multinível

A adoção da norma ISAD(G) para a descrição arquivística do acervo presente no Arquivo do CA, é uma decisão consciente, tomada pela importância que os referenciais do ICA representam para assegurar um resultado de elevada qualidade do processo de preservação e gestão em causa, e suportada no próprio software de descrição a utilizar, o ICA-AtoM. Conforme se compreende pela origem do software, desenvolvido sob a chancela do ICA, o mesmo incorpora na sua estrutura e funcionamento, o próprio desenho e requisitos da ISAD(G), para além do restante normativo ICA aplicável, já mencionado.

Consequentemente, e focando a atenção na norma relativa à descrição arquivística, a mesma implica a sua realização segundo diversos níveis de profundidade de descrição da documentação, estabelecendo um esquema de metainformação uniforme para todos os níveis de descrição mas que pode ser preenchida de uma forma específica em cada nível. Ou seja, assumindo a necessidade de manter a contextualização dos documentos tratados e incorporados no sistema de descrição, a norma advoga a existência de diversos níveis de descrição (Fundo, Série, Subsérie, Processo, Peça), sendo a mesma efetuada do geral para o particular e mantendo a ligação existente entre os diversos elementos constituintes de cada fundo. Assim sendo, dado o nível de especificidade a que se descreve, é definido um conjunto de metadados necessários, os quais são contextualizados pelo conjunto de metadados dos níveis de descrição superiores, e que por sua vez contextualizam os níveis inferiores. Através deste mecanismo de herança, a norma pretende eliminar a duplicação/repetição de informação, mantendo a metainformação descritiva ao nível do necessário e pertinente para o nível a descrever, sem prejuízo de ser possível complementar a contextualização com a metainformação dos níveis superiores à mesma.

Com esta estrutura hierárquica de descrição, ou seja de organização da informação, algumas consequências significativas para compreender o presente projeto, o seu contexto e enquadramento, emergem.

22 Segundo os estudos de uso e respetivas necessidades dos utilizadores dos sistemas de informação, verifica-se um requisito recorrente: a necessidade que os utilizadores evidenciam de acesso direto ao conteúdo informacional (Daines and Nimer 2011). Este requisito de acesso não se encontra tão patente nos sistemas de informação de propensão arquivística histórica, na medida em que as ferramentas de descrição arquivística funcionaram tanto com o objetivo de permitir o acesso à informação pelos utilizadores, como ainda com o objetivo de gerir o próprio repositório, respondendo dessa forma às necessidades dos arquivistas (Daines and Nimer 2011). Nesta duplicidade, as ferramentas de descrição arquivística, e todo o sistema de informação sobre elas montado, assumem, implicitamente, que tanto os utilizadores como os arquivistas possuem o conhecimento teórico capaz de tornar compreensível a descrição multinível defendida nas normas atuais. Se do lado dos arquivistas este facto não coloca obstáculos, do lado dos utilizadores a situação altera-se. Atualmente os utilizadores acedem aos sistemas de informação sem a mediação dos arquivistas, nomeadamente pela internet, o que coloca obstáculos da maior importância à utilização dos sistemas.

De facto, a alteração para os sistemas informáticos de preservação e acesso à informação, não foi acompanhada de uma restruturação das ferramentas herdadas, desenhadas para as especificidades do paradigma baseado em papel. Relembre-se que, neste último paradigma, o arquivista era assumido por excelência como o mediador necessário para o acesso ao repositório por parte dos utilizadores da informação. Dada a localização física do acervo e do profissional da informação, tornava-se fácil assegurar essa mediação. Com a virtualização do repositório na internet e disponibilização consequente das ferramentas de acesso à informação aí presente, o mediador deixa de possuir um papel necessário no acesso à informação, tornando-se agora um agente principal na disponibilização de um sistema de informação que permita o acesso imediato (e não mediato, mediado) à informação. Na atual sociedade da informação, a mediação é reduzida ao máximo possível, procurando assegurar a rapidez no acesso à informação que não seria possível caso a mediação se revelasse necessária. Neste sentido, os sistemas de informação terão que ser alvo de uma premente restruturação em torno dos conhecimentos e capacidades dos utilizadores, nomeadamente na forma como são realizadas as pesquisas e disponibilizada a informação (recuperação e apresentação da informação). É este salto qualitativo em direção ao utilizador que os sistemas atuais têm que realizar, sob pena do utilizador desistir dos mesmos face aos obstáculos teóricos que se lhe colocam na sua utilização. Saliente-se o facto de já existirem sistemas que incorporam, por exemplo, o mecanismo de herança de metainformação. Todavia a generalização necessária destas funcionalidades ainda não é suficientemente alargada.

23 Neste sentido, a descrição multinível apresenta-se como uma ferramenta essencial para o trabalho do arquivista ou gestor de informação, mas não tanto para o utilizador. Se para efeitos de preservação contextualizada de um repositório o profissional da ciência da informação encontra aí uma ferramenta poderosa, o utilizador pode encontrar um obstáculo imediato à sua compreensão da informação apresentada num sistema informático. Conforme já referido, o utilizador pretende um acesso direto à informação de que necessita, ou seja, privilegiará um acesso direto ao item/peça. É com o documento em si que o utilizador pretende trabalhar. No entanto, na maioria dos sistemas informáticos atuais que permitem esse acesso direto ao item, a apresentação da descrição arquivística é realizada com a metainformação existente apenas nesse nível de descrição. Ou seja, há o risco de, necessitando de metainformação pertinente para a contextualização e compreensão efetiva do conteúdo do documento descrito, o utilizador encontre na dispersão dessa metainformação necessária por diversos níveis hierárquicos de descrição, um obstáculo à sua correta avaliação do valor do documento para as suas necessidades.

Por outro lado, as infindáveis listagens de conteúdos não resolvem o problema do utilizador, dada a dificuldade de navegação proveniente do volume documental que as mesmas incluem. É necessário ultrapassar a criação de listagens assoberbantes de conteúdos estruturados hierarquicamente. Estas revelam-se como um ponto de desorientação para os utilizadores. No entanto, só será possível ultrapassar este obstáculo através da possibilidade de acesso direto às descrições ao nível do item.

Ou seja, a solução define-se provavelmente ao nível das descrições e na consciência de que é possível separar as funções de gestão da função de utilização do software de arquivo. No que diz respeito à função de utilização, é necessário criar sistemas informáticos que ultrapassem as limitações da descrição multinível ao nível da apresentação da informação ao utilizador, e apenas a este nível. Tal pode ser realizado, por sua vez, herdando a informação das descrições dos níveis superiores, que permitam contextualizar significativamente estas unidades de informação. Caso contrário, o acesso às mesmas revelar-se-á infrutífero, dada a sua ininteligibilidade por falta de contextualização suficiente (Daines and Nimer 2011). Esta questão não se encontra ainda respondida em termos de soluções de software disponíveis no mercado. Existem algumas experiências nesse sentido, realizadas por entidades que desenvolveram de raiz ou adaptaram soluções existentes (Daines and Nimer 2011; Nimer 2010).

Em relação direta com a herança de metainformação, e no espectro mais alargado com a descrição multinível, a própria interoperabilidade e partilha de recursos entre sistemas informáticos encontra-se dependente da resolução desta fragmentação da

24 metainformação descritiva. Expondo a situação a partir de um exemplo: quando há partilha de descrições arquivísticas entre sistemas de descrição arquivística multinível, ou existe uma replicação integral da estrutura hierárquica e relacional entre os sistemas em causa, ou, caso se exporte/importe descrições verificam-se lacunas de informação na medida em que a exportação realizada apenas num nível da descrição multinível leva à perda da informação presente nos restantes níveis hierárquicos de descrição e consequente perda de contexto. Daí a solução apresentada pela herança de metainformação, enriquecendo as descrições de níveis inferiores, e implementando um processo de herança dos níveis superiores para os níveis inferiores. Só desta forma se assegura a contextualização e completa descrição arquivística da informação a migrar. A não salvaguarda deste requisito pode originar a migração de descrições ao nível do documento simples ou composto, com perda da metainformação apenas presente nos níveis superiores (subsérie, série, fundo,…). No entanto, é necessário assumir critérios de “herança” de forma a apenas herdar a metainformação pertinente e não elementos que apenas dizem respeito aos níveis superiores (Nimer 2010).

A implementação de sistemas de informação e descrição arquivística, tem, de forma consciente, que se posicionar perante estas questões, procurando potenciar os benefícios da descrição multinível e dirimir as fragilidades evidenciadas pela transição dos arquivos para as soluções informáticas a utilizar. A implementação do sistema de informação de apoio ao SOA, na figura do software ICA-AtoM, tem que tomar uma posição consciente e fundamentada acerca dos requisitos aqui apresentados. Dado o âmbito do projeto, não é possível realizar alterações no software. No entanto, as funcionalidades e limitações do ICA-AtoM têm que ser explicitadas e incorporadas nesta problemática.