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7 IMPLEMENTANDO A METODOLOGIA PROPOSTA E APRESENTANDO OS

7.2.6 Descuidando de si, sendo cuidado e cuidando do outro

Depreende-se a respeito do cuidado com a própria saúde, que alguns dos profissionais de enfermagem descuidam de si enquanto cuidam do outro. Manifestam estar o próprio cuidado, em segundo plano. Preterem a necessidade de cuidado pessoal, como não sendo prioritário, que pode ser adiado.

O profissional, ciente da inadequada postura em relação ao cuidado de si, manifesta:

Relaxamento (no cuidado de si), né? Acaba relaxando e...vai levando, vai levando [...] a gente sempre se deixa pra depois, segundo plano, né? (P.2).

Baggio (2004) aponta em seu estudo, a respeito do cuidado de si e do outro pelos profissionais de enfermagem, que estes cuidam do outro e são descuidados com o próprio cuidado. O cuidado está prioritariamente relacionado ao outro, seja o cliente, o familiar e outros, ficando o cuidado de si mesmo postergado em prol deste outro.

Elias e Navarro (2006) discorrem que na hierarquização do cuidado na vida do enfermeiro, está o cuidado do outro, seja no hospital seja na família. Em

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contrapartida, o cuidado de si quase sempre está em último plano por motivos particulares ou não. É o tempo exíguo, devido às inúmeras atividades profissionais, um motivo prevalente da falta de cuidado de si.

O cotidiano dos profissionais de enfermagem é preenchido com inúmeras atividades de trabalho e particulares, com as quais se preocupa. Não obstante, justifica-se como motivo para a falta de cuidado de si, o fato de a maioria dos participantes do estudo possuir mais de um emprego, encarando a saúde como objeto de trabalho e não como cuidado pessoal, como expõe o participante:

Talvez tu encare a saúde como um objeto de trabalho e não como um cuidado pessoal. O cuidado da saúde faz parte do teu profissional, mas quando a gente tem que levar pro pessoal, acaba encarando como parte do teu trabalho, fica meio dissociado (P.10).

Além das atividades laborais, alguns profissionais do gênero feminino detêm também a tarefa de ser mãe, esposa e responsável pelo cuidado do lar. Com o exíguo tempo que possuem estas profissionais, o cuidado de si limita-se ao período em que não estão desempenhando estas atividades. Segundo a participante para o cuidado de si: às vezes falta de tempo, né? (P.8).

A falta de cuidado de si mesmo e os sinais emergentes do descuidado são entendidos como um problema, porém atribuído como de pouca importância, visto a demanda cotidiana de cuidados a outros seres (familiares) e a outras coisas (da casa), como afirmam os participantes:

Eu acho que a gente até olha pro problema da gente, mas acaba diminuindo ele, não dando a devida importância, né? Se preocupa com casa, família, né? Com tudo. E vai sempre deixando àquele problema. Falta a gente olhar com mais carinho (P.7).

Principalmente quando tu tem uma casa, filho e marido e daí tu vai te envolvendo com eles e vai te esquecendo, né? (P.2).

... nesses momentos a gente esquece do eu ser humano, né? (P.7).

Ao envolver-se com compromissos e afazeres cotidianos do lar e com os cuidados da família (filhos, marido, outros) a profissional de enfermagem, que exerce atividade como cuidadora de outros seres sejam cliente(s), filho(s), o marido e também do ambiente doméstico, esquece-se do próprio eu, sendo que também é um ser humano que precisa de cuidados enquanto ser de necessidades.

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As relações de si junto com o outro possibilitam a integração e o sentimento de cuidado que se processa a partir das trocas com o outro. Mas, o profissional por sua capacidade humanística e técnica realiza o cuidado do outro e, contraditoriamente, não presta a mesma atenção ao seu próprio cuidado, indicando a negligência do cuidado de si, pois a enfermagem possui um compromisso maior, o cuidar como forma de viver, de cuidar, de interagir com o olhar no outro, de conviver com a coletividade.

Ao relacionar o cuidado de si e outros cuidados que realiza enquanto mulher, esposa, mãe e profissional, considerando a questão de gênero, os compromissos e responsabilidades múltiplas, a participante afirma:

Na verdade, a mulher foi criada pra ser cuidadora e não para ser cuidada, então... não tem ninguém pra cuidar de ti né, tu cuida deles, mas... (P.8).

No depoimento acima, a profissional de enfermagem expõe os conflitos do gênero, colocando-se numa condição de opressão, dada a condição feminina. Manifesta a responsabilidade do gênero feminino pelo cuidado do outro enquanto mãe, esposa e profissional. Uma cuidadora dedicada, que foi criada para cuidar e não para ser cuidada. Seria esta a realidade e a maneira de conduzir a própria vida, também de outras trabalhadoras da enfermagem? As profissionais de enfermagem precisam colocar-se na condição acima relatada, dada a condição de gênero feminino? Que implicações estão envolvidas na forma acima de conduzir o cuidado de si, do(s) outro(s) e de outras coisas? A condição de gênero tem implicância para o cuidado de si, do outro e de outras coisas?

Conforme Fernandes et al. (2004), as enfermeiras/mulheres/mães não conseguem separar a vida familiar e da vida profissional, sendo o trabalho de enfermagem percebido como uma extensão do cotidiano da mulher com o cuidado da família (das crianças, do marido), não separando delas próprias o mundo do lar e o do trabalho.

Em contrapartida, embora não preste a devida atenção ao cuidado de si, outra participante anuncia sentir-se cuidada pelo outro, neste caso o marido:

Geralmente quem marca minhas consultas, pra mim, é o meu marido. Ele que foi lá e marcou o médico de coluna. Já chega eu vou marcar e tu vai ir (disse o marido). Ele vai junto e assim todas as consultas ele ta ali do lado para ter certeza que eu não vou desistir

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da consulta. Ele que tem esse cuidado, senão ia passando. Não cuido (do eu). Eu cuido dos outros. Eu não me cuido (P.3).

Constata-se, dessa forma, que não parece ser uma questão de gênero feminino o ato de cuidar do outro e sim de todo e qualquer ser humano, independentemente de gênero. Porém, a responsabilidade pelo próprio cuidado deve partir, numa condição primeira, do próprio ser humano e profissional de enfermagem, como critério para também poder cuidar do outro.

No exercício do cuidado de si, situações do cotidiano a priori não percebidas como significativas, neste momento reflexivo, são resgatadas da memória dos participantes. Em situação vivida junto a outro ser humano cliente, o profissional foi surpreendido por este quando sua atitude otimista denota independência para o cuidado, como se lê no relato a seguir:

Me lembrei do paciente Fulano, perguntei: foste no banheiro sozinho? E ele respondeu: Já fui sozinho, eu me cuido! Eu faço tudo, me cuido! (P.3).

A fala anterior surpreende o profissional por dois motivos. O primeiro, manifesta a surpresa pela independência e iniciativa para o autocuidado pelo cliente. O segundo, o cuidado de si implícito na atitude do cliente não corresponde às atitudes do profissional para o próprio cuidado.

Conforme Celich e Crossetti (2004) os seres humanos por coexistirem e coabitarem o mundo são considerados seres sociais que necessitam e vivem para si e para o outro. Condição esta que impele à compreensão mútua nos modos singulares de convivência e de cuidado.

Dessa forma, a relação de si com o outro é salutar aos seres humanos para o entendimento dos modos particulares do cuidado de si e para a compreensão da melhor condição de cuidar do outro, respeitando os saberes e fazeres particulares de cada indivíduo.

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7.3 OFICINA III REFLETINDO O SIGNIFICADO DO CUIDADO DO OUTRO PARA