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JUSTIÇA DO TRABALHO

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 ARTIGO

2.1.2 Descumprimento da legislação trabalhista

Faz doze ano que ele não paga nem décimo nem fera, e tinha um dimistrador aqui que quando nós dizia: rapaz e as fera da gente como é que vai ser? Ele disse: vocês querem fera?, apôs eu vou caçar uma fera bem boa pra soltar aqui pra pegar vocezes.88

O argumento geral defendido pelos empregadores – para legitimar o não pagamento dos encargos trabalhistas – era alegar não comparecimento do trabalhador ao serviço. Dependendo dos números de dias supostamente não trabalhados, essa estratégia visava desobrigar a usina do pagamento de férias, 13º salário, horas extras, feriados e repouso semanal remunerado. A esse respeito, o artigo 43, § 1º, do ETR era claro: “é vedado

descontar no período de férias as faltas ao serviço, do trabalho rural, justificadas ou não”.

Ainda residentes na usina e engenho, ou trabalhadores “de fora”, o risco de se apresentar no local de trabalho e ouvir do cabo que não havia trabalho naquele dia, fazia parte do cotidiano, sobretudo no período da entressafra. Além disso, a forja de documentos contra os trabalhadores era relativamente simples. Dona da caderneta de ponto, as usinas recomendavam a seus administradores não fazer a anotação dos dias de trabalho. Nos relatos dos trabalhadores, não informar ou falsificar cadernetas de ponto e Carteiras Profissionais era comum.

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48 Quando obrigadas a prestar esclarecimentos à Justiça do Trabalho, as usinas, por meio de seus advogados, normalmente alegavam que as reclamações deveriam ser julgadas improcedentes, posto se tratar de trabalhador faltoso aos serviços.

Processo 3060/66: JCJ de Escada

J.M.F, trabalhador rural, solteiro, morador de engenho

O reclamante por várias vezes procurou trabalho, falando com o administrador, o fiscal e o gerente da Usina proprietária do engenho, recebendo sempre as respostas que: não tinha serviço ou então que o reclamante fosse trabalhar, porém em serviços que o reclamante não pode executar, em virtude de ser um homem doente. Reclama: volta ao serviço, ou indenização, férias, 13º mês, aviso prévio. [grifo do autor]

Os contratos de trabalho formais, inexistentes na maioria dos casos, estavam sujeitos a súbitas alterações. Além disso, os depoimentos relatam o “rigor excessivo” no tratamento dispensado aos trabalhadores e a “impontualidade nos pagamentos”.

Processo 607/67: JCJ de Escada

S.J.C., trabalhadora rural. (...) A reclamante foi admitida aos serviços da reclamada, em 1 de abril de mil novecentos e cinqüenta (1950), desempenhando diversas funções, e percebendo o salário mínimo da região, sendo que ultimamente as condições do seu contrato de trabalho, vinha sendo alteradas substancialmente sem o seu devido consentimento, ocasionando-lhe grandes prejuízos com flagrantes inobservâncias no Art. 468 da CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. E Art. 70 do ESTATUTO DO TRABALHADOR RURAL

(...) Na conformidade do Art. 483, da legislação trabalhista vigente com o Art. 87 do ESTATUTO DO TRABALHADOR RURAL, o empregado poderá considerar rescindido e pleitear a devida indenização, quando o empregador ou seus superiores hierárquicos, o tratarem com rigor excessivo e igualmente por aplicação jurisprudencial, quando ocorrer impontualidade no pagamento dos salários ou quando forem pagos em desacordo com a Lei. [grifo do autor].

2.1.2.1 Jornada de trabalho

O trabalho na agroindústria canavieira muitas vezes exigia dos assalariados um esforço físico sobre-humano. As tarefas, desonestamente ampliadas, demandavam o trabalho de várias pessoas para completar uma diária simples de 8 horas,89

ou vários dias de empenho para um único trabalhador, quando não se podia contar com filhos ou outros familiares. O ritmo biológico tinha que se adequar a um regime de trabalho exaustivo. Em alguns casos nem o descanso para o almoço era permitido.

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ETR, Art. 25: Os contratos de trabalho rural, individuais ou coletivos, estipularão, conforme os usos, praxes e costumes de cada região, o início e o término normal da jornada de trabalho, que não poderá exceder oito horas por dia.

49 O passado de escravidão ainda deixava marcas na jornada de trabalho. A alegação dos trabalhadores era que eles eram espoliados por seus superiores. A redução equivalente da jornada do dia seguinte nunca chegava. Remuneração por horas extras trabalhadas era mais um direito não respeitado.

Processo 111/64: JCJ de Escada

J.O.S., ex-trabalhador rural.

A reclamação é a seguinte: trabalhou para o empregador 5 meses. 3 meses trabalhou em media 22 horas entre dias e noites digo no período de uma noite e um dia, só recebia 8 horas por dia nos 3 meses que trabalhou (...), nos 2 meses seguintes trabalhou em media 15 horas no período de uma noite e um dia, só recebia 8 horas por dia (...).

Processo 4428/65: JCJ de Escada

J.D.C., ajudante de engenho.

Declarou que trabalhava das 5,00 até as 23,00. Que tinha dia que não descansava para o almoço. (...) que era espoliado em seus direitos pelo rendeiro da Usina. Reclama: indenização, aviso prévio, férias, feriados, abono família, 13º salário, horas extras. [grifo do autor].

Os artifícios utilizados pelos empregadores eram múltiplos. Normalmente uma suspensão injusta era suficiente. Os motivos variavam: i) negar-se a cortar cana em terreno muito acidentado, o que ampliava a área trabalhada; ii) negar-se também a cortá-la crua, pois demandaria mais tempo para a realização da tarefa, além do perigo de animais peçonhentos, bem como da palha da cana; iii) negar-se a ir trabalhar muito distante do local de moradia, sem os meios de transporte necessário; iv) suspeita de participação em algum tipo de “movimento”: Sindicatos, Ligas Camponesas, ou outras associações; v) sob denuncia de que estava fazendo “corpo mole” no horário do serviço; vi) negar-se a trabalhar a noite ou aos domingos e feriados; vii) sob alegação de haverem praticado atos de indisciplina e insubordinação etc. No horizonte mental dos trabalhadores era tudo planejado, ou o patrão não lhes dava emprego, os lhes dava uma suspensão injusta visando comprometer seu salário.

Processo 421/66: JCJ de Escada

S.J.S., trabalhador rural.

Trabalhei para o reclamado desde o dia 2 de outubro de 1962, no dia 27 de abril de 1966, o empregador fez uma manobra com o fim de afetar sensivelmente a importância de meu salário dando uma suspensão ilegal de 7 dias.

Processo 1758/64: JCJ de Escada

S.G.S., trabalhador rural.

O reclamante declarou que foi suspenso durante oito (8) dias, verbalmente, sem motivo justo, uma vez que o referido Fiscal obrigou o reclamante a encher uns carros nos domingos, não pagando as horas extras e noturnas, o reclamante não atendeu, por esse motivo foi então suspenso por 8 dias.

50 Em outros casos, os que retornavam ao serviço recuperado de alguma doença recente poderiam simplesmente não ser recebido pela usina. Atestados médicos não eram suficientes: a empresa alegava abandono do emprego sem justificativa. Nem mesmo o período de gestação, no caso das trabalhadoras, era respeitado.90

Sem contar seus salários inferiores, na prática, em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

1591/63: JCJ de Palmares