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JUSTIÇA DO TRABALHO

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 ARTIGO

A. P.S, trabalhadora na lavoura canavieira.

Prestou a Reclamante serviços à Reclamada, desde a infância, na limpa de mato. Acontece que, companheira de trabalhador na mesma empresa Reclamada, veio a engravidar, afastando-se dos serviços em 5 de julho do ano corrente, e dando a luz em agosto seguinte.

Apresentando-se, imediatamente, ao serviço, negou-se o empregador a recebê-la. [grifo do autor]

1739/64: JCJ de Palmares

H.G.S., trabalhador rural.

Estando doente pediu permissão a reclamada para ir ao médico, apresentando a seguir o competente atestado médico, que justificou sua ausência ao trabalho durante 15 dias. Mesmo assim a reclamada o despediu em dezembro do corrente ano, alegando abandono do emprego e nulidade do atestado apresentado. [grifo do autor]

2.1.2.2 Fim do emprego: indenização, aviso prévio, estabilidade

Não existia reclamação, não existia nada. Passava dois dias para tirar uma conta, tirar aquela média e o cara ficava calado. E se reclamar, botava para fora sem direito a nada.91

As irregularidades tinham início com o grande número de trabalhadores sem Carteira Profissional, embora obrigatório para o exercício de trabalho rural.92

Alguns a possuíam, sem       

90

ETR, Art. 55: O contrato de trabalho não se interrompe durante a gravidez, em virtude da qual serão assegurados, à mulher, ainda os seguintes direitos e vantagens: a) afastamento do trabalho seis semanas antes e seis depois do parto, mediante atestado médico sempre que possível, podendo, em casos excepcionais, esses períodos serem aumentados de mais duas semanas cada um mediante atestado médico; b) repouso remunerado duas semanas em caso de aborto, a juízo do médico; c) dois descansos especiais, de meia hora cada um, durante o trabalho diário, para amamentação do filho, até que seja possível a suspensão, dessa, mediante, a critério médico, nunca porém, antes de seis meses após o parto; d) percepção integral dos vencimentos durante os períodos a que se referem os itens anteriores, em base nunca inferior aos dos últimos percebidos na atividade, ou aos da média dos últimos seis meses, se esta for superior á aqueles.

91

Rosendo Vicente de Sales citado por DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho... Op. Cit. p. 604.

92

ETR, Art. 11: E instituída em todo o território nacional, para as pessoas maiores de quatorze anos, sem distinção de sexo ou nacionalidade, a Carteira Profissional de Trabalhador Rural, obrigatória para o exercício de trabalho rural.

51 anotações, contudo.93

Os direitos a indenização por tempo de serviço,94

aviso prévio95

e estabilidade96 (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [FGTS] a partir de 1966 com a Lei 59.820), diretamente ligados ao tempo de serviço, deveriam ser informados na Carteira Profissional. Entretanto, o artigo 80, § 1º do ETR,97

regularizava uma prática corrente das usinas e engenhos: demissões e contratações sistemáticas, antes que o trabalhador completasse um ano de serviços prestados. Considerado período de experiência pelo ETR o primeiro ano de trabalho se repetia ao longo de décadas. Cada período de entressafra servia como argumento suficiente para demissões em massa.

520/64: JCJ de Palmares

J.M. da S. e seu filho V.M.

Reclama: Indenização por Tempo de Serviço, Aviso Prévio, 13º Salário, Férias

(114.400,00 e 99.660,00).

Ata de instrução e julgamento, dia 23 de março de 1964:

presente a reclamada representada pelo seu patrono (...), tendo o mesmo dito: que é improcedente o tempo de serviço alegado a inicial pelos reclamantes, pois os mesmos não atingiram uma jornada de trabalho que ultrapassasse um ano de serviço. Foram dispensados por justa causa, em virtude de haverem praticado atos de indisciplina e insubordinação, faltas catalogadas no art. 86 do Estatuto Rural (sic) no inciso que rege a matéria. Também é improcedente o período de férias porque os reclamantes não tiveram jornada de trabalho que fizessem jus àquele instituto. Contesta tudo mais por negação e protestando por todas as provas admitidas em direito cabíveis ao caso.

O fim da relação empregatícia representava o início de outros problemas, além dos obviamente decorrentes da falta de emprego, numa região onde praticamente inexistiam alternativas à plantação de cana:

Sem aviso prévio, sem indenização, sem recurso junto a um órgão de classe ou à Justiça do Estado, os trabalhadores eram expulsos em virtude do simples bel prazer do proprietário e da força armada da qual dispunha (e dispõe ainda) com a conivência das autoridades públicas (...) a recusa de considerar mesmo pequenas indenizações mostrava bem que os plantadores não se concebiam como parceiros num acordo.98

       93

ETR, Art. 20: Dentro do prazo de oito dias, contados da apresentação da carteira pelo trabalhador rural, o empregador ou seu proposto nela será obrigado a fazer as anotações exigidas.

94

ETR, Art. 80: A indenização devida pelo rescisório do contrato por prazo indeterminado será de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou fração superior a seis meses, sempre que, neste último caso, o trabalhador tiver mais de um ano de serviço.

95

ETR, Art. 91: Durante o prazo do aviso prévio, se a rescisão tiver sido promovida pelo empregador, o trabalhador rural terá direito a um dia por semana, sem prejuízo do salário integral para procurar outro trabalho”.

96

ETR, Art. 95: O trabalhador rural que conte mais de dez anos de serviço efetivo no mesmo estabelecimento, não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior.

97

ETR, art. 80, § 1º: O primeiro ano de duração do contrato por prazo indeterminado é considerado período de experiência e, antes que se complete, nenhuma Indenização será devida.

98

52 Após a promulgação do ETR, as usinas passaram a expulsar a maior parte dos seus moradores.99 “Com a conquista da legislação trabalhista para o campo, e principalmente,

após o Golpe de 64, os proprietários procuraram reduzir o número de moradores visando diminuir os encargos trabalhistas. (...) Como regra, portanto, aumentam os clandestinos, diminuem os fichados”.100

Ô xente!! Botava pra fora e pronto. O camarada não tinha aonde se queixar, não. Aí depois ele dizia: ‘Vá pra justiça, vá dar parte’. Ele mandava dar parte. Sindicato não tinha, ninguém falava... ninguém falava em sindicato, pronto: aí eles fazia o que bem queria. O camarada dizia: ‘Vá dar parte’. Era agüentar tarefas deste tamanho, e quem era que dizia nada? Ninguém dizia nada.101

2.1.2.3 Descontos indevidos, formas de pagamento e dívidas no Barracão

O desconto do aluguel da casa, embora legal, deveria ser abatido proporcionalmente de todos os salários dos moradores, conforme artigos 29 e 30 do ETR.102 O artigo 32 ainda salientava: “não podem ser deduzidos os valores correspondentes à habitação, quando o

prédio residencial não oferecer os requisitos mínimos de salubridade e higiene”. Nas relações

reais, o aluguel do casebre insalubre e pouco higiênico era descontado mês a mês do salário de todos os moradores.

O poder de compra do salário – mesmo o legal – era minúsculo. Além de reduzida pelas alterações no quantum de trabalho e não cumprimento da legislação, a remuneração dos canavieiros era ainda afetada pela forma de pagamento no barracão. O artigo 33 do ETR estipulava que não menos de 30% do salário dos trabalhadores rurais deveria ser pago em dinheiro. O vale do barracão, salário real dos trabalhadores, além de ilegal impedia-os de participar da defendida livre concorrência na economia de mercado.

Dependente do vale, o trabalhador se tornava refém de um sistema criado para forçar seu endividamento, dado a hiperinflação das mercadorias à venda nos barracões. Quando não, a balança do barracão também era viciada: “comprava 200g de carne, mas apenas recebia       

99

SIGAUD, Lygia. Os Clandestinos e os Direitos: estudo sobre trabalhadores da cana-de-açúcar de

Pernambuco. São Paulo: Duas cidades, 1979. 100

ABREU E LIMA, Maria do Socorro. Construindo o Sindicalismo Rural: lutas, partidos, projetos. Op. Cit., pp. 128-129.

101

Severino Sebastião Santana citado por DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho... Op. Cit., p. 733.

102

ETR, Art. 29: No total da remuneração a que tiver direito o trabalhador rural, poderá ser descontado as parcelas correspondentes a: a) aluguel de casa de residência de empregado, se ela se achar dentro do estabelecimento rural, até o limite de 20% (vinte por cento) do salário mínimo. Art. 30: Sempre que mais de um trabalhador residir só ou com sua família, na mesma morada fornecida pelo empregador, o desconto estabelecido no artigo anterior será dividido proporcionalmente aos – respectivos salários.

53

100”.103

Os relatos de investigadores da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco (SSP) sobre as razões da greve num engenho em 1960 constam:

Alegavam os moradores do engenho que não podiam trabalhar por Cr$ 35 diários e comprar no barracão um quilo de charque por Cr$ 180. (...) Na maioria dos engenhos, que convém citar aqui, o trabalhador costuma tirar uma conta de 10x10 braças quadradas por dia. A braça honesta é de 2 metros e 10 cm perfazendo 441 metros quadrados. Mais na maioria dos engenhos campeia a desonestidade. Recebem o trabalho honesto do camponês e lhe pagam um salário desonesto, neste caso está o engenho M. e muitos outros. No citado engenho a vara de medir contas tem 2 m e 30 cm isto é 20 cm a mais. Ora, medindo-se uma conta de 10x10 não perfazia 441 metros, e sim 529 metros quadrados, isto é 88 metros a mais no serviço do camponês.104

A renda insuficiente, para satisfazer necessidades básicas de alimentação, era apenas o reflexo de um conjunto de pressões exercidas pela classe patronal que tinha início no pulo da

vara, e culminava no não cumprimento de itens básicos da legislação trabalhista, durante e

após a relação empregatícia. O salário: “era só pra alimentar o corpo, pra trazer o corpo em

pé! Mas que desse pra viver, não dava!”.105