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Deslocamentos

Passamos a seguir à reflexão sobre alguns importantes desdobramentos da criação laboratorial. Até o presente momento, nos dedicamos a abordagem sobre os procedimentos de criação do ator co-criador e a um breve panorama sobre a inserção deste ator na produção brasileira contemporânea. Compreendemos a estruturação de uma criação colaborativa que se dá de forma laboratorial, a partir de um sistema Botton up (JONHSON), onde a desordem (MORIN) e os erros e acasos construtores (SALLES) aparecem como princípios direcionadores. No entanto, esse caminho percorrido gerou, ao longo desta pesquisa, algumas outras reflexões referentes aos deslocamentos e desdobramentos advindos de uma proposta de criação audiovisual pautada na colaboração e que apresenta o ator como o epicentro do processo criativo.

Preferimos aqui falar em deslocamentos a rupturas. Este posicionamento se dá por pensarmos, como apontado por Arlindo Machado (1997), que o cinema não é um modo de expressão estagnado, fossilizado, mas sim um sistema dinâmico.

“...Que reage as contingências de sua história e se transforma em conformidade com os novos desafios que lhe lança a sociedade (...) A transformação por que passa hoje o cinema, afeta todos os aspectos de sua manifestação, da elaboração da imagem aos modos de produção e distribuição, da semiose à economia.” (MACHADO:1997, p.213)

Transformações de ordem técnica e estética, que caminham juntas, pois, por um lado, a tecnologia viabiliza determinadas experiências estéticas e influencia novos procedimentos de produção, mas por outro, as questões estéticas impulsionam as propostas dos realizadores.

Assim, os desafios lançados pela sociedade, nos movem a buscar constantemente por possibilidades, ou seja, nos lançam diariamente em espaços movediços, incertos, fluídos, e estes são sempre os agentes desafiadores para a produção artística na contemporaneidade. Contudo, todo desafio estimula e, portanto, somos constantemente estimulados.

Diante da incerteza que permeia os processos criativos aos quais nos referimos, a nossa proposição, neste estudo, é de uma reflexão acerca de alguns pontos de intersecção, que observamos a partir de uma análise fundamentada pela crítica de processo, que segundo Cecília Almeida Salles (2006,p. 169), se ocupa dos fenômenos em sua mobilidade.

A obra se dá no estabelecimento de relações, ou seja, na rede em permanente construção(...) São obras que nos colocam de algum modo, diante da estética do inacabado; nos incitam a seu melhor conhecimento...(SALLES:2006, p.170)

Ator Co-Criador | Diretor-encenador

Iniciamos esta reflexão pelo deslocamento dos conceitos de ator e diretor, para co-criador e encenador.

Ao instaurar um processo colaborativo de criação, que se estabelece de forma complexa, em busca de uma experiência partilhada, no qual todos têm o direito e o dever de interferir, não podemos tomá-lo como um processo que contém autores, mas sim criadores. Como explica Morin (1991), a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acasos. Portanto, ao falarmos em processo colaborativo, nos referimos a um sistema de co-criação, que se constrói a partir da “pluralidade de pontos de vista e do intercâmbio de ideias” ( MORIN apud SALLES:2006).

Sendo assim, ao empregar uma prática colaborativa para o desenvolvimento da obra audiovisual, tanto atores quanto diretores assumem

“funções” diferenciadas das empregadas pelos modelos hegemônicos da práxis audiovisual.

Em processos colaborativos, enquanto o ator trabalhará no nível da presença, do desvelamento, da extrojeção e da co-criação, o que nos leva a chamá-lo de ator co-criador, o diretor-encenador, trabalhará no nível da organização; e assim como o coreógrafo ou o encenador teatral, sua tarefa consiste em encontrar uma lógica de organização para o material gerado pelos atores-criadores durante os laboratórios, sem deixar de preservar a essência deste material.

No entanto, numa proposta colaborativa de criação, o encenador continua sendo aquele que decide, a partir do projeto poético da obra, os procedimentos de criação necessários para alcançar tal proposta estética, bem como o tipo de preparação que os atores receberão. Mas, é a partir de uma experiência investigativa, marcada por um processo de imersão e improvisação, que a obra se constrói.

Como diz o diretor Peter Brook, referindo-se ao processo de criação do espetáculo A tempestade:

Cada cena foi improvisada de inúmeras maneiras (...) eu como diretor, fazia sugestões, dava-lhes novas ideias - e volta e meia tinha que criticar minhas próprias propostas e descartá-las, depois de vê-las realizadas pelos atores (...) o papel do diretor é manter controle sobre o que está sendo explorado (...) Se agir assim, esta primeira explosão de energia não será tão caótica como parece, já que produz uma enorme quantidade de material bruto a partir do qual podem se desenvolver as formas finais. ( BROOK:2005, p.93)

A partir desta perspectiva, o diretor-encenador é aquele que orquestra as proposições trazidas seja pelos atores, pelo figurinista, pelo diretor de fotografia, pelo roteirista, etc, buscando uma harmonização entre as contribuições, mas ao mesmo tempo decidindo, pontuando o que é melhor para a obra. Entretanto, a individualidade de cada criador é mantida e estimulada, pois diferentemente dos

processos coletivos, os processos colaborativos buscam pela individualidade de cada pessoa envolvida na criação.

Como todo processo falível, é necessário o estabelecimento de critérios. Segundo Salles (2006, p. 133), “Ao detectar algo como errado, o artista aciona determinados princípios que balizam essa avaliação e faz cortes, adições, substituições, deslocamentos, ou seja, qualquer tipo de modificação.

Tomando como exemplo os laboratórios, apresentados neste estudo, poderíamos apontar claramente a ação do diretor-encenador em laboratórios e set de filmagens, no entanto empregaremos como exemplo um depoimento do ator Raul Cortez28 sobre seu trabalho em Lavoura Arcaica.

Cortez diz que na fazenda, num determinado ensaio, sentados à mesa, atores e diretor puseram-se a ler partes do livro. O ator lia e relia o texto “um sermão enorme do senhor Raduan Nassar” e Luiz Fernando Carvalho não falava nada, depois de algum tempo lendo e relendo, Cortez se levantou e foi para o quarto arrumar sua mala para ir embora, pois acreditava que ele não conseguiria fazer aquele personagem.

Não disse nada a ninguém, arrumou as malas e foi beber uma água, quando retornou havia uma carta de Carvalho embaixo da porta de seu quarto.

“... Não cobre dele além do que ele pode lhe dar, ou seja, os seus primeiros passos, o que já é um belo começo, uma bela semente.(...) Nosso encontro de hoje já foi mais rico que o de ontem, e é assim, passo a passo que construímos”( trechos extraídos da carta, Nosso Diário: 2002)

“Uma carta absolutamente incrível, de um diretor para um ator, dizendo que a proposta era difícil mesmo. No dia seguinte eu fiz o ensaio.” (CORTEZ: 2002)

Este depoimento de Raul Cortez não nos surpreende se pensarmos que a práxis cinematográfica está fundamentada numa rígida organização prévia, e que quando se trata do trabalho do ator, este se dá num decorar o texto, seguir

marcações e interpretar uma personagem já pré-estabelecida por um roteiro. No entanto, em Lavoura Arcaica, ainda que grande parte dos diálogos dos atores sejam textos que compõem o romance de Raduan Nassar, ditos na íntegra, o simples decorar de um texto e a representação de uma personagem, não compunha o projeto poético do filme, estruturado em uma criação colaborativa, onde não havia mais fronteira entre personagem e ator, entre autor e obra, entre diretor e equipe, pois, visava-se um processo de retroalimentação, no qual a contribuição de cada indivíduo, imbricado neste processo, pertencia às regras do jogo.

Assim, refletir sobre o papel do diretor num processo de criação colaborativo para a produção audiovisual, nos aponta caminhos e diálogos concretos com a criação cênica contemporânea, pois este diretor assume novos posicionamentos num processo criativo, no entanto, continua com a visão macro da unidade estética da obra. Uma unidade que se desenvolve a partir dos corpos em cena, do jogo entre ator, diretor e equipe, tornando-se não apenas imagem, mas também algo incorporado.

Esta incorporação, no sentido de embodied, contribui para que muitas vezes, sequer um roteiro seja escrito, pois este já pertence a atores, diretores e equipe, como acontece nos laboratórios do diretor inglês Mike Leigh.

Partituras de encenação

Em seu livro “Práxis do Cinema” (2008) Noel Burch pontua como elemento desta práxis, ao realizar uma articulação entre o espaço-tempo, a “decupagem técnica”.

No dia-a-dia da produção, a decupagem é um instrumento de trabalho. É o último estágio do roteiro, aquele que contém todas as indicações técnicas que um diretor julga necessário registrar no papel, e que permite a seus colaboradores acompanharem o trabalho no plano técnico, preparando, em função dele, a sua própria participação (...) decupagem, consiste em decupar,

de modo mais ou menos preciso, antes da filmagem, uma ação (narrativa) em planos ( e em sequências) ( BURCH: 2008, p.23)

No entanto, como pensarmos numa decupagem técnica, para a concepção de uma encenação, como procedimento organizacional numa pratica de criação que se constrói como um work in process ?

É certo que a decupagem não existe mais no seu modus operandis tradicional, entretanto, não podemos afirmar que esta decupagem simplesmente desapareça enquanto procedimento de articulação tempo-espaço. Pontuamos um deslocamento no seu processo de realização, ao trazer para esta discussão a noção de partituras do diretor.

Conforme abordamos na segunda parte desta pesquisa, durante os laboratórios de criação, as partituras físicas dos atores surgem pouco a pouco, assim como as partituras das cenas são aos poucos rascunhadas durante as improvisações.

Se o ator constrói sua partitura a partir de um trabalho físico intenso, propondo uma dramaturgia do corpo, o diretor por sua vez desenvolve uma “partitura da encenação”. Num processo de emergência da cena, este diretor- encenador trabalhará no nível do sensível, da presença. Ou seja, neste jogo da experimentação investigativa, ele é mais um elemento do jogo; é afetado e afeta, diante das proposições emergentes.

Caminhando neste campo de possibilidades, o conceito de decupagem desloca-se para o de partitura. Pois, a partitura está sempre pronta para lidar com o aqui e agora da ação, com o jogo entre câmera e ator, com as proposições espaciais que surgem deste jogo, com o acaso que permeia toda concepção pautada na incerteza e na desordem. Uma partitura que será revisitada e reordenada a partir das interferências do dia-a-dia das filmagens, seguindo atéa montagem.

Diante disso, não podemos dizer que em processos colaborativos procedimentos de articulação tempo-espaço, como a decupagem, não sejam

realizados pelos diretores, mas este certamente será um procedimento aberto, um rascunho que pode ser modificado e incitado a todo momento. Pois, este não é um procedimento que propõe o espaço-tempo, mas emerge do espaço-tempo da ação, ou seja, de uma cena criada em cena.

Assim como as partituras físicas do ator constituem-se como a base da atuação, as partituras do diretor são a base da encenação. No entanto, como uma estrutura reavidada no aqui e agora da ação, estas partituras são como apontado por Grotówski, “o leito de um rio” (apud JIMENEZ), ou seja, são formas fluidas e estão sempre abertas à imprevisibilidade e à emergência de novas possibilidades.

Somada a esta emergência de novas possibilidades no aqui e agora da ação, é importante ressaltarmos o jogo estabelecido entre ator e câmera no ato das filmagens. Pois, construindo esta rede permeada pela incerteza, ao propor o jogo entre câmera e ator, reavivando as partituras de encenação, muitas são as mudanças e nenhuma é a certeza dos enquadramentos desejados.

Em alguns momentos, alguns diretores optam por estimular esse jogo no ato das filmagens, mas em outros processos, ou ainda que num mesmo, para ter algum controle sobre as imagens captadas, lançam mão de outros procedimentos. Como exemplo, citaremos três processos de criação do diretor Luiz Fernando Carvalho.

Em Lavoura Arcaica, Carvalho e o diretor de fotografia Walter Carvalho, propõem uma fotografia com enquadramentos precisos, compostos quase como pinturas renascentistas, e para isso o diretor estimula a improvisação do ator, num espaço cênico já estabelecido por uma iluminação bem definida, esquadrinhada, trazendo a câmera quando o ator já está no “ponto da ação”, conforme explicitado pelo diretor em entrevista.

Já em Pedra do Reino, a composição fotográfica está em último plano, pois, o que interessava ao diretor na criação da minissérie era o jogo estabelecido entre ator e câmera no ato da filmagem, propondo condições adversas para este jogo. Nesta proposta, Carvalho tinha como um dos princípios direcionadores da criação o rompimento com a técnica cinematográfica,

incorporando á obra a imagem resultante deste jogo, estando aberto á desfoques, rastros de imagem em busca do ator e enquadramentos sem nenhuma precisão.

Episódio II - Pedra do Reino (2007) sequência Cárcere de Taperoá

Episódio III - Pedra do Reino (2007)

sequência Casa de quaderna - Moça Caetana

Entretanto, em Capitu, Carvalho propõe mais uma vez o enquadramento preciso, ações coreografadas, mas sempre abertas ao imprevisível, já que o diretor não muda seu procedimento de construção da encenação, partindo

sempre de partituras desenvolvidas nos laboratório de criação que são retomadas e reavivadas no momento das filmagens.

Em Capitu, me interessou trabalhar muito com o corpo, mais no plano da dança, mesmo, me aproximando um pouco do que a gente comumente chama de teatro-dança. Então, eu chamei a Denise Stutz, o que me ajudou muito. Toda a movimentação do Escobar, aquilo tudo é um vocabulário criado na sala de ensaio, em que o ator no momento de rodar as cenas, ele tem aquele vocabulário a disposição dele, então ele pode jogar como ele quiser aquele vocabulário, começar com A e pular pro z, ir do C, ele tem um vocabulário riquíssimo. Na hora de rodar ele inventa, ele improvisa em cima daquele vocabulário ( CARVALHO, 2009)

Capitu (2008)

Sequência Infância Capitu e Bentinho

Capitu (2008)

O jogo entre ator e câmera, que como vimos está também presente em Contra Todos de Roberto Moreira, lança outra questão fundamental para refletirmos sobre o trabalho com partituras de encenação.

Em seu making of, Contra Todos, apresenta como as partituras dos atores e da encenação surgiram em sala de ensaio. “Justapondo” as improvisações dos atores e as cenas filmadas, Moreira nos apresenta a articulação entre as partituras rascunhadas e as resultantes do momento da filmagem, selecionadas na montagem, que compõem o filme.

Como diz Moreira “da preparação para o filme baixamos muito a intensidade dos atores” ( MOREIRA, 2009), no entanto, as partituras físicas e as partituras de encenação lá estão, nas células geradoras e no corpo resultante.

Contra Todos (2004)

Transposição das salas de ensaio (imagens a esquerda) para o filme (imagens a direita)

Contra Todos (2004)

Sequência Cláudia e Amante - Ensaios (imagens a esquerda) - Filme (imagens a esquerda)

Sequência Cláudia e Waldomiro Contra Todos

Sequência Cláudia e Waldomiro Ensaios

A transposição das improvisações desenvolvidas nos laboratórios para o momento das filmagens, nos faz retomar as partituras físicas do ator como procedimento para lidar com a continuidade da ação.

Como vimos, no trabalho desenvolvido pelo preparador Sérgio Penna, este criou um procedimento que denomina gráfico das emoções, como uma forma de traçar o percurso da ação e emoção, desenvolvida pelo ator para cada cena. Um procedimento que é usado tanto pelos atores, quanto pelos diretores. No entanto, enquanto este procedimento torna-se algo externo, ao ser cunhado em um papel, ele é proveniente das partituras físicas desenvolvidas pelos atores durante o laboratório.

O gráfico das emoções, desenvolvido por Penna com os atores e diretores, auxilia o ator, no sentido de apontar uma visão ampla de toda a estrutura do filme, ou seja, todo o percurso a ser percorrido, cena a cena. Assim, no momento da filmagem, ator e direção podem se orientar, para saber onde a cena a ser filmada naquele momento localiza-se na estrutura do filme, e qual cena vem antes e depois, e com elas as ações e emoções da personagem.

Contudo, o procedimento empregado para o despertar do ator para determinada ação, é a partitura física, desenvolvida no laboratório de criação. É esta que o ator retoma para reavivar os impulsos internos, disponibilizando-se para o estar em cena, o que como já vimos, gera a impressão de espontaneidade, almejada por grande parte dos diretores.

Esta partitura auxilia ainda o ator a lidar com a fragmentação durante as filmagens, pois, como num “aquecimento” os atores retomam suas partituras para se lançarem às improvisações.

A fluidez das etapas de produção

Como complexos sistemas adaptativos que buscam por comportamentos emergentes, há na criação laboratorial uma diluição das fronteiras entre as etapas de produção (pré-produção, produção e pós-produção). E, ainda que possamos apontar procedimentos pertencentes a cada etapa, estas se tornam fluidas, pois, é no espaço-tempo dos laboratórios que toda as providências de produção necessárias são apontadas, discutidas e negociadas.

No entanto, essas negociações e apontamentos percorrem todo o processo criativo estendendo-se da preparação à pós-produção. Com isso, os modos de produção laboratoriais lançam mão de procedimentos abertos à fluidez da criação. Procedimentos, que visam lidar com a inclusão de necessidades que surgem diariamente diante da reestruturação, ou até mesmo o surgimento de novas cenas, e com elas algumas readequações.

Além da inserção desses procedimentos abertos, os processos de criação laboratoriais, contam ainda com a necessidade da cumplicidade, da imersão e da presença de toda a equipe, durante este grande jogo que é uma criação pautada numa experiência investigativa.

Lançando-se neste campo da instabilidade e munidos de procedimentos abertos, toda a equipe - do roteirista ao montador- contribuem para o desenvolvimento e estruturação desta obra construída em fluxo.

Esta instabilidade é o que nos move a apontar, estas obras, como resultantes de processos criativos pautados na “desordem” (MORIN). Diante de tamanha incerteza, a abertura as possibilidades advindas do processo, faz com que estes tornem-se orgânicos, fluidos. Entretanto, com uma organização singular, que se ajusta às necessidades que emergem do próprio processo. Mas, é sempre importante ressaltar, que são processos guiados por um projeto poético e, portanto, possuem princípios direcionadores que auxiliam nas tomadas de decisões.

Assim, os laboratórios de criação, no sentido de espaço físico, tornam-se, na maioria das vezes, o espaço da produção e mesmo da pós-produção. Neste “lugar”, que pode ser um barracão, um estúdio ou uma cidade, ainda enquanto a obra emerge, como fruto das improvisações dos atores, da relação destes com este espaço-tempo, é já registrada pela lente de uma câmera, selecionadas e editadas, como ocorreu em Pedra do Reino. Com isso surge um processo de retroalimentação, no qual o resultado é analisado e torna-se feedback para o sistema. Deste modo, a edição do material não é mais uma etapa final, mas mais elemento deste sistema dinâmico.

Neste espaço de retroalimentação não existem fronteiras, não existem etapas, existe um organismo vivo, pulsante, que se reconstrói a todo momento e que requer, assim como ele, uma produção que se organiza a partir da ação. Quando a criação sai do espaço do laboratório para a locação, ou seja, esses são lugares diferentes, apenas o lugar é que muda, a fluidez do processo acompanha, pois, esta é inerente ao processo em si.

Mais uma vez não falamos aqui em rupturas, pois esperamos ao expor um processo de produção como fluxo, que este seja entendido diante de suas singularidades e, embora tenhamos proposto a fluidez das fronteiras que delimitam os processos de produção audiovisual tradicionais, não opomos os procedimentos de produção destes aos modelos laboratoriais, mas sim propomos um deslocamento, uma readequação destes procedimentos diante das singularidades emergentes de cada processo.

Para compreendermos este fluxo dispomos abaixo mais um trecho da carta29 do roteirista do filme Céu de Suely, Felipe Bragança à sua esposa Marina.

Nesta, ele explicita sua relação pessoal com o espaço-tempo do laboratório no qual estava inserido e que estão presentes na obra.

Nesta carta o roteirista ao expor suas angustias e inquietações diante daquele lugar não-lugar, aponta para a ética de produção proposta pelo diretor Karim Ainouz.

Para a produção de Céu de Suely, o diretor propôs à equipe sempre trabalhar com a incerteza, para que tudo os surpreendesse. Como “encontrar uma emoção exata de uma composição apaixonada, ás cegas,

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