SUMÁRIO DO CAPÍTULO 6:
6.4 DESEMPENHO DOS SCORES CLÍNICOS NA IDENTIFICAÇÃO DE PRESENÇA E GRAVIDADE DA DOENÇA CORONÁRIA DOCUMENTADA POR ANGIO TC CARDÍACA
Um dos objectivos da tese foi avaliar o desempenho dos scores clínicos na identificação da presença e da gravidade da DC (obstrutiva e não obstrutiva) documentada por angio TC cardíaca.
Para esta análise, foi feita a distribuição da população previamente descrita (capitulo 1) pelos diferentes scores clínicos: HeartScore, Morise e Diamond-‐Forrester.
Foi possível documentar um razoável desempenho dos scores clínicos, mas uma importante percentagem dos doentes estudados considerados de baixa probabilidade de DC ou de baixo risco CV apresentavam doença, com predomínio de DC não obstrutiva. Por outro lado, um subgrupo de doentes considerados pelos scores clínicos como de elevada probabilidade e/ou risco CV, não tinha qualquer placa identificável na sua árvore coronária (Figuras 5, 6 e 7 e tabela 1).
Na Figuras 5 é apresentada a distribuição da presença e gravidade de DC de acordo com o risco CV classificado pelo HeartScore. A percentagem de doentes com DC (obstrutiva e não obstrutiva) foi significativamente mais alta na população de elevado risco CV (HeartScore ≥5%). No entanto, em quase metade (48,7%) da população considerada como de baixo risco CV, foram documentadas placas na árvore coronária e em 8,5% dos casos a doença era obstrutiva.
Foi interessante verificar que o HeartScore, ferramenta útil para estimar o risco CV, foi também um bom preditor da presença de DC, tendo inclusive sido o score com melhor desempenho a este nível. Na nossa população, os doentes com um HeartScore ≥5 tinham uma probabilidade cerca de 4 vezes superior de ter DC (qualquer placa na arvore coronária) e quase 3 vezes superior de ter DC obstrutiva (Tabela 1).
Nas Figuras 6 e 7 está representada a análise da distribuição da população em função da presença e gravidade da DC nos vários patamares de probabilidade pré-‐teste de DC, estimada pelo score de Diamond-‐Forrester e de Morise respectivamente. À semelhança da distribuição encontrada para o score de risco CV, apesar da percentagem de DC (quer obstrutiva quer não obstrutiva) acompanhar o aumento da probabilidade de DC, uma percentagem significativa dos doentes com baixa probabilidade (45,2% com o Diamond-‐ Forrester e 25% com o Morise) tinham placas ateroscleróticas na árvore coronária.
Os scores de probabilidade pré-‐teste de DC estão muito na dependência da presença de sintomas. Estes, sobretudo no caso da angina típica, dão um contributo muito importante para a probabilidade de DC, uma vez que estes scores foram desenvolvidos para prever a presença de DC obstrutiva identificada na coronariografia invasiva. Isto é sobretudo verdade para o score de Diamond-‐Forrester, uma vez que para além dos sintomas entra apenas em linha de conta com a idade e o sexo. No caso do score de Morise, para além dos sintomas, sexo e idade, estão incluídos os habituais factores de risco CV, sendo inclusive dado um valor ponderal superior à diabetes em relação aos restantes factores de risco. Esta maior robustez do score faria prever um melhor desempenho em relação ao score de Diamond-‐Forrester, mas na nossa análise o desempenho para prever a presença de DC, quer obstrutiva quer não obstrutiva foi muito semelhante para estes dois scores. Isto pode ter sido o resultado de nesta análise se ter usado a nova calibração do Diamond-‐Forrester (CAD consortium), que foi validada recentemente com bases de dados contemporâneas, tendo-‐se percebido que o score original sobrestimava a probabilidade, sobretudo nas mulheres (13).
FIGURA 5: Desempenho do HeartScore na identificação da presença e gravidade da doença coronária
FIGURA 6: Desempenho do score de Diamond-‐Forrester (calibração CAD consortium) na identificação da presença e gravidade da doença coronária.
FIGURA 7: Desempenho do score de Morise na identificação da presença e gravidade da doença coronária.
TABELA 1: Análise multivariável dos scores clínicos como preditores independentes da presença e gravidade da doença coronária.
Presença de doença coronária (qualquer placa)
OR (IC 95%) p HeartScore≥5 3,896 2,189-‐6,935 <0,001 DF-‐CAD consortium ≥30% 2,623 1,697-‐4,052 <0,001 Morise ≥16 2,549 1,568-‐4,144 <0,001
Doença coronária obstrutiva (estenose ≥50%)
OR (95% CI) p HeartScore≥5 2,709 1,503-‐4,880 0,001 DF-‐CAD consortium ≥30% 1,884 1,036-‐3,424 0,038 Morise ≥16 1,838 1,057-‐3,197 0,031
6.5 OBESIDADE E DOENÇA CORONÁRIA – IMPLICAÇÕES PARA OS SCORES
Nos últimos anos tem-‐se assistido a um aumento da prevalência da obesidade, sendo considerado um importante factor de risco CV, sobretudo pela sua associação com a síndrome metabólica e o desenvolvimento de diabetes tipo 2 (17, 18).
No entanto, a sua associação com a DC tem sido controversa, tendo sido descrito por alguns autores um paradoxo, com menor carga aterosclerótica e prevalência mais baixa de uma anatomia coronária de elevado risco nos doentes obesos, quando corrigido para os restantes factores de risco (19-‐21).
Um dos scores de probabilidade pré-‐teste usados, o score de Morise, incluí a obesidade (com o limiar discriminativo >27 kg/m2) como um dos factores que aumenta a probabilidade de DC, com o mesmo valor que os restantes factores de risco (tabagismo, hipertensão arterial, dislipidémia) à excepção da diabetes ao qual é atribuído um valor ponderal superior (15). Na nossa análise o score de Morise, apesar de incluir estas variáveis adicionais, não demonstrou ter uma acuidade diagnóstica superior ao score de Diamond-‐Forrester, podendo em certa medida ter sido influenciado também pelo paradoxo da obesidade.
A avaliação detalhada da carga aterosclerótica coronária possível com a angio TC cardíaca, com identificação não só de DC obstrutiva mas também de placas não obstrutivas, poderá contribuir para esclarecer melhor este paradoxo.
Com o objectivo de esclarecer a relação entre o índice de massa corporal e a presença e extensão da DC, fizemos uma análise envolvendo um elevado número de doentes (n=1706), estáveis e sem antecedentes de DC conhecida, referenciados para avaliação de eventual DC por angio TC (22). Neste trabalho, foi possível identificar que a obesidade (BMI ≥30Kg/m2; presente em 21,9% dos doentes) na análise multivariável, era um preditor independente da presença de DC (qualquer placa na arvore coronária), embora com um OR muito modesto. No entanto, o IMC não foi significativamente diferente quando comparados os doentes com ou sem DC obstrutiva (IMC médio 27.7 vs 27.2 kg/m2) e na distribuição dos doentes com DC obstrutiva pela diferentes classes de IMC não houve diferenças estatisticamente significativas.
Por outro lado, na avaliação detalhada da carga aterosclerótica, a percentagem de doentes com pelo menos 5 segmentos da arvore coronária com placa (SIS >5) também não foi diferentes entre os grupos de doentes com peso normal, excesso de peso e obesidade . Assim, na nossa população de doentes estáveis, sem antecedentes de DC conhecida, a obesidade não foi um preditor da gravidade da DC, avaliada quer pela prevalência de DC obstrutiva, quer pelo número de segmentos da árvore coronária com placas, marcadores da carga aterosclerótica com reconhecido impacto prognóstico.
5.6 BIBLIOGRAFIA
1. Wilson PW, D'Agostino RB, Levy D, Belanger AM, Silbershatz H, Kannel WB. Prediction of coronary heart disease using risk factor categories. Circulation. 1998 May 12;97(18):1837-‐47. 2. Expert Panel on Detection E, Treatment of High Blood Cholesterol in A. Executive Summary of The Third Report of The National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, And Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA. 2001 May 16;285(19):2486-‐97.
3. Pearson TA, Blair SN, Daniels SR, Eckel RH, Fair JM, Fortmann SP, et al. AHA Guidelines for Primary Prevention of Cardiovascular Disease and Stroke: 2002 Update: Consensus Panel Guide to Comprehensive Risk Reduction for Adult Patients Without Coronary or Other Atherosclerotic Vascular Diseases. American Heart Association Science Advisory and Coordinating Committee. Circulation. 2002 Jul 16;106(3):388-‐91.
4. Greenland P, Alpert JS, Beller GA, Benjamin EJ, Budoff MJ, Fayad ZA, et al. 2010 ACCF/AHA guideline for assessment of cardiovascular risk in asymptomatic adults: executive summary: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2010 Dec 21;122(25):2748-‐64. 5. Taylor AJ, Cerqueira M, Hodgson JM, Mark D, Min J, O'Gara P, et al. ACCF/SCCT/ACR/AHA/ASE/ASNC/NASCI/SCAI/SCMR 2010 appropriate use criteria for cardiac computed tomography. A report of the American College of Cardiology Foundation Appropriate Use Criteria Task Force, the Society of Cardiovascular Computed Tomography, the American College of Radiology, the American Heart Association, the American Society of Echocardiography, the American Society of Nuclear Cardiology, the North American Society for Cardiovascular Imaging, the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Coll Cardiol. 2010 Nov 23;56(22):1864-‐94.
6. De Backer G, Ambrosioni E, Borch-‐Johnsen K, Brotons C, Cifkova R, Dallongeville J, et al. European guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. Third Joint Task Force of European and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice. Eur Heart J. 2003 Sep;24(17):1601-‐10.
7. Perk J, De Backer G, Gohlke H, Graham I, Reiner Z, Verschuren M, et al. European Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice (version 2012). The Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice (constituted by representatives of nine societies and by invited experts). Developed with the special contribution of the European Association for Cardiovascular Prevention & Rehabilitation (EACPR). Eur Heart J. 2012 Jul;33(13):1635-‐701. 8. Braunwald E. Epilogue: what do clinicians expect from imagers? J Am Coll Cardiol. 2006 Apr 18;47(8 Suppl):C101-‐3.
9. Diamond GA, Forrester JS. Analysis of probability as an aid in the clinical diagnosis of coronary-‐artery disease. N Engl J Med. 1979 Jun 14;300(24):1350-‐8.
10. Gibbons RJ, Balady GJ, Bricker JT, Chaitman BR, Fletcher GF, Froelicher VF, et al. ACC/AHA 2002 guideline update for exercise testing: summary article: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1997 Exercise Testing Guidelines). Circulation. 2002 Oct 1;106(14):1883-‐92. 11. Hendel RC, Patel MR, Kramer CM, Poon M, Carr JC, Gerstad NA, et al. ACCF/ACR/SCCT/SCMR/ASNC/NASCI/SCAI/SIR 2006 appropriateness criteria for cardiac computed tomography and cardiac magnetic resonance imaging: a report of the American College of Cardiology Foundation Quality Strategic Directions Committee Appropriateness Criteria Working Group, American College of Radiology, Society of Cardiovascular Computed Tomography, Society for Cardiovascular Magnetic Resonance, American Society of Nuclear Cardiology, North American Society for Cardiac Imaging, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and Society of Interventional Radiology. J Am Coll Cardiol. 2006 Oct 3;48(7):1475-‐97.
12. de Araujo Goncalves P, Ferreira J, Aguiar C, Seabra-‐Gomes R. TIMI, PURSUIT, and GRACE risk scores: sustained prognostic value and interaction with revascularization in NSTE-‐ACS. Eur Heart J. 2005 May;26(9):865-‐72.
13. Genders TS, Steyerberg EW, Alkadhi H, Leschka S, Desbiolles L, Nieman K, et al. A clinical prediction rule for the diagnosis of coronary artery disease: validation, updating, and extension. Eur Heart J. 2011 Jun;32(11):1316-‐30.
14. CAD consortium online calculator.
http://rccsimpalcom/RCEvalcgi?Owner=tgenders&RCName=CAD%20consortium.
15. Morise AP, Haddad WJ, Beckner D. Development and validation of a clinical score to estimate the probability of coronary artery disease in men and women presenting with suspected coronary disease. Am J Med. 1997 Apr;102(4):350-‐6.
16. Morise AP, Jalisi F. Evaluation of pretest and exercise test scores to assess all-‐cause mortality in unselected patients presenting for exercise testing with symptoms of suspected coronary artery disease. J Am Coll Cardiol. 2003 Sep 3;42(5):842-‐50.
17. Haslam DW, James WP. Obesity. Lancet. 2005 Oct 1;366(9492):1197-‐209.
18. Berrington de Gonzalez A, Hartge P, Cerhan JR, Flint AJ, Hannan L, MacInnis RJ, et al. Body-‐mass index and mortality among 1.46 million white adults. N Engl J Med. 2010 Dec 2;363(23):2211-‐9.
19. Rubinshtein R, Halon DA, Jaffe R, Shahla J, Lewis BS. Relation between obesity and severity of coronary artery disease in patients undergoing coronary angiography. Am J Cardiol. 2006 May 1;97(9):1277-‐80.
20. Niraj A, Pradhan J, Fakhry H, Veeranna V, Afonso L. Severity of coronary artery disease in obese patients undergoing coronary angiography: "obesity paradox" revisited. Clin Cardiol. 2007 Aug;30(8):391-‐6.
21. Hastie CE, Padmanabhan S, Slack R, Pell AC, Oldroyd KG, Flapan AD, et al. Obesity paradox in a cohort of 4880 consecutive patients undergoing percutaneous coronary intervention. Eur Heart J. 2010 Jan;31(2):222-‐6.
22. Dores H, de Araújo Gonçalves P, Carvalho M, Jerónimo Sousa P, Ferreira A, Cardim N, et al. Body mass index as a predictor of the presence but not the severity of coronary artery disease evaluated by cardiac computed tomography. Eur J Prev Cardiol. 2013.
6.7 ARTIGO 15
XML Template (2013) [5.6.2013–2:38pm] [1–8] //blrnas3/cenpro/ApplicationFiles/Journals/SAGE/3B2/CPRJ/Vol00000/130237/APPFile/SG-CPRJ130237.3d (CPR) [PREPRINTER stage]
E U R O P E A N SO CI ETY O F CARDIOLOGY® Original Scientific Paper