• Nenhum resultado encontrado

1 JUSTIÇA E PREVIDÊNCIA SOCIAL

1.3 PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, LEGALIDADE, E CONFLITOS

1.3.8 Desemprego e perda da qualidade de segurado

Considerando-se o caráter contributivo da Previdência Social, a condição de segurado ou dependente de segurado constitui requisito para o direito aos benefícios legalmente previstos. Uma vez perdida a qualidade de segurado, pela cessação das contribuições vertidas ao sistema, a consequência natural é a perda

53“Art.64. A aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado

empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

da proteção social outrora garantida, com as exceções previstas no artigo 3º da Lei 10.666/03.54

De acordo com o artigo 15 da Lei 8.213/91,55 o segurado (exceto o facultativo) ainda mantém essa qualidade por 12 meses após a interrupção das contribuições (período de graça), podendo esse período ser prorrogado por mais 12 meses na hipótese de desemprego, desde que a situação seja comprovada com registro no órgão próprio do Ministério de Trabalho e Emprego. Trata-se, como se pode observar, de uma exceção à regra geral.

A exigência do aludido registro – condição expressamente imposta pela lei – é um indicativo de que se faz necessário o conhecimento formal do poder público acerca das situações de desemprego, o que pode auxiliar no desenvolvimento e no dimensionamento de políticas de incentivo à criação de postos de trabalho e qualificação profissional, desestimulando a informalidade.56 O alongamento excepcional do período de graça teria relação, portanto, com a contribuição que os cidadãos podem dar para o aperfeiçoamento de políticas públicas ligadas ao trabalho.

Apesar da literalidade da regra, o INSS tem aceitado outras formas de cumprimento da condição estabelecida pelo legislador (registro específico no órgão governamental competente), tais como o recebimento de seguro-desemprego ou o cadastro no Sistema Nacional de Emprego (art. 137 da Instrução Normativa

54 “Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das

aposentadorias por tempo de contribuição e especial. § 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”.

55 “Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: [...] II - até 12

(doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; [...] § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”.

56 Art, 13 da Lei 8.019/90: “Art. 13. A operacionalização do Programa Seguro Desemprego, no que diz

respeito às atividades de pré-triagem e habilitação de requerentes, auxílio aos requerentes e segurados na busca de novo emprego, bem assim às ações voltadas para reciclagem profissional, será executada prioritariamente em articulação com os Estados e Municípios, através do Sistema Nacional de Emprego (Sine), nos termos da lei”.

INSS/PRES 77/15).57 No âmbito judicial, contudo, foi adotado entendimento mais flexível, inclusive com prova do desemprego através da mera apresentação da Carteira de Trabalho sem registro de vínculos após a cessação das contribuições (SAVARIS, 2012, p. 215).

Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça solucionou as divergências existentes sobre a questão, estabelecendo que o registro previsto na lei pode ser substituído por qualquer tipo de prova, inclusive a testemunhal, que demonstre o desemprego do segurado. A mera apresentação da Carteira de Trabalho, de acordo com aquela Corte, não faz prova do desemprego, haja vista a possibilidade de desempenho de trabalho informal.58

57“Art. 137. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuição: [...] II - até doze

meses após a cessação de benefícios por incapacidade, salário maternidade ou após a cessação das contribuições, para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração, observado que o salário maternidade deve ser considerado como período de contribuição; [...] § 4º O segurado desempregado do RGPS terá o prazo do inciso II do caput ou do § 1º deste artigo acrescido de doze meses, desde que comprovada esta situação por registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, podendo comprovar tal condição, dentre outras formas: I - comprovação do recebimento do seguro-desemprego; ou II - inscrição cadastral no Sistema Nacional de Emprego - SINE, órgão responsável pela política de emprego nos Estados da federação”.

58 “PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL.

MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 15 DA LEI 8.213/91. CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO. DISPENSA DO REGISTRO PERANTE O MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL QUANDO FOR COMPROVADA A SITUAÇÃO DE DESEMPREGO POR OUTRAS PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. O REGISTRO NA CTPS DA DATA DA SAÍDA DO REQUERIDO NO EMPREGO E A AUSÊNCIA DE REGISTROS POSTERIORES NÃO SÃO SUFICIENTES PARA COMPROVAR A CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DO INSS PROVIDO. 1. O art. 15 da Lei 8.213/91 elenca as hipóteses em que há a prorrogação da qualidade de segurado, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. 2. No que diz respeito à hipótese sob análise, em que o requerido alega ter deixado de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, incide a disposição do inciso II e dos §§ 1o. e 2o. do citado art. 15 de que é mantida a qualidade de segurado nos 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, podendo ser prorrogado por mais 12 (doze) meses se comprovada a situação por meio de registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. 3. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, esse dispositivo deve ser interpretado de forma a proteger não o registro da situação de desemprego, mas o segurado desempregado que, por esse motivo, encontra-se impossibilitado de contribuir para a Previdência Social. 4. Dessa forma, esse registro não deve ser tido como o único meio de prova da condição de desempregado do segurado, especialmente considerando que, em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, o registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprido quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal. 5. No presente caso, o Tribunal a quo considerou mantida a condição de segurado do requerido em face da situação de desemprego apenas com base no registro na CTPS da data de sua saída no emprego, bem como na ausência de registros posteriores. 6. A ausência de anotação laboral na CTPS do requerido não é suficiente para comprovar a sua situação de desemprego, já que não afasta a possibilidade do exercício de atividade remunerada na informalidade. 7. Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da sua condição de desempregado, merece reforma o acórdão recorrido que afastou a perda da qualidade de segurado e julgou procedente o pedido; sem prejuízo, contudo, da promoção de outra ação em que se enseje a produção de prova adequada. 8. Incidente de

Do voto do relator no incidente de uniformização acima referido, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, extrai-se o seguinte excerto:

4. No que diz respeito à hipótese sob análise, em que o requerido havia deixado de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social, incide a disposição do citado artigo de que é mantida a qualidade de segurado nos 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, podendo ser prorrogado por mais 12 (doze) meses se comprovada a situação por meio de registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

5. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, entendo que esse dispositivo deve ser interpretado de forma a proteger não o registro da situação de desemprego, mas o segurado desempregado que, por esse motivo, encontra-se impossibilitado de contribuir para a Previdência Social. Dessa forma, não pode o segurado ficar excluído da cobertura previdenciária apenas pela ausência de registro perante o órgão competente.

6. Na verdade, essa exigência legal não se dirige ao Juiz, mas às autoridades administrativas previdenciárias que não podem, realmente, prorrogar o período de manutenção da qualidade do segurado sem o citado registro.

7. Por sua vez, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual esse registro não deve ser tido como único meio de prova da condição de desempregado do segurado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

8. Assim, de se concluir que o registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprido quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal.

Como se pode observar, não foi considerada indevida, inconstitucional ou inútil a exigência legal (registro no órgão competente). Também não foi considerada ilegal a atuação da Administração que condiciona a prorrogação do período de graça ao cumprimento de tal exigência. O que se verifica é a possibilidade de – em juízo – ser aumentado o tempo de manutenção da qualidade de segurado sem contribuições, descumprindo-se o que exatamente dispõe a lei.

O Poder Judiciário, então, não se limita a controlar a legalidade dos atos administrativos, mas também atua num plano paralelo de juridicidade, apenas possível para quem litiga em juízo. Além disso, parece que a finalidade da lei – ao menos a finalidade aqui vislumbrada, relacionada com política de geração de empregos – perde muito do seu sentido com a demonstração de desemprego

Uniformização do INSS provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada”. (STJ, Pet 7.115/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 10/03/2010).

independentemente da informação ao poder público (inclusive através de prova testemunhal que, como já se disse, dificulta a contraprova).

Cumpre destacar que a lei já protege, por 12 meses e sem nenhuma condição, o segurado que deixa de contribuir, havendo necessidade do registro no órgão competente apenas para a prorrogação excepcional desse prazo. A interpretação realizada pela Administração não seria, portanto, demasiadamente gravosa ao segurado, até porque o registro questionado (ou o cadastramento no Sistema Nacional de Emprego, por exemplo) pode ser feito sem maiores dificuldades.

De todo modo, o que se verifica, no exemplo ora analisado, é a dispensa do segurado de cumprir um dever legal (apenas no âmbito judicial), sem prejuízo do recebimento dos benefícios que seriam decorrentes da observância desse dever. O Poder Judiciário se torna uma instância de concessão de benefícios que o INSS não está autorizado a conceder.