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1 CAPITULO

1.2 VARIÁVEIS DA IMPLEMENTAÇÃO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA

1.2.2 Desenho Institucional

Na medida que se pretende discorrer sobre a variável desenho institucional, quem melhor contribui para esta discussão é Lüchmann (2002) ao sugerir que o aparato institucional dos complexos administrativos chama a atenção por organizar-se pautado em regras e critérios que permitam abrir os canais que limitam a efetivação das decisões nos processos participativos (p. 46). Como exemplo desses canais que obstruem a participação, cita: as diferenças de poder, desigualdades sociais, cultura clientelista e autoritária e a lógica burocrática de organização política institucional.

Lüchmann (2002) define o desenho institucional como resultante das articulações Estado e Sociedade, e que se configura como “o conjunto de regras, critérios, espaços, normas, leis, que visam fazer valer e promover a realização prática dos princípios democrático- participativos” (p. 143). Para a autora, através dessas regras e princípios é que se pode criar mais

ou menos oportunidade de participação da população, conforme a determinação do processo institucional de programas ou administrações. Os critérios também vão dar a legitimidade ou não na solução das demandas que surgirão a partir da população.

Concorda-se com Lüchmann (2002) quando esta afirma que os elementos do desenho institucional (regras, critérios, normas, espaços, leis) são fundamentais para a operacionalização de modelos de OPs. Desse modo, observa-se a partir de sua análise sobre o OP de Porto Alegre, que há um conjunto de regras, no qual constata-se alguns elementos que a autora chama atenção na verificação de desenhos institucionais.

Inicialmente a autora apresenta o elemento participação da população. Este se refere ao público participante do OP, bem como indicadores de ampliação dos participantes como, por exemplo, a introdução de plenárias temáticas, espaço este que pode ampliar o conjunto de atores e entidades nas discussões dos problemas, necessidades e prioridades da cidade, incorporando temas como saúde, educação, cultura, desenvolvimento econômico e assistência social. A plenária temática procura articular outras organizações e entidades ao OP, como sindicatos, grupos culturais e ONGs (LÜCHMANN, 2002).

Outra questão que deve ser observada é a participação individual no OP, que não reduz a participação à vinculação com alguma entidade. Para a autora, isto permite o questionamento de representações comunitárias tradicionais, motivando ainda o surgimento de novas lideranças e associações. A autora explica que, embora quem mais participe do OP em Porto Alegre sejam as associações de moradores e os atores governamentais, o conjunto de regras que vem sendo construído coletivamente, “na medida em que abre a participação para todos, incentiva a renovação das lideranças, amplia os fóruns e temas de discussão e investe na organização comunitária, configurando-se em importante fator de ampliação e pluralização do OP” (LÜCHMANN, 2002, p. 146).

A redução da participação no OP por vinculação à entidades pode, além de limitar os atores, limitar também os temas e interesses públicos, reproduzindo apenas a lógica dos que são organizados (LÜCHMANN, 2002). A autora chama a atenção nesse caso, para a experiência de Florianópolis, estudada por Collaço (1998) que, a partir de 1994, instaurou no programa do OP a eleição indireta para o Conselho Municipal do Orçamento Participativo e a inclusão de representação no OP via entidades organizadas, que acabaram tornando-se “mecanismos redutores do processo participativo (...) burocratizando o OP através da introdução de relações hierarquizadas” (LÜCHMANN, 2002, p. 148).

Outro fator importante do desenho institucional que se observa no elemento participação da população, refere-se à escolha dos conselheiros e delegados do OP. Ou seja, dependendo dos regulamentos do regimento interno do OP, este pode constituir-se em “um conjunto de normas que pretende limitar o acúmulo de mandatos, o uso político eleitoral da representação e a manutenção ou conservação de mandatos por um longo período de tempo, estimulando a renovação e o controle popular sobre a atuação representativa” (2002, p. 151).

Para compreender melhor este fator, a contribuição de Wampler (2003) é significativa na medida em que o autor coloca que quando há uma mobilização e uma participação contínua para as assembléias do OP, há a probabilidade de que um número maior de cidadãos acompanhe os debates e se engaje nas deliberações, ou seja “se envolva ativamente na seleção das prioridades gerais para sua região e dos projetos específicos para seu bairro e se comprometa mais nas comissões de fiscalização” (WAMPLER, 2003, p. 75). Nesse sentido, é permitida, através das regras, uma participação maior bem como uma pressão efetiva para com os líderes comunitários e representantes do governo daquilo que foi demandado no bairro.

Ao contrário, quando os representantes são selecionados por voto secreto, o direito de deliberar é cedido aos representantes escolhidos pelos cidadãos. De acordo com o autor “essas

regras canalizam a participação para um corpo estreito de representantes. Os problemas de “accountability”, neste caso, não diferem daqueles que existem na democracia representativa. Este sistema de seleção limita a possibilidade de pressão dos grupos mobilizados sobre a administração quando ela não cumpre suas obrigações para com o OP” (WAMPLER, 2003, p. 76). Dessa forma, fica inviabilizada a instituição de um espaço público deliberativo e participativo.

Outro elemento que se observa a partir do conjunto de regras que Lüchmann analisa no OP de Porto Alegre diz respeito ao espaço ou instâncias de participação. São estas instâncias e o conjunto de normas que vão mostrar o tamanho da vinculação da população e poder público e a dificuldade ou possibilidade de organização para apresentação de demandas.

Entre as instâncias de um processo de OP, Lüchmann destaca os espaços de organização comunitária, que são considerados os que apresentam maior autonomia no OP, e que são representados por “um conjunto heterogêneo de organizações comunitárias (associações de moradores, união de vilas, clubes de mães, grupos religiosos, culturais, etc...) que se articulam em bases identidárias distintas, embora o peso maior seja das associações com identidade territorial local ou regional (associações de moradores, conselhos populares...)” (2002, p. 151). Além destes, há outras instâncias que devem merecer atenção, quais sejam: as assembléias do OP; as rodadas intermediárias; o fórum de delegados, o Conselho do Orçamento Participativo, o desenho do limite e o número de regiões enquanto aspectos de divisão do município.

Um terceiro elemento do conjunto de regras que se observa na obra de Lüchmann, diz respeito aos critérios de distribuição dos recursos que estabelecem os parâmetros para a definição das obras e investimentos na cidade. Conforme a autora, esses critérios “visam eliminar privilégios na alocação dos recursos públicos, configurando-se como importante mecanismo de redistribuição dos recursos e de promoção da justiça social (2002, p. 159).

Wampler (2003) contribui para pensar em elementos do desenho institucional ao colocar como relevante “a habilidade da administração de aderir “as regras de implementação orçamentária” que indicam a capacidade da administração de realizar as demandas priorizadas pelos participantes do OP” (p. 76). Para o autor a administração municipal de qualquer município, se reconhecer que o processo de implementação de projetos é longo e as vezes difícil, vai assegurar a atenção devida aos projetos prioritários e a burocracia municipal em torno deles. Segundo o autor, “se os projetos selecionados pelos participantes do OP são implementados, tem- se um incentivo claro para os participantes continuarem a participar o os não-participantes começarem a se envolver no processo de tomada de decisão” (2003, p. 76). O autor afirma ainda que “os orçamentos participativos que querem implementar os projetos mas são incapazes de mostrar resultados claros para o publico participante terão um efeito negativo e desmoralizante sobre os participantes e burocratas envolvidos” (p. 77).

Contudo, a viabilização de desenhos institucionais que admitem o fluxo da opinião pública deve revelar ao cidadão comum a disposição dos atores políticos em ouvir suas demandas, pois o fato de poder exprimir tais demandas aumenta a possibilidade delas serem atendidas. Assim, desenhos institucionais que caminhem nesse sentido produzirão um duplo reforço à participação política dos cidadãos transformando quem é público em ator garantindo a possibilidade de que a participação possa transformar-se em benefícios públicos concretos.

Para finalizar a discussão do desenho institucional pode-se elencar resumidamente os indicadores apresentados ao longo deste item, que são relevantes para a análise desta variável em processos de OPs, quais sejam: - os espaços e formas de participação no OP; forma de escolha de representantes do OP; - instâncias de participação do OP; - critérios de distribuição dos recursos no OP; - habilidade na realização das deliberações do OP.

Como se viu, além das variáveis compromisso governamental e desenho institucional serem fatores importantes para resultados positivos de processos de OPs, outra variável que merece atenção é a tradição associativa que será discutida a seguir.

1.2.3 Tradição Associativa: conceituação e trajetória do associativismo civil