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A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública de ensino do Distrito Federal, situada no Plano Piloto de Brasília, no ano de 2009. A escola era composta por turmas de 2o a 5o anos do ensino fundamental (antigamente denominadas de primeira a quarta série). A escola foi selecionada por conveniência, com base na disponibilidade demonstrada pela instituição na realização de estudo anterior de outra integrante do mesmo grupo de pesquisa à época. Em outubro de 2008, a pesquisadora realizou a primeira visita à escola para iniciar contatos com os membros da instituição. A temática da pesquisa foi apresentada de forma ampla e geral à diretora da escola. Em seguida, a pesquisadora foi apresentada à vice-diretora e também aos demais profissionais da equipe pedagógica que estavam presentes. A diretoria foi receptiva à realização da pesquisa nesta instituição escolar.

3.1.1 Aproximação etnográfica com registro de observações

Durante a pesquisa foi realizado um período de “aproximação etnográfica”, durante dois meses, que teve a finalidade de um ajustamento mútuo entre a pesquisadora e a escola. A pesquisadora realizou 10 visitas em dias alternados da semana, somando, aproximadamente, 40 horas de observações diretas, em sala de aula e no momento do recreio, registradas por escrito em diário de campo. Houve, portanto, uma aproximação da pesquisadora com o campo no qual o estudo iria ser realizado.

Em função da boa reputação da escola do Plano Piloto, seu corpo discente era mesclado com crianças advindas de famílias de camada de renda média e baixa. A escola incluía um espaço aberto com uma quadra poliesportiva de um lado,

e um espaço planejado para brincadeiras do outro. Na parte interna do prédio, existia uma sala para secretaria, duas para diretoria, uma copa/cozinha anexa à sala das professoras, banheiros dos funcionários e professoras, sete salas de aula, uma cozinha maior, banheiros das crianças, uma sala de leitura, uma sala com computadores e um grande pátio no centro.

As observações visavam à identificação da rotina e atividades em sala de aula, como forma de situar as interações, participação e posição pessoal das crianças que iriam compor a pesquisa. A convivência no cotidiano escolar possibilitou a partilha de experiências e conhecimento comum a partir de interações espontâneas durante períodos de aula e de recreio. A partir dessa familiarização, foram escolhidas quatro crianças-alvo em cada uma das duas turmas de quinto ano, sendo duas meninas negras e duas brancas.

3.1.2 Participantes

Foram participantes da pesquisa alunas das duas turmas do quinto ano do turno matutino, oito meninas ao todo, na faixa etária de 9 a 11 anos (ver quadro 1).

Os nomes das crianças foram trocados, durante a análise, para preservar a identidade das crianças: Leila, Paula, Bianca e Rafaela tinham fenótipo predominantemente negro, variando características como cabelos crespos, lábios grossos, nariz largo e cor da pele escura. Helen, Vivian, Érica e Laura tinham fenótipo predominantemente branco, variando características como cabelos lisos e aloirados e cor de pele clara. Com base nestas características físicas, o pertencimento étnico-racial das meninas foi classificado pela pesquisadora.

De acordo com Nascimento; Fonseca (2013), existem basicamente três métodos de identificação racial, que podem ser aplicados com variações. O primeiro é a autoatribuição, no qual o próprio sujeito da classificação escolhe seu grupo. O segundo é a heteroatribuição, no qual outra pessoa define o grupo do sujeito. O terceiro método é a identificação de grandes grupos populacionais dos quais provieram os ancestrais por intermédio de análise genética. Não há como garantir congruência entre as classificações dos sujeitos obtidas mediante a aplicação de cada método. Todavia, é razoável esperar convergência entre os dois primeiros quando os sujeitos da classificação se apresentam de forma próxima ao estereótipo de um grupo, e divergência quando forem indivíduos na fronteira entre dois grupos.

Embora existam recomendações internacionais no sentido de se adotar sempre a autoatribuição em pesquisas ou registros que captam a raça ou a etnia, ou outras características correlatas à identidade dos indivíduos, há uma extensa discussão sobre se este método de identificação seria adequado ao Brasil. Sabe-se que, à luz do ideal de brancura vigente, as pessoas que carregam menos traços negros em sua aparência tendem a se considerar brancas, e que essa tendência varia de acordo com a situação socioeconômica. Assim, a classificação da cor realizada por autoatribuição pode se afigurar problemática para o estudo da desigualdade causada por discriminação.

A literatura aponta que nos estudos sobre relações étnico-raciais, realizados no Brasil e em outras localidades, o pertencimento étnico-racial do pesquisador/entrevistador/observador pode gerar vieses nas respostas dos participantes envolvidos. Danfá et al. (2017) encontraram que a “variável pesquisador” relaciona-se fortemente à organização de conteúdos representacionais. Na pesquisa que realizaram, a coleta de dados foi dividida entre dois pesquisadores, um africano e outro brasileiro, que aplicaram questionários a grupos distintos de participantes. Com o aplicador africano, estereótipos positivos como alegria, cultura, guerreiro e dança foram salientados, enquanto conteúdos negativos foram silenciados; estes, no entanto, foram ativados quando o pesquisador era brasileiro. De acordo com Rodrigues et al. (2012), a literatura no campo da psicologia que trata das relações étnico-raciais na infância e do surgimento de atitudes raciais entre crianças destaca que a presença do/a pesquisador/a durante as tarefas realizadas pelas crianças é apresentada como forma de salientar a norma social antirracista, isto é, a proibição social de discriminar lançando mão de estereótipos racistas. É importante salientar que a pesquisadora responsável pela coleta dos dados se autodeclara negra e, neste contexto da pesquisa, este é um elemento importante que também pode funcionar como circunscritor do comportamento das crianças durante as sessões de brincadeiras realizadas. Em nosso estudo, a presença da pesquisadora negra não foi utilizada intencionalmente com o intuito de salientar a norma antirracista e nem de gerar ou eliminar qualquer viés étnico-racial no comportamento das crianças em interação.

Compreende-se, entretanto, que a pesquisadora negra possa influenciar os resultados, mas, se isso ocorre, essa influência se efetiva na direção de silenciamento. Resultados que revelem atitudes racistas estarão então minimizados.

Qualquer viés desta natureza que se apresente nas interações criança-criança ou criança-adulto serão também informações relevantes construídas para análise de nosso objeto de estudo.

Com relação aos procedimentos éticos, após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da área de Saúde da UnB (ver anexo A), o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi revisto pela direção da escola e, em seguida, encaminhado em forma de carta na agenda das meninas. Todas as famílias contatadas autorizaram, por meio da devolução de uma das vias do TCLE (ver anexo B) assinada, a participação das meninas, que incluíam gravações em vídeo e a utilização das imagens para fins de pesquisa. E então a pesquisa foi iniciada.

Quadro 1 – Caracterização das crianças participantes da pesquisa CRIANÇA IDADE CLASSIFICAÇÃO