• Nenhum resultado encontrado

2 A EDUCAÇÃO ATIVA NO SÉCULO XX E A ESCOLA

2.4 PSICOLOGIA GENÉTICA E EDUCAÇÃO EM PIAGET

2.4.2 Desenvolvimento e Aprendizagem

A aprendizagem, enquanto um dos fatores do desenvolvimento caracteriza- se, segundo Piaget (1976b, p. 95), como “modificação duradoura (equilibrada) do comportamento, em função das aquisições devidas à experiência”. Essa modificação tem origem em um processo de equilibração (“central” para Piaget como já visto anteriormente) em que três aspectos merecem ser destacados, considerando o desenvolvimento e a formação do conhecimento.

Primeiro, esse processo implica “desequilíbrios” e “equilibrações e reequilibrações” que podem levar tanto a “retornos ao equilíbrio anterior”, quanto a “formações de um novo equilíbrio” ou de um “melhor equilíbrio” ou a falar de “equilibrações majorantes”, o que levanta a questão da “auto-organização”. Para Piaget, os desequilíbrios121 são um fator motivacional; sem os desequilíbrios “o conhecimento permaneceria estático”, mas “a fonte real do progresso deve ser procurada na reequilibração” ou no “melhoramento obtido”122.

Os sistemas cognitivos são abertos no sentido de “trocas”, e fechados, no sentido de “ciclos”. O segundo aspecto desse processo de equilibração refere-se às “trocas com o meio”. O equilíbrio, enquanto “compensação das perturbações exteriores”, depende da fase de desenvolvimento mental em que se encontra o indivíduo. No período sensório-motor e no pré-operacional, em que predominam “as formas inferiores de equilíbrio”, as atividades compensatórias do sujeito respondem de forma instintiva; no período em que predominam “as estruturas superiores ou operatórias”, essas atividades respondem imaginando e antecipando as transformações ou perturbações (operações reversíveis)123.

O terceiro aspecto desse processo refere-se aos “ciclos epistêmicos e seu funcionamento” relacionados a “dois processos fundamentais que constituirão os componentes de todo equilíbrio cognitivo” e devem estar necessariamente em equilíbrio: a assimilação, “incorporação de um elemento exterior (objeto, acontecimento etc.) em um esquema sensório-motor ou conceitual do sujeito” que seja “compatível com sua natureza”; e a acomodação, “a necessidade em que se

121

Os “desequilíbrios duradouros”, para Piaget, (1976b, p. 94), “constituem estados patológicos, orgânicos ou mentais”.

122 PIAGET, 1976b, p. 11; 18-19. 123 Ibid., p. 104-105.

acha a assimilação de levar em conta as particularidades próprias dos elementos a assimilar”, sem perder “seu fechamento enquanto ciclo” (PIAGET, 1976b, p. 13-15).

No primeiro, o objeto é transformado, ou seja, o sujeito seleciona os elementos do objeto a serem assimilados, no segundo o sujeito se transforma, ou seja, transforma as estruturas que já possui.

Vale salientar que, em Piaget (1978c, p. 211-212), a aprendizagem ocorre através de dois aspectos no desenvolvimento cognitivo da criança: o espontâneo e o psicossocial. O desenvolvimento espontâneo ou psicológico é “o desenvolvimento da inteligência mesma: o que a criança aprende por si mesma, o que não lhe foi ensinado, mas o que ela deve descobrir sozinha” e que despende tempo. O desenvolvimento psicossocial é “tudo o que a criança recebe do exterior, aprende por transmissão familiar, escolar, educativa em geral”. O primeiro constitui, para o autor, “a condição preliminar evidente e necessária para o desenvolvimento escolar”, uma vez que o desenvolvimento psicossocial está subordinado ao desenvolvimento espontâneo e psicológico.

O desenvolvimento da criança, para Piaget124, é um “processo temporal”125. O

tempo é necessário como “duração” (“formar uma lógica”) e como “ordem de sucessão” (desenvolvimento dos estágios). Quanto às “variações na velocidade e na duração do desenvolvimento”, o autor explica-as a partir dos fatores do desenvolvimento, principalmente do fator de equilibração (“fundamental”). Assim, a aceleração possível não deve “romper o equilíbrio”: “o ideal da educação não é aprender ao máximo, maximalizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a

aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver

depois da escola” (grifo nosso).

Nesse sentido, Piaget (1972, p. 152) trabalha a questão dos novos métodos na educação escolar moderna, no sentido da atividade do aluno, da estrutura do pensamento infantil, da relação entre a mentalidade da criança e a do adulto e da relação entre os próprios alunos, em contraposição à educação tradicional.

A educação moderna só poderia, portanto, ser compreendida em seus métodos e suas aplicações tomando-se o cuidado de analisar em detalhes os seus princípios e de controlar o seu valor psicológico pelo menos em quatro pontos: a significação da infância, a estrutura do pensamento da criança, as leis de desenvolvimento e o mecanismo da vida social infantil.

124 PIAGET, 1978c, p. 213-214; 225. 125 Bem ao gosto dos bethamistas.

Enquanto na escola tradicional a atividade do aluno tinha origem na pressão exercida pelo professor126, afirma Piaget (1972, p. 152-153), na escola moderna apela-se “para o trabalho espontâneo baseado na necessidade e no interesse pessoal” (educação ativa). Educar é “adaptar o indivíduo ao meio social ambiente” utilizando “as tendências próprias da infância como também a atividade espontânea inerente ao desenvolvimento mental, e isto na intenção de que a própria sociedade será enriquecida”127.

Em relação à estrutura do pensamento infantil, Piaget128 destaca que, enquanto na escola tradicional a criança era tratada como um “pequeno adulto” e a tarefa do educador era a de equipar o pensamento através das matérias escolares, na escola moderna, “a questão é encontrar o meio e os métodos convenientes para ajudar a criança a constituir a si mesma, isto é, alcançar no plano intelectual a coerência e a objetividade e no plano moral a reciprocidade”.

A preocupação acerca da relação entre o aluno e o professor já pode ser encontrada nos criadores da “escola ativa” que apontam as diferenças estruturais entre a criança e o adulto, destaca Piaget129. Entretanto, a diferença entre a mentalidade infantil e a do adulto, que determina essa relação, requer cautela quanto à aceleração da aprendizagem que, sem considerar os estágios do desenvolvimento e os limites impostos pelo desenvolvimento mental infantil, pode limitar a elaboração do aluno acerca das experiências vividas em seu meio: “métodos sãos podem, portanto, aumentar o rendimento dos alunos e mesmo acelerar seu crescimento espiritual sem prejudicar sua solidez” 130.

A escola tradicional, prossegue Piaget (1975, p. 63; 1972, p. 175), que conhece apenas “a ação do professor sobre o aluno” também não atribui importância à relação entre os próprios alunos. A escola moderna e os novos métodos de educação, além de acentuar a importância de um certo exercício “essencialmente

126 Piaget (1972, p. 153)

cita Dewey e Claparède para quem “o trabalho obrigatório é uma anomalia antipsicológica e que toda atividade fecunda supõe um interesse”.

127 A sociedade em Piaget, como abordado anteriormente, refere-se ao desenvolvimento do sujeito

epistêmico em direção à socialização.

128 PIAGET, 1972, p. 161. 129 Ibid., p. 161-167; 174.

130 Esse é um dos pontos principais da discordância de Vigotski em relação à aprendizagem na

relacionado à ação sobre os objetos e à experimentação”, também reserva “um lugar essencial à vida social entre crianças”.

Piaget (1972, p. 175-177) destaca, em referência às experiências de Dewey, que o “trabalho em equipes” e o “self government tornaram-se essenciais na prática da escola ativa”. Entretanto, para Piaget, para se chegar a esse nível de colaboração, a vida social infantil procede de “um estado puramente individual”. Essa socialização “progressiva e que nunca termina”, essa “evolução social da criança”, procede, portanto, “do egocentrismo à reciprocidade, da assimilação a um eu inconsciente dele mesmo à compreensão mútua constitutiva da personalidade, da indiferenciação caótica no grupo à diferenciação baseada na organização disciplinada”.

Nesse sentido, a escola moderna ou escola ativa, segundo Piaget131, defende a pressão do adulto, baseada no respeito que o adulto adquire frente à criança, e a cooperação entre as crianças, enquanto processos complementares de forma a “suprir as insuficiências da disciplina imposta de fora por uma disciplina interior, baseada na vida social das próprias crianças”. Portanto, os novos métodos de educação, salvo em casos extremos, não tendem a “eliminar a ação social do professor”, mas a reduzir “a pressão deste último para transformá-la em cooperação superior”.

Esse aspecto denota que Piaget, assim como Dewey, compreende a escola como espaço de formação de indivíduos capazes de contribuir através da cooperação mútua e da deliberação coletiva para a democracia. Contudo, em Piaget (1973, p. 172-196) a democracia não é entendida como produto final, mas como tentativa constante de conciliação, o que só se torna possível com a superação do egocentrismo e processos contínuos e sucessivos de reequilibração, cabendo ao professor o papel de coordenador e colaborador ciente (“mestre-animador”) desse processo.

Em relação à profissão de educador, Piaget (1972, p. 11-12) aponta que, na escola tradicional o professor aparece como “transmissor de um saber”, possuidor de “uma cultura geral elementar e algumas receitas aprendidas”, entretanto, o ensino envolve “três problemas centrais” que só podem ser solucionados com a sua colaboração: a definição do objetivo do ensino; a escolha dos ramos para atingir tal

objetivo; e o conhecimento do desenvolvimento mental. O autor também sinaliza que, nas nossas sociedades, essa profissão “não atingiu ainda o status normal a que tem direito na escala dos valores intelectuais”. Um professor (“mestre-escola”) não é considerado, nem por si mesmo, “um especialista, quer do ponto de vista das técnicas, quer do da criação científica” (pesquisa).

Quanto aos “problemas centrais” do ensino, referidos acima, as críticas à Piaget parecem não ter fundamento em pelo menos três pontos. Primeiro, em não havendo um questionamento sobre a sociedade democrática, os “três problemas centrais” começam e terminam no interior da própria escola. Segundo, considerando que a educação, a escola e o professor estão voltados para o desenvolvimento do indivíduo epistêmico (operatório) e a democracia não é entendida como produto final (como em Dewey), não há por que incluir, entre esses “problemas centrais”, a definição da sociedade para a qual os objetivos do ensino e os da educação estariam voltados.

O terceiro ponto, dialeticamente relacionado aos dois anteriores, refere-se à formação do educador. Como essa formação constitui a “questão-chave” de todas as questões ligadas à educação, afirma Piaget (1972, p. 123-124), os fatos e os conhecimentos adquiridos pela psicologia infantil “não atingirão jamais a escola se os professores não os incorporarem até traduzi-los em realizações originais”.

Nesse sentido, para Piaget (1975, p. 29), assim como para Dewey, o “ofício do professor” torna-se mais penoso132, quanto “melhores são os métodos

preconizados para o ensino” que pressupõe “o nível de uma elite” em relação aos “conhecimentos do aluno e das matérias, como também uma verdadeira vocação para o exercício da profissão”.

A problemática educacional e, de forma mais ampla, o problema da formação dos indivíduos “úteis à sociedade de amanhã”, recai, em Piaget (1972, p. 130), sobre o despreparo do professor no que tange à dissociação entre ensino e pesquisa nos cursos de formação de professores: “é na pesquisa e através dela que a profissão de professor deixa de ser uma simples profissão e ultrapassa mesmo o nível de uma vocação efetiva para adquirir a dignidade de toda profissão”.

Esse é um dos aspectos sobre o qual recaem as críticas à escola ativa, ou seja, ao atribuir à educação a responsabilidade pelo status quo e a possibilidade de

132 Dewey (1971, p. 54-55

) também aponta que, na escola progressiva o “ofício do professor”, como membro mais amadurecido do grupo, é mais difícil.

sua superação, deixando intocável a discussão sobre a relação educação e sociedade133. Entretanto, essa e outras críticas à educação defendida pela Escola

Nova parecem não considerar o modelo de sociedade ao qual essa educação está voltada, ou seja, à sociedade democrática e capitalista.

Uma delas refere-se ao não questionamento da filosofia que inspira tal proposta e sua relação com um determinado projeto de sociedade, assim como ao não questionamento dos valores burgueses presentes em tal filosofia e que favorecem a reprodução do sistema.

Entretanto, a filosofia liberal democrática, em Dewey (1970a), coaduna-se à sociedade capitalista, e suas críticas à acumulação capitalista ocorrem no sentido de que a reconstrução social organizada, liberal-democrática em essência, deve proporcionar abundância aos indivíduos de forma a satisfazer suas necessidades e liberar sua criatividade. Em Piaget (1973), a educação está voltada ao desenvolvimento do indivíduo epistêmico rumo à socialização (democracia), e como a democracia não é entendida como produto final, não há por que incluir a definição da sociedade para a qual os objetivos do ensino e os da educação estariam voltados.

Outra crítica está relacionada ao custo com a instituição desse tipo de ensino e à inviabilidade de sua extensão às escolas públicas, uma vez que a qualificação dos professores e o aparelhamento das escolas oneraria os gastos públicos com educação ficando essa pedagogia restrita às escolas privadas.

Entretanto, esses aspectos são imprescindíveis na educação ativa, de forma que o trabalho ativo reproduza “importantes situações sociais”, sinaliza Dewey (1979, p. 179). Por exemplo, ao tratarem do “ofício” do professor, Dewey e Piaget afirmam a importância do conhecimento da matéria, do aluno, da relação aluno- matéria e, por fim, das interações no grupo “que constituem a própria vida do grupo como comunidade” (DEWEY, 1971, p. 54-55). Essa crítica, portanto, não deve recair sobre a educação proposta pela Escola Nova, mas sobre o contexto em que ocorre essa educação, ou seja, sobre a política econômica e social de um determinado país e seu investimento em educação.

Ainda outra crítica refere-se aos efeitos advindos com a implementação da educação ativa: descuido em relação à transmissão do conteúdo (aligeiramento do

conteúdo), menosprezo em relação à importância do estudo dos clássicos (esvaziamento do conteúdo ou teórico), e questionamento sobre a importância do professor no processo educativo (minimização do papel do professor, não reconhecimento da assimetria da relação professor-aluno, inclusive mascarando a relação de poder, e ausência de disciplina).

Essa crítica aponta para o desconhecimento dos princípios da educação ativa, e esse desconhecimento deve-se ao processo de transplante dos princípios defendidos por Dewey e Piaget para o contexto brasileiro e ao desenvolvimento histórico desse mesmo contexto.

Enfim, esses aspectos inviabilizaram que o professor, em sua grande maioria, tomasse ciência do projeto liberal democrático para a educação e seus reflexos na reconstrução da sociedade democrática, presente em Dewey, e dos estudos de Piaget acerca do desenvolvimento cognitivo do indivíduo em relação aos métodos de aprendizagem, como pode ser observado no Capítulo 4 referente à concepção do professor acerca da educação no século XXI.

A esse respeito, Nidelcoff (1982, p.19), no livro Uma escola para o povo, anuncia que “a escola que o povo recebe é muito mais a escola que os professores organizam com sua maneira de ser, de falar e de trabalhar, do que a escola criada pelos organismos ministeriais e pelos textos escolares. Entretanto, pode-se afirmar que a escola que o povo recebe é a escola que o professor consegue organizar, considerando as determinações material e ideológica a que a educação, a escola e o professor estão submetidos.

A educação crítica, portanto, materialista histórica e dialética, cujos ideais estão presentes em Gramsci e Vigotski, apesar de contemporânea das “novas idéias”, traz uma orientação oposta aos princípios que nortearam a Escola Nova e a educação ativa. Essa orientação propõe que a educação, enquanto superestrutura, se não responsável por todas as mazelas sociais, é o fator determinante do processo de humanização e um dos elementos necessários à transformação da sociedade capitalista em socialista e aponta as relações no processo educativo (professor e aluno, aprendizagem e desenvolvimento) como formadoras do gênero humano.

3

A EDUCAÇÃO CRÍTICA NO SÉCULO XX E SEU REFLEXO

Documentos relacionados