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As origens do MST, a construção da categoria Sem Terra e a agroecologia.

2. A via de desenvolvimento da década de

A idéia de que o Brasil seria dividido entre a dinâmica industrial e a estagnação

agrícola fez com que, na década de 60, o debate estivesse concentrado sobre a necessidade de

redefinir os rumos do desenvolvimento da agricultura brasileira. As teorias

desenvolvimentistas liberais ou marxistas, embora bastante distintas entre si, fundamentaram-

se a partir das sociedades ocidentais ricas e avançadas industrialmente para propor modelos de

desenvolvimento para os países pobres (ALMEIDA, 1998).

A corrente neoclássica, representada nas idéias de Schultz (1964), acreditava que o

capitalismo agrário – e o desenvolvimento da indústria voltada à agricultura – aumentaria a

eficiência na produção agrícola promovendo desenvolvimento no espaço rural. Basicamente,

isso se daria através do aporte de fatores externos, substituindo os insumos “tradicionais” por

O pensamento hegemônico dentro da vertente marxista tinha o desenvolvimento

capitalista como um dado inevitável, levando às últimas conseqüências a premissa de que as

contradições originadas na base econômica são preponderantes para gerar um potencial

revolucionário dentro do quadro histórico-social. Enfatizava, entretanto, a necessidade de

transformação na estrutura fundiária para promover a distribuição da renda agrícola e o

aumento da eficiência do uso da terra (ROMEIRO, 1998; ABRAMOVAY, 1992). Esse

diagnóstico político constituía-se num programa de desenvolvimento histórico em nome de

“interesses políticos mais amplos”. Nessa perspectiva, ao camponês restaria um lugar

secundário na história podendo esse se inserir de forma “subordinada” às diretrizes da classe

operária ou através da “conscientização” a partir dos “efeitos historicamente positivos” da

expropriação e desenraizamento do campesinato (Martins, 1984. p.23-25).

A política agrária que seguiu, amparada pelos governos militares, viabilizou uma

modernização conservadora, alterando a base tecnológica sem, no entanto, modificar a estrutura agrária vigente (MEDEIROS, 1989; PAULUS, 1999; SAMPAIO, 2001). O Estado

assume importância na indução da modernização da agricultura através de créditos

subsidiados (GRAZIANO DA SILVA, 1981), que visavam basicamente a aceleração do

processo de industrialização. Mediante um trabalho integrado entre a pesquisa e a assistência

técnica da extensão rural, cria-se um mercado interno para o desenvolvimento nacional da

indústria de bens intermediários, permitindo abrir caminho para que as relações capitalistas

dominassem o setor.

De acordo com Castro (1984), as políticas de modernização da agricultura pretendiam

transformar a agricultura tradicional seguindo a implementação do padrão tecnológico

exportação, cabendo às instituições de crédito viabilizar a adoção de insumos modernos e

máquinas preconizados pelas instituições de pesquisa e difundidos pela extensão rural. As

políticas do governo foram direcionadas para a descentralização dos serviços dedicados ao

setor agrícola através de privilégios ao setor privado na difusão do padrão tecnológico

desejado.

De forma assimétrica ocorre a consolidação da integração entre os setores

agropecuário e industrial no âmbito nacional. Se estabelece uma forma “mais técnica” de

produzir, cujo ponto chave foi a substituição da estrutura produtiva tradicional – considerada

limitante e atrasada – por uma “moderna”, intimamente e perfeitamente relacionada com o

setor industrial (GRAZIANO DA SILVA, 1981). Isso permitiu que a agricultura se tornasse

gradativamente subordinada à indústria, a qual acabava definindo, mesmo que parcialmente, o

processo de produção agrícola – o tipo de produto a ser gerado, suas quantidades e, por

conseguinte a tecnologia a ele incorporada –, apresentando-se como uma forma peculiar de

dominação capitalista.

O governo militar direciona a política agrária para concessão de subsídios e incentivos

fiscais, principalmente aos médios e grandes produtores, estimulando a expansão da fronteira

agrícola e a intensificação da produção por homem e por área cultivada através da

incorporação de insumos complementares na atividade agrícola. A produção agrícola amplia-

se rapidamente, fazendo crescer o mercado interno rural para produção industrial,

favorecendo a concentração dos meios de produção (sobretudo terra) e de renda no campo

Segundo Medeiros (1989), o Brasil protagonizava vários conflitos sociais em torno das

questões de posse e uso da terra, no entanto, com o Golpe de 1964, teríamos um momento de

relativo refluxo nas lutas, que ressurgirão com força apenas após o período de repressão. Se,

de um lado, o governo militar demonstra a preocupação com o crescimento do setor agrícola,

de outro, implícita ou explicitamente, visava evitar a radicalização política e os conflitos

sociais – uma vez que a Revolução cubana de 1959 estava em curso. Brumer e Tavares dos

Santos (1997) afirmam que a ditadura militar dificultava o estabelecimento de um modelo

alternativo de produção, ao mesmo tempo em que mantinha sob censura o tema dos conflitos

sociais.

O processo de industrialização redefine os papéis da agricultura na sociedade

brasileira, transformando a agricultura familiar em consumidora de produtos agroindustriais e

produtora de matéria prima para a indústria. Os agricultores familiares tentam adaptar-se e

integrar-se a esse novo contexto, entretanto, como bem afirmou Caporal (2002), essa

modernização mostrou-se fortemente excludente, pois se deu de forma parcial, uma vez que

não estava acessível para a maioria dos agricultores, atingindo apenas parte das regiões, dos

cultivos e das criações, ao mesmo tempo, incluindo e excluindo agricultores.

Wanderley (1985) afirma que, ao longo da modernização da agricultura, parcela dos

agricultores familiares passou a especializar sua produção, direcionando seus esforços para

aqueles produtos que se mostram com preços mais vantajosos no mercado, acentuando sua

dependência com este, uma vez que o auto consumo cede lugar à venda. Mesmo que o

trabalho continue tendo centralidade ética na agricultura familiar, a partir da modernização da

agricultura introduz-se a noção de produtividade e intensidade do trabalho. De acordo com

adoção de tecnologias poupadoras não só de trabalho, mas, agora, de tempo, tornando a

agricultura familiar cada vez mais dependente do mercado. Pequenos agricultores submetem-

se a novas regras de colonização no estado, visando basicamente garantir a reprodução da

família.

As transformações ocorridas no meio rural – representadas pela mercantilização das

atividades produtivas, pela especialização da produção e integração aos novos complexos

agroindustriais – desencadearam uma crescente diferenciação social. As conseqüências desse

conglomerado de pressões são a redução no dinamismo das pequenas propriedades e a

concentração de renda no campo. Produziu-se um contingente de marginalizados, na sua

maioria agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados, arrendatários, meeiros e

parceiros, todos excluídos do processo de modernização agrícola que ou deixaram o campo

entre 1960 e 1980 em busca de novas fronteiras agrícolas ou de uma “vida digna” nas cidades

(NAVARRO, 1996; FERNANDES, 1998) ou, ainda, permaneceram no meio rural

submetendo-se a condições de miséria e empregos temporários. O desenvolvimento não

reduziu as desigualdades sociais em nosso País e o surgimento do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra ao final da década de 70, representa nada mais que uma

faceta dos tantos conflitos sociais que permearam a história brasileira.