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CAPÍTULO 1 – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

4- A EVOLUÇÃO GRÁFICA DA CRIANÇA

4.2. Desenvolvimento da criança através do grafismo

Como anteriormente referido, o desenho gráfico surge com a versatilidade de ser uma brincadeira, uma maneira de comunicação e de registo de momentos. Estas fases definem formas de desenhar que são bastante similares em todas as crianças, apesar das diferenças pessoais, de temperamento e sensibilidade.

O desenvolvimento da criança e por consequente do seu desenho, não se deve somente a uma evolução temporal, mas também a fatores culturais e do meio que as envolvem e que assumem especial importância.

Esta temática é já uma preocupação antiga, os primeiros estudos sobre desenho das crianças datam do final do século XIX e estão fundados em concepções psicológicas e estéticas da época. São os psicólogos e os artistas que descobrem a originalidade dos desenhos infantis e publicam as primeiras “notas” e “observações”' sobre o assunto: pela primeira vez na história, fez um grupo de pessoas acreditar que a infância era digna de atenção dos adultos, encorajando um interesse no processo de crescimento da criança” (Robertson, 2004,p.407).

Rousseau esboça o projeto de uma educação natural para as crianças da sua época, pensando no desenvolvimento cognitivo e moral desde o seu nascimento até à idade adulta e a sua inserção na sociedade.

Posteriormente a Rousseau, outros estudiosos, seus discípulos, observaram e procuraram identificar e descrever as etapas gráficas do desenvolvimento gráfico e do desenho infantil.,

Os estudos da psicologia da criança tiveram uma grande evolução, desenvolvendo-se de uma forma sistemática e científica através da influência de Claparède. No seu trabalho dá importância às representações gráficas, procurando através delas estudar os modos de pensar e de sentir da criança.

Arnheim (citado em Sousa, 2003) afirma que quando se pretende efectuar qualquer estudo da psicologia de uma criança através da sua expressão plástica, um só desenho não chega, sendo necessário para o estudo uma série de desenhos.

Também segundo Lowenfeld & Brittain “a criança cria de acordo com o nível de desenvolvimento e de conhecimento que tem, sendo que a própria criação lhe permite desenvolver novos conhecimentos e competências que poderá pôr em prática ao longo do seu processo de desenvolvimento.” (citados por Oliveira, 2009, p110).

Luquet (1876-1965) foi um dos primeiros teóricos a se interessar pelo desenho infantil, analisando-o numa abordagem cognitiva. O autor buscou respostas para questões relativas o quê e como a criança desenhava, assim como suas intenções e interpretações.

Luquet (1969), todas as crianças passam necessariamente pelas mesmas etapas de evolução, no entanto, cada uma com características próprias, daqui se podendo concluir que cada criança revela uma evolução diferenciada em relação às outras. Para este autor, a criança procura através do desenho, dar um significado aos objetos, não tendo a preocupação de reproduzir as formas tal e qual elas são. A evolução do desenho passa por cinco estádios que vão acompanhando o desenvolvimento motor e psicológico da criança, até atingir as características inerentes ao desenho de um adulto, descritos no capítulo seguinte.

Segundo Vygostky, a criança começa de facto a desenhar, após a fase da garatuja e da “…expressão amorfa de elementos isolados…” (citado por Oliveira 2009, p.96). Assim, define um primeiro momento, a que chama “fase do esquema”, na qual desenha os objetos de forma esquemática e muito distante do seu real aspeto. A criança desenha de memória, sem copiar um modelo. Vygotsky (2009) refere que:

Desenham o que já sabem acerca das coisas, o que nelas lhes parece mais importante, mas de maneira nenhuma o que veem ou o que, por conseguinte, imaginam das coisas. Quando uma criança desenha um cavaleiro, montado no seu cavalo de perfil, representa escrupulosamente as duas pernas do cavaleiro, embora o observador que o visse de lado só pudesse ver uma. E quando pinta um rosto de perfil, põe-lhe invariavelmente dois olhos. (p.97)

O termo “esquema” é utilizado por teóricos do desenho infantil, em especial por Lowenfeld (1977) e Arnheim (1997), para designar um tipo particular de desenho: aquele realizado de modo similar pelas crianças quando em fase inicial de suas experiências gráficas e pictóricas.

Coloca-nos também perante a arbitrariedade do desenho infantil, como prova de que as crianças pintam de memória: “ partes tão volumosas do corpo humano como o tronco não figuram regra geral nos desenhos infantis, as pernas arrancam quase da cabeça, como por vezes também os braços.” (Vygotsky, 2009, p.97). Vygotsky, apresenta a sua explicação para estas questões, dizendo-nos que a pobreza dos desenhos resulta de uma insuficiente finalidade artística, bem como de limitações técnicas.

Quando “começam a ser sentidas a forma e a linha” (Vygotsky, 2009, p.99), considera o autor, que a criança se situa já numa segunda fase, verificando-se uma

mistura de formalismo e de esquematismo: os desenhos são ainda esquemáticos, mas neles encontrámos já, o começo de uma representação próxima da realidade. Não existindo uma diferença brusca em relação ao primeiro estádio, observam-se uma maior quantidade de pormenores, bem como uma aproximação do desenho ao aspeto real das imagens. Neste contexto, Arnheim (1994) afirma que “ (...) sem dúvida que as crianças vêem mais do que desenham”. (pp.155-158).

Para Stern (1974), o desenho funciona como uma terapia, porque ajuda a criança a transmitir e a retratar os seus desejos e medos. “Pode-se dizer que ela povoa o seu universo imaginário de objetos colhidos na natureza, mas transpostos à sua escala e necessidades. (…) Na sua obra a criança exprime o que não pode verbalizar.” (1974, pp.30-31).

No desenho, a criança exercita faculdades diferentes das que utiliza quando pinta. Com um simples traço deixado pelo lápis, representa um homem, um animal, uma casa. O seu mundo é tal como ela o vê e conhece.

“A criança adquire facilmente os seus meios de expressão, e, logo que os adquire, emprega-os para traduzir a sua visão da melhor maneira e não a visão do adulto.” (Stern, 1974, p.28).

Para Cottinelli Telmo (1986) os desenhos e pinturas infantis mostram os conceitos que os autores vão adquirindo. A análise cuidada das caraterísticas que representa na aquisição desses conceitos é uma das maneiras que o educador tem de compreender o desenvolvimento da criança.

Numa outra viragem na educação artística, a criança é valorizada como artista e reporta com ela as suas representações como “arte infantil”. Deste modo foram realizadas exposições, concursos de desenho e pintura com temas variados. Só depois com a evolução de estudos sobre a evolução das representações infantis é que se começou a entender que não se tratava de “obras de arte”, mas sim o reflexo dos pensamentos da criança. (Sousa, 2003).

Em Portugal, João dos Santos e Cecília Menano (1961) tiveram uma contribuição muito importante e decisiva, para se passar a valorizar a representação gráfica da criança como forma expressiva e não como obra de arte, e portanto, para que se efetuasse em educação uma expressão plástica e não o ensino do desenho.

João dos Santos (1913-1987), um dos grandes pedagogos portugueses, refere, na sua vasta obra, que a educação deve integrar todas estas dimensões acima referidas com o intuito de proporcionar à criança as mais amplas possibilidades de desenvolvimento,

ajudando-a no entender de si mesma e da sociedade que a rodeia: “A educação através da arte é a que melhor permite a exteriorização das emoções e sentimentos e a sublimação dos instintos (…). A educação através da arte … permite à criança sublimar os seus instintos e ao mesmo tempo expandir os impulsos e sentimentos elementares” (João dos Santos citado por Sousa, 2003, p.82). “ (…) Esclarecida através da experiência pessoal, a criança ficará apta a realizar o que constitui o nosso ideal de psicólogos e educadores: o contacto com o OUTREM e a sua OBRA” (João dos Santos, citado por Câmara, 2007, p. 15).

Sobre Cecília Menano, João dos Santos afirma que “não foi, (...) apenas uma das introdutoras da Educação Através da Arte em Portugal. Ela foi também um dos pioneiros no mundo, dessa forma de introduzir a criança no nosso mundo espiritual." (in:. http://joaodossantos.net/#).

A pedagoga Cecília Menano foi uma das pioneiras, criando em 1949 “A Escolinha de Arte” com o apoio de João dos Santos, onde as crianças utilizavam livremente os materiais plásticos para criações próprias. Alberto Sousa refere que este era “um ateliê particular onde as crianças iam pintar e desenhar em grandes superfícies de papel, nas paredes e no chão” (Sousa, 2003, 163).

Apesar de todas as intervenções pedagógicas e artísticas, a maioria dos professores da primeira metade do século XX dirigia o seu ensino para a representação do real visual, ou seja para o desenho de cópias de modelos, “desenho à vista” de objetos, como vasos, copos, garrafas, etc. O desenho da criança só era positivamente apreciado no quanto mais se assemelhava à representação do objeto real.

O conteúdo simbólico do que desenha depende muito diretamente das suas motivações do momento e da sua ação cognitiva. Desta forma, o que a criança desenha não são desenhos representativos do real, mas sim exteriorizações do seu ser.

Alguns autores referem a importância estar atento ao desenvolvimento do desenho ou do grafismo infantil, para melhor atuar. Porém existem estudos que mostram claramente que os desenhos de uma criança são o reflexo do seu desenvolvimento geral e não ao contrário, uma evolução baseada em aprendizagens de técnicas do desenho. Não é o desenho que se vai desenvolvendo, nem a sua perfeição que evolui melhora, mas sim a criança. É a criança que se vai desenvolvendo e não os desenhos. O desenho é o reflexo do desenvolvimento e segundo Sousa (2003, p.198):

O desenho é função, sobretudo, do desenvolvimento das capacidades neuromotoras (os movimentos da ação de desenhar), e cognitivas

(criatividade, raciocínio lógico) da criança, estando também bem patentes as dimensões emocionais-sentimentais (expressão artística) e socioculturais (materiais utilizados e relacionação social) (p.198)

Para uma melhor compreensão que o desenho das crianças não têm que ser e não são, efetivamente, arte, mas uma atividade lúdico-expressiva-criativa que reflete o seu desenvolvimento ao mesmo tempo que o estimula, vejamos como vários autores caraterizam este desenvolvimento, principalmente as alterações ao nível do grafismo.