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Desenvolvimento de linhas orientadoras de ação em cuidados paliativos neonatais

Siglas, Abreviaturas e Acrónimos

3. A Neonatologia e os cuidados paliativos

3.6. Desenvolvimento de linhas orientadoras de ação em cuidados paliativos neonatais

O conceito de CP alargado ao contexto neonatal, data de 1982 consequência do avanço tecnológico dos anos 70 e do seu impacto no respeito pela dignidade do recém-nascido.

Apesar dos cuidados ao RN em fim de vida terem objetivos diferentes em relação aos cuidados curativos, são igualmente válidos e devem reger-se pelo mesmo nível de excelência (Rooy, Aladangady, Aidoo, 2012). Por estas razões, têm vindo a desenvolver-se em diversos países, linhas orientadoras para a prática com o objetivo principal de ajudar os profissionais a cuidar de RN com doenças que podem limitar ou comprometer a vida.

Um dos primeiros protocolos nesta área foi desenvolvido nos Estados Unidos, recorrendo ao método Delphi e a um painel de 100 peritos multiprofissionais (Catlin, Carter, 2002). Os resultados deste estudo tiveram um forte impacto para o desenvolvimento mundial de programas de CP, pelo que foi sendo adaptado a diversas realidades e países.

A bibliografia sobre esta temática, apesar de escassa, tem vindo a registar um crescendo de artigos. A revisão sistemática de Balaguer e colaboradores (2012) identificou 1158 artigos sobre cuidados paliativos no período perinatal. A maioria dos artigos foi escrita nos EUA (Califórnia e Wiscosin) e na Europa, nomeadamente no Reino Unido, Itália e Alemanha. Destes, onze artigos relacionavam-se com a identificação de linhas orientadoras de ação e cinco descreviam programas de CP. Gale e Brooks (2006) descreveram as atividades desenvolvidas com o propósito de desenvolver um programa de CPN nos EUA.

Na Austrália, Victoria Kain (2012), desenvolve um estudo que pretende estabelecer um programa de CPN para as UCIN - Praecox, que irá utilizar o método Delphi, a aplicar nas UCIN de Queensland.

Cuidados paliativos neonatais em Portugal – Doutoramento em Bioética

Joana Mendes- Maio 2013 – Universidade Católica Portuguesa 30 O Reino Unido é o país europeu de referência em CP., onde existem diversas orientações para o contexto neonatal (Association for Perinatal Medicine, 2010; General Medical Council; 2010; Goodger, 2009). A ACT (Goodger, 2009), lançou um manual sobre o desenvolvimento de programas para RN com necessidades de CP. Destina-se a profissionais de saúde dos diversos contextos (maternidade, unidades de cuidados neonatais, cuidados domiciliários). É um modelo integrativo e coordenado, que põe o RN e família no centro dos cuidados, proporcionando um acompanhamento adequado ao longo de todo o percurso da doença. Inicia-se em contexto hospitalar, por vezes durante a gravidez e acompanha idealmente a família na transição para o domicílio. Propõe uma abordagem de acordo com três etapas, onde se identificam alguns pontos-chave. A primeira é o ingresso no programa de cuidados paliativos, cujos pontos importantes são a transmissão das notícias e o planeamento da alta para o domicílio. Na segunda etapa delineia-se o quotidiano, com auxílio de uma avaliação multiprofissional das necessidades do RN e família e a elaboração do plano de cuidados. A terceira etapa refere-se ao planeamento dos cuidados em fim de vida e no luto.

Um estudo levado a cabo pelo Children´s hospice UK em 2008 concluiu que o desenvolvimento de linhas de ação sobre cuidados paliativos neonatais é essencial (Goodger, 2009) e os seus benefícios são diversos e estão documentados na literatura (Pierucci, Kirby, Leuthner, 2001; Gale, Brooks, 2006; Goodger, 2009).

Pierucci, Kirby e Leuthner (2001) realizaram um estudo descritivo no Hospital Pediátrico de Wiscosin, sobre a análise do serviço de consultadoria de cuidados paliativos à população neonatal e pediátrica, por um período de 4 anos (1996 a 1998). Constataram que

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Joana Mendes- Maio 2013 – Universidade Católica Portuguesa 31 os casos foram sinalizados mais precocemente, de 5% até 30% e que estes RN beneficiavam de menos dias de internamento em cuidados intensivos, transfusões de hemoderivados, acessos centrais, entubações, medicação vasoativa, ventilação invasiva, manobras de reanimação e Raios X. Por outro lado, as suas famílias acederam mais frequentemente a líderes espirituais e assistência social, comparativamente a outras crianças e famílias.

O programa norte-americano FOOTPRINTSSM também veio confirmar esta tendência. No decurso da sua implementação houve um ganho de dias nos quais as crianças beneficiavam de intervenção paliativa, mesmo durante os tratamentos curativos: de 53 dias em 1999 para 86 em 2000 (Toce, Collins, 2003).

Em situação de doença grave, a definição de um plano de cuidados paliativos neonatais permite antecipar complicações e cenários de fim de vida. Favorece um ambiente calmo, controlado e tranquilo, propício à criação de memórias positivas. Aumenta a qualidade dos cuidados prestados a RN e suas famílias, pois responde de forma integral às suas complexas necessidades (Toce, Collins, 2003; Marck, Wolfe, 2006; Gale, Brooks, 2006).

Outra consequência do plano de ação é permitir acompanhar a família, restituindo-lhe ao máximo o controlo da situação, dando-lhe a capacitação necessária (empowerment). Segundo o estudo de Branchett e Stretton (2012) o empowerment torna-se mais forte pela transmissão da informação de forma precoce e precisa, de forma a permitir aos pais a preparação para enfrentar a situação, saber o que esperar e poder fazer escolhas (mesmo em fim de vida e de acordo com os seus desejos e valores).

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Joana Mendes- Maio 2013 – Universidade Católica Portuguesa 32 Ao capacitar os pais para a tomada de decisão (autonomia versus consentimento esclarecido) tornamo-los menos expostos, frágeis ou vulneráveis (Patrão Neves, 2009) e favorecemos um reajustamento mais eficaz ao luto. Pais menos vulneráveis atuam de forma positiva e mais contingente sobre a vulnerabilidade dos seus filhos.

O relatório da National Hospice and Palliative Care Organization enumera também vantagens económicas do ingresso precoce em programas de CPP (Friebert, 2009).

Em Portugal, a experiência da equipa de Pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, sublinha a importância que um programa de CPP. A definição de um plano de cuidados foi mais precoce e permitiu uma maior probabilidade de morrer no domicílio (19%) ou nos hospitais perto da área de residência. Possibilitou também uma diminuição do número de mortes ocorridas no departamento de Pediatria e um menor número de dias de internamento. Outro aspeto positivo do programa foi a otimização dos recursos e a melhor coordenação de todos os intervenientes (Lacerda1, et al, 2012).

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