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5 DESENVOLVIMENTO DO MODELO CONCEITUAL DE ESTUDO

5.2 Desenvolvimento de um modelo interdisciplinar

O tema comum de pesquisa definido durante as oficinas seguintes foi: “Práticas

matérias e sustentabilidade ambiental em comunidades pesqueiras do litoral do Paraná”.

O referencial teórico e as questões a serem investigadas foram trabalhadas durante seis meses, chegando-se a um “protocolo” de atividades conjuntas que daria início a coleta de dados. No entanto, no mês de agosto de 2008, ocorreu a saída da representante das Ciências Sociais do grupo de trabalho. Isso alterou significativamente o escopo do

trabalho a ser conduzido pelos dois integrantes remanescentes do grupo, determinando uma reestruturação do projeto e dos protocolos de atividades para coleta de dados. Devido à ausência da cientista social, a utilização de métodos mais complexos desta especialidade teve que ser reavaliado. Diante disso, optou-se por dar mais ênfase à coleta de dados a partir do referencial das Ciências Naturais, com os quais os pesquisadores remanescentes estão mais familiarizados, mas mantendo procedimentos menos complexos das Ciências Sócias, por exemplo, o emprego de observação participativa.

Apesar da necessária reestruturação do projeto, o conceito norteador da linha de pesquisa identificado anteriormente pelos três pesquisadores foi mantido, o qual gerou a hipótese central do estudo, assim apresentada: “As relações entre a Pesca, a Biodiversidade, a Paisagem e a Saúde são influenciadas pelas práticas matérias de maneiras distintas em diferentes comunidades pesqueiras artesanais e estas relações podem ser reconhecidas, aferidas e representadas por modelos que indicam a intensidade destas”. Esta hipótese orientou a reformulação do modelo que foi utilizado na coleta de dados que buscou avaliar a relação Sociedade-Natureza tendo como foco os interesses relacionados às formações dos pesquisadores nas áreas de Biologia e Medicina Veterinária. O tema sustentabilidade socioambiental e sua expressão nas dinâmicas da paisagem, da pesca, da biodiversidade e da saúde mostrou-se fortemente integrador para o perfil interdisciplinar desse estudo, servindo assim como um orientador na seleção das variáveis a serem consideradas na pesquisa. Com base na experiência particular dos pesquisadores, obtida em ensaios pilotos e durante outras atividades profissionais destes na região, se estabeleceu um processo de discussão que permitiu identificar os componentes e as variáveis com potencial de serem aferidos durante este estudo. Da mesma forma, essa experiência foi determinante para estabelecer as prováveis relações entre as variáveis e os componentes dentro de um sistema socioambiental particular, representado por comunidades de pescadores artesanais.

Considerando-se a complexidade real representada pelas comunidades de pescadores, foi criada uma representação esquemática das prováveis relações entre os componentes e as variáveis elencadas (Figura 1). Essa representação gráfica também teve como objetivo criar uma imagem didática da proposta de estudo e também servir aos pesquisadores como um mecanismo de validação teórica do modelo, demonstrando a possibilidade de reduzir as variáveis reais do sistema em um conjunto menor delas, o qual permitisse a análise comparativa entre as duas comunidades, como proposto inicialmente.

Setas claras indicam influência mútua; Setas escuras indicam influência sem reciprocidade evidente.

Figura 1: Representação esquemática das relações consideradas entre variáveis relativas à Paisagem, a Pesca, a Biodiversidade e Saúde, dadas pelas práticas materiais em comunidades pesqueiras.

A figura acima evidencia os grupos de variáveis que permitem caracterizar o sistema socioambiental em questão, considerando aspectos referentes à paisagem, à pesca, à biodiversidade e à saúde. Adicionalmente os grupos de variáveis selecionadas permitem traçar relações entre dinâmicas ou processos relativos aos diferentes componentes dos sistemas estudados. Essas relações podem ser representadas pela influência de um grupo de variável sobre outro de forma mútua, ao apenas em uma direção, assim como apresentado acima (Figura 1). Como exemplo, pode-se observar que há relações entre a produção de rejeitos da atividade da pesca de arrasto de camarão sobre a dieta, a saúde e a reprodução de aves marinhas. Contudo, a diversidade de aves marinhas não influencia diretamente a produção de rejeitos, mas tem relações ecológicas recíprocas com a diversidade de recursos pesqueiros no ecossistema, por meio de relações do tipo presa/predador. Portanto, o modelo prevê a análise integrada de práticas materiais, com origem na sociedade, e de processos ecológicos que refletem as relações entre diferentes grupos taxonômicos que compõem os sistemas socioambientais em estudo. Outra relação que pode ser ressaltada resulta de um conjunto de práticas

materiais particulares, associada ao impacto das condições de saneamento e dos sistemas de destinação de resíduos que afetam diretamente a paisagem e também, de forma bastante direta, a qualidade de vida e a saúde de animais e pessoas na comunidade. Adicionalmente, parte das práticas relacionadas ao saneamento e destinação de resíduos decorrentes dos processos de limpeza e preparação dos pescados para comercialização, tem influência sobre a saúde de animais domésticos, como cães e gatos, que por sua vez, em dependência dos sistemas de manejo animal, podem ter diferentes graus de impacto sobre as populações locais de aves selvagens.

Em síntese, o modelo se baseia na qualificação e quantificação de variáveis, as quais foram agrupadas no domínio dos componentes avaliados e devem indicar as relações entre estes, mais especificamente entre a Paisagem, a Pesca, a Biodiversidade e a Saúde. A seleção das variáveis, além da pertinência relacionada ao entendimento dos sistemas socioambientais, também foi orientada pela possibilidade de comparação com dados disponíveis na literatura, ou servirem de base para comparações futuras. Seguindo os critérios expostos acima, obteve-se um conjunto de indicadores formado por 13 grupos de variáveis e 45 variáveis específicas a serem explorados (Quadro 3). Cabe ainda ressaltar que essas variáveis não esgotam as possibilidades de interações entre os componentes, mas acredita-se que sejam suficientes para explorar a hipótese de pesquisa.

Quadro 3: Componentes, grupos de variáveis e variáveis específicas selecionadas. Componentes Grupos de Variáveis Variáveis Específicas

Paisagem

1. Moradias, Urbanização e Vias de Acesso

1. Tamanho das comunidades

2. Características gerais das moradias

3. Densidade e distribuição das moradias

4. Vias de acesso, tempo médio e distâncias para os centros

urbanos de referência

5. Características da vegetação

6. Outras características físico-geográficas

7. Meios Locais de transporte disponíveis

8. Sistemas de comunicação

9. Fluxo de Visitantes / Turistas

10. Serviços disponíveis na comunidade

2. Resíduos e Saneamento

11. Destino de resíduos sólidos

12. Destino de resíduos provenientes de atividades de pesca 13. Origem e qualidade da água

14. Estrutura de saneamento e destino de efluentes residenciais e outros

15. Evidências de impactos de efluentes no ecossistema 3. Uso de Recursos Naturais

16. Presença de evidências da captura de animais

17. Uso de recursos madeireiros e outros extrativismos vegetais 18. Presença e uso de trilhas nas áreas de floresta

4. Frota pesqueira 19. Características da frota de cada comunidade

Pesca

5. Artes de Pesca 20. Artes de pesca

6. Recursos Utilizados

21. Riqueza e abundância 22. Sazonalidade 23. Destino da Produção

24. Esforço de pesca / produtividade

7. Rejeitos 25. Produção de rejeitos

26. Impactos decorrentes da produção de rejeitos

Biodiversidade

8. Aves Associadas aos Ecossistemas Florestais

27. Abundância e Riqueza das Espécies de Aves Florestais. 28. Guilda das Espécies de Aves Florestais

9. Aves Associadas aos Ecossistemas Marinhos

29. Abundância e Riqueza de Espécies de Aves Marinhas 30. Interação das Espécies de Aves Marinhas com a Pesca 31. Diversidade da Dieta das Aves Marinhas

32. Dinâmicas da Reprodução de Aves Marinhas

Saúde

10. Acesso aos Serviços de Saúde

33. Presença de serviço de saúde

34. Estrutura e serviços disponíveis regularmente 11. Condições de Saúde e

Manejo de Animais Domésticos

35. Censo de animais domésticos

36. Parâmetros de manutenção dos animais domésticos 37. Práticas relacionadas à saúde dos animais domésticos 38. Identificação de problemas de saúde animal

12. Estado Físico-Clínico e Perfil Parasitário das Aves Associadas aos

Ecossistemas Florestais

39. Condições clínicas gerais: Condição corporal; Parâmetros respiratórios; Inspeção dermatológica, oftálmica e oral; e Parâmetros hematológicos

40. Prevalência do Grau de Infestação por ectoparasitos 41. Morfotipos de hemoparasitos observados

42. Morfotipos de ectoparasitos observados

13. Estado Físico-Clínico das aves Associadas aos Ecossistemas Marinhos

43. Massa dos ovos de Sula leucogaster, Fregata magnificens e Larus dominicanus

44. Massa corporal e Parâmetros Clínicos de Sula leucogaster capturados em Currais

45. Perfil geral dos registros de Sula leucogaster, Fregata magnificens e Larus dominicanus no CEM – UFPR.

Deve-se esclarecer também que as definições dos termos empregados nos componentes do modelo de estudo apresentam em comum a noção de inter-relação entre diferentes elementos que constituem a realidade, enfatizando ainda as atividades antrópicas como grandes modeladoras dos sistemas socioambientais e, em última instância, valorizam a noção de complexidade dinâmica e diversidade desses sistemas. Essas características comuns aos conceitos utilizados nesse modelo para definir a

Paisagem, a Pesca, a Biodiversidade e a Saúde foram também delineadoras das discussões que definiram a temática de pesquisa associada às práticas materiais, bem como a hipótese central desse estudo.

Assim, quando se emprega o termo Paisagem, a conotação segue fundamentalmente o conceito proposto por Bertrand (1968), que considera a considera “o

resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos ou abióticos, biológicos e antrópicos que reagem dialeticamente uns sobre os outros e fazem da paisagem um conjunto único e indissociável em perpétua evolução, numa certa porção do espaço. Destaca-se que não se trata somente da paisagem “natural”, mas da paisagem

total integrando todas as implicações da ação antrópica.

O termo Pesca, utilizado no modelo, alinha-se à definição de pesca artesanal apresentada por Andriguetto Filho (2002), que a caracteriza como sendo um “sistema

complexo, de múltiplas interações sociais e ecossistêmicas. Trata-se de uma rede de atividades onde tudo é múltiplo e de difícil abordagem pela ciência, onde a complexidade é dada, entre outras coisas, pela multiplicidade de espécies alvo, de estratégias de sobrevivência, de estratégias de captura, pontos de desembarque e redes de comercialização complexas e difusas”.

O termo Biodiversidade também é de caráter abrangente e expressa “o total de

genes, espécies e ecossistemas de uma região”. Considere-se também: “A diversidade de vida na Terra, hoje, é o produto de centenas de milhões de anos de história evolutiva; inclusive, recentemente, culturas humanas emergiram e se adaptaram aos ambientes locais, descobrindo, usando e alterando os recursos bióticos” (WRI, 1992).

O termo Saúde está em parte alinhado ao conceito da Organização Mundial de Saúde que situa a saúde ambiental como uma área de atividade que leva em consideração “fatores ambientais que podem afetar a saúde, incluindo todos os fatores

físicos, químicos e biológicos, externos a um indivíduo, e todos aqueles que geram impactos relacionados ao comportamento” (WHO, 2009). Da mesma forma, a saúde ambiental é interpretada como algo em estado de constantes alterações auto-reguladas, o que significa padrões dinâmicos e dependentes entre si relacionados ao surgimento de enfermidades e seus efeitos sobre a saúde humana, animal e vegetal “(MANGINI e

A definição dos termos escolhidos, componentes do estudo, sem empregar subcategorias analíticas, está fundamentada principalmente em duas premissas. A primeira é reconhecer que o modelo prevê e pode incluir a existência de complexidade dentro dele, independente dos rótulos dados às subcategorias. Assim, o modelo não se propõe a enquadrar essa complexidade de forma definitiva em um espaço restrito do conhecimento, mas propõe-se a utilizar categorias que aceitem diversas subcategorias em seus domínios.

A segunda é situar o modelo em um estado de generalidade, onde possa ser aceitável aplicá-lo a outros sistemas socioambientais com características semelhantes às estudadas aqui. Esta premissa baseia-se também na idéia de que a redução para níveis de hierarquia inferiores não representa necessariamente vantagem para o entendimento da complexidade, e que o interesse do estudo sobre sistemas complexos é na verdade sua organização (MAYR, 2005).