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3 O BRASIL HERDADO: PARTICULARIDADES DE UMA ECONOMIA

3.1 DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NO BRASIL, RESTAURAÇÃO

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil acontece em ritmos e tempos distintos se comparado ao continente europeu. Ora, quando “[...] o capitalismo

europeu estava em sua fase monopolista, em nosso país se vivenciava ainda a acumulação por meio de trabalho escravo” (TAVARES, 2009a, p. 251). Esse desenvolvimento tem se caracterizado especialmente pela renovação constante das formas de dependência em relação ao “mundo” desenvolvido, com a formação interna do parque industrial dependendo significativamente da incorporação de partes da estrutura produtiva, já obsoleta para os países centrais do capitalismo. Na concepção de Oliveira (2003, p. 139), esse processo tem exigido de nosso país um esforço de investimento superior às “forças internas de acumulação”, o que tem implicado, historicamente, a intensificação da dependência financeira com o exterior.

Três elementos não indissociáveis caracterizam o desenvolvimento do capitalismo no Brasil: o papel do Estado, o financiamento de longo prazo e a dependência do exterior. A inter-relação entre estes elementos explica, em grande medida, a crise brasileira. As alternativas de saída para a crise, postas em marcha, evidenciam os determinantes estruturais da ordem vigente.

Preocupado em compreender o processo de acumulação na periferia, Fernandes (1975; 1976) toma como ponto de partida de sua análise o modo como a luta de classes condiciona o processo de acumulação nesses países. O esquema analítico apresentado pelo autor permite determinar o interesse de classe em termos da posição ocupada na ordem econômica. Fernandes afirma que,

[...] o interesse de classe não abrange, apenas, probabilidades lucrativas. Pois ele compreende essa probabilidade como um de seus componentes dinâmicos. Essencialmente, o interesse de classe diz respeito às condições estruturais e funcionais da ordem econômica que garantem a continuidade da posição ocupada e das vantagens (ou desvantagens) dela decorrentes. A situação de classe define-se, por sua vez, através do grau de homogeneidade assegurado socialmente pela ordem econômica à fruição (ou ausência) de interesses de classe análogas. (FERNANDES, 1975, p. 58).

Assim, o regime de classe implica, portanto e, logicamente, a reprodução crescente da desigualdade, qualquer que seja sua natureza. Nos países dependentes, especialmente no Brasil, esta desigualdade tem sido utilizada internamente para reproduzir formas históricas de dominação, que têm contribuído

para determinar a maneira particular da acumulação interna, a condução da produção e apropriação do excedente, desde a época colonial.

Problematizando o que muitos autores denominam e reconhecem como a “Revolução Burguesa no Brasil50”, ocorrida nos anos 1930, Iamamoto tem afirmado que: “[...] as desigualdades de temporalidades históricas têm na feição antidemocrática assumida pela revolução burguesa no Brasil um de seus pilares” (2008, p.130). Significa afirmar que as grandes decisões que envolviam o destino da vida nacional se deram de forma isolada e sob o domínio das grandes elites, não deixando espaço para processos populares participativos nas grandes decisões, configurando o que a autora designa “[...] deliberações de cima para baixo”, destituídas historicamente “[...] da cidadania social e política” (IAMAMOTO, 2008, p. 130).

Na abordagem de Fernandes (1976), há uma dissociação entre desenvolvimento capitalista e democracia, resultante da política da forma própria de acumulação do capital nos marcos do capitalismo dependente. Para o autor, a revolução democrática constitui um processo de mudança social que pode ocorrer seja pela negativa da própria dependência, realizada no âmbito de uma revolução interna, seja pela via da revolução socialista, com a negação completa das determinações capitalistas.

Um ponto particular da análise de Fernandes merece ser ressaltado em nossa discussão: o processo de transição do capitalismo competitivo para o monopolista no Brasil, o qual acontece mediado pelas movimentações das corporações e/ou de suas filiais. Assim, a expansão monopolista se ergue, segundo “[...] a forma típica que ela assumiu com referência à parte mais pobre, dependente e subdesenvolvida da periferia” (FERNANDES, 1976, p. 255). O objetivo inicial, segundo o autor, foi claro: explorar uma série de objetivos com fins especulativos a exemplo, dentre outros, da produção e fornecimento de energia, da operação de serviços públicos, como transportes, gás, telefones, etc.; além da exportação de produtos agrícolas, ou mesmo derivados industrializados; da produção industrial de bens de consumo, semiduráveis e duráveis, para o atendimento do mercado interno.

Dessa forma, até a Segunda Grande Guerra, a lógica que pautou o desenvolvimento do capitalismo no Brasil possibilitou a drenagem de parte significativa dos excedentes para fora. Na análise de Fernandes, essa lógica contribuiu para “[...] dar vitalidade ao padrão de desenvolvimento econômico inerente ao capitalismo competitivo dependente” (FERNANDES, 1975, p. 255).

Prado Jr (1970) também, a seu modo, nos oferece contribuição primorosa na interpretação do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Ao nos apresentar o subdesenvolvimento consubstanciado na formação de uma “conjuntura mercantil” precária, nos expõe não somente as debilidades do mercado interno como também nos remete ao entendimento das relações da economia com o mercado externo, demonstrando a usurpação pelo capital especulativo, das potencialidades internas das economias nacionais. O autor explica-nos que o capital internacional, ao não fixar raízes nos espaços econômicos nacionais, se insere nestes em busca de possibilidades de reprodução acentuadas, explorando sobremaneira o que é próprio de cada país. A volatilidade o permite abandonar esses mesmos espaços quando lhe apraz. Nas palavras do autor:

O que conta nele são os braços que podem ser mobilizados para o trabalho, as possibilidades naturais que seu solo encerra, o consumidor potencial que nele existe e que, eventualmente, uma campanha publicitária bem dirigida pode captar. Mas estes mesmos valores são por si, nada; porque contam unicamente como parcelas de um conjunto que abarca o mundo e somente nele representam algum papel (1970, p. 213).

De fato, o processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro tem se centrado na desigualdade, e não poderia se dar de outra forma, considerando a posição histórica deste país, no âmbito da economia capitalista, e da própria lógica fundada de acumulação do capital. No entanto, uma particularidade distingue o processo de acumulação no Brasil dos demais: a constituição em solo brasileiro, de uma espécie de pacto estrutural, cujo sentido político mais profundo foi “mudar definitivamente a estrutura do poder, passando as novas burguesias empresário- industriais à posição de hegemonia” (OLIVEIRA, 2003, p. 65).

Este processo demandou o aniquilamento de algumas regras vigentes no período agroexportador, sem, no entanto, configurar a extinção da forma de

acumulação antiga. Em 1930, ocorre, na verdade, a inauguração de um período relativamente longo de coexistência de políticas aparentemente distintas, ao mesmo tempo inter-relacionadas. (OLIVEIRA, 2003). Como compreender esse período? Explica-nos Oliveira, que o Brasil para assegurar a capacidade de importação continuou dependente da produção para exportação, materializada pela oferta de produtos agropecuários. A produção e venda desses produtos no exterior eram a garantia de entrada de divisas, o que inegavelmente beneficiou à empresa industrial que então se instalava. Para o autor, esse marco diferencia o processo de acumulação vivenciado no Brasil, do modelo clássico de acumulação do capitalismo. É importante resgatar essa característica para colocarmos em pauta a discussão do papel histórico do Brasil na divisão internacional do trabalho, cujas características remontam a essa época, salvo particularidades do atual momento histórico.

A estruturação industrial-urbana centrada nos setores secundário e terciário figura como elemento importante desse processo referenciado por Oliveira (2003), embora o autor ressalte a incapacidade inicial do setor secundário em criar empregos, provocando certo inchaço do setor terciário. Em se tratando desse ponto em específico, a instauração do código de leis do trabalho passa a estabelecer as novas formas regulatórias para a relação capital/trabalho. Na aparência, essas leis tidas como “protetoras” do trabalho garantiam a estabilidade do trabalhador; na essência criavam as bases de cálculo para o nivelamento do preço da força de trabalho – diga-se – em um nível favorável a acumulação capitalista.

A crescente população que aflui às cidades passa a constituir um exército de reserva para o capital, além de fomentar a proliferação de favelas e de áreas de moradia precária onde passam a viver contingentes de migrantes. A autoconstrução de moradias destaca-se como a principal saída encontrada por muitos para garantir espaço onde morar nas cidades. O que igualmente representou uma contraforça à valorização do trabalhador da cidade, já que essa massa atuou na manutenção dos baixos salários, depreciando-os em termos reais. A maior parte das moradias populares construídas em nossas cidades revela a ausência de políticas habitacionais, compelindo os trabalhadores à construção de suas próprias moradias.

Oliveira (2003) ressalta que, embora se falasse em Reforma Agrária no campo, essa não ocorre. As forças sociais da época não foram capazes de enfrentar setores tradicionais que se opunham a tal mudança. Dessa forma, a industrialização faz aumentar as desigualdades na zona rural e impulsiona maciçamente a emigração da população do campo para as cidades, as quais crescem em ritmos acelerados, havendo descompasso entre expansão urbana e instalação de infraestruturas.

Em análise do período em foco (1930/40), Pochmann relata que no Brasil, ocorreu a internalização da sociedade salarial, com o trabalho deixando de ser subordinado à velha sociedade agrária, com mudanças significativas frente ao avanço da propriedade social, para o autor, mediada “[...] pela difusão do emprego assalariado com carteira assinada e pelos diversos mecanismos urbanos de proteção e segurança societal” (2010, p. 12). No entanto, ressaltamos que nesse movimento, a tentativa de estruturação da sociedade salarial, só se operou de forma limitada. A geração de ocupações formais se deu em maior medida na região dinâmica do país – o centro Sul – nas cidades onde se agrupavam a produção industrial. Ademais, “o abandono do compromisso político do elevado crescimento econômico inviabilizou a possibilidade de continuar o movimento de estruturação da sociedade salarial” (POCHMANN, 2010, p.24). Logicamente, não foi possível expandir tal movimento às outras regiões do país de maneira homogênea.

O pioneirismo das ações da época foi também ressaltado por Pochmann (2010), em que fizeram surgir em 1923, a Lei Eloy Chaves (base da previdência social), bem como a própria CLT, em 1943. Desde então, o Estado centraliza ações no emprego assalariado urbano, na regulação do mercado de trabalho, servindo este de ponto de referência à conformação de um sistema de proteção social e trabalhista, que de início descaracterizou o homem do campo, relegando-o ao abandono.

Nesse momento histórico de reprodução capitalista, o papel desempenhado pelo Estado ganha destaque, justamente por este passar a regular o preço da força

de trabalho e a destinar investimentos em infraestrutura51, subsidiando a empresa industrial, colocando-a no centro de tudo.

De igual modo, o papel da agricultura nesse processo não pode ser minimizado. Autores como Oliveira (2003); Fernandes (1975); dentre outros, destacam o papel da agricultura, revelando a importância da manutenção, ampliação e combinação do padrão primitivo com novas relações de produção no setor agropecuário, o que representou ganhos para os setores urbanos. Embasado por esse entendimento, Oliveira ressalta duas funções da agricultura em evidência, com incidência qualitativamente distinta – nesse processo de acumulação:

[...] de um lado, por ser o subsetor dos produtos de exportação, ela deve suprir as necessidades de bens de capital e intermediários de produção externa, antes de simplesmente servir para o pagamento dos bens de consumo; desse modo, a necessidade de mantê-la ativa é evidente por si mesma. [...] De outro lado, por ser subsetor de produtos destinados ao consumo interno, a agricultura deve suprir as necessidades das massas urbanas, para não elevar o custo da alimentação, principalmente e secundariamente o custo das matérias, e não obstaculizar, portanto, o processo de acumulação urbano industrial [...] (OLIVEIRA, 2003, p. 42).

A maneira como esses autores descrevem esse momento, nos conduz ao entendimento do porquê Mello (2009, p. 89-90) referenciou o período pós-1930 até 1955, como um desenvolvimento industrial com caráter restrito. Apesar de esta dinâmica ter marcado o fim do modelo agroexportador predominante até então, tratou-se de um processo de industrialização ainda “restringido52”.

51 Destaca Oliveira que o investimento em infraestrutura segue acompanhado de uma

imposição de confisco cambial ao café, para com isso, “[...] redistribuir os ganhos entre os grupos das classes capitalistas, rebaixando o custo de capital na forma do subsídio cambial para as importações de equipamentos para as empresas industriais e na forma da expansão do crédito a taxa de juros negativas reais, investindo na produção (Volta Redonda e Petrobras, para exemplificar), o Estado opera continuamente transferindo recursos e ganhos para a empresa industrial, fazendo dela o centro do sistema” (OLIVEIRA, 2003, p. 41).

52Mello (2009) utiliza este termo para fazer referência à limitada base técnica e financeira de

acumulação interna que se revela insuficiente para possibilitar vias mais amplas de desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, mesmo considerando que a acumulação passa a se assentar, desde então, na expansão industrial. Tal estrutura impede a constituição de uma indústria de bens de produção, considerada condição necessária para

No âmbito de um desenvolvimento ainda incipiente, a universalização do bem-estar social não pode se materializar; a desigualdade social e a pobreza despontam no Brasil como expressão de um desempenho econômico ínfimo. Ocorre a prevalência da “[...] ação de políticas sociais subordinadas ao imperativo do crescimento econômico, o que tornou a mobilidade social individual uma das poucas alternativas ao conjunto da população de melhora no padrão de vida” (POCHMANN, 2010, p.17-180). Esse movimento reproduz uma herança de relações sociais desiguais, que persistem mesmo em períodos de alto crescimento econômico, recolocando o debate da desigualdade para além das altas taxas de crescimento, elevando a discussão também para o campo da distribuição da riqueza.

Somente pelas mãos de Kubitschek e do seu plano de metas (1956-60) e através de medidas executadas no período dos chamados cinquenta anos em cinco, o Brasil vivencia momentos de aceleração capitalista. O desenvolvimento industrial permitiu “[...] taxas anuais de crescimento médio no período 1955-1962 [que] atingiram 26,4% e 23,9% respectivamente.” (REGO; MARQUES, 2006, p. 100). Uma particularidade desse momento: a intensificação dos coeficientes de inversão para acelerar as etapas que fomentam o parque produtivo brasileiro se estabelece mediante a articulação entre a empresa privada nacional, a grande multinacional e a empresa pública. Este tripé “[...] juntamente com a preservação do velho sistema bancário nacional, cindido do capital industrial, vai definir as bases da acumulação capitalista brasileira” (GOLDENSTEIN, 1994, p. 65-66). Tratou-se de se acrescentar forças à reprodução capitalista no espaço nacional, tendo em vista que destas dependia a continuidade das etapas previstas pelo plano de metas, considerando a debilidade interna de impulsão desse processo. Nesse sentido, o capital externo foi considerado pelo governo forte impulsionador das atividades produtivas. Na descrição de Ianni (1965, p. 89), a importância maior veio dos Estados Unidos, participação esta que alcançou 32% do total dos investimentos estrangeiros em 1960.

consolidar uma capacidade produtiva compatível com a demanda gerada no interior da sociedade brasileira.

As implicações desse novo movimento que objetivou dar impulsão às atividades industriais produtivas no Brasil, se fazem evidentes: o governo brasileiro perdeu o controle da nova estrutura de produção, o ritmo e o sentido da industrialização a partir da reintegração no sistema internacional, passavam pela gerência dos fluxos do capital externo. Esse processo resulta, futuramente, na consolidação da Oligopolização internamente, com grandes ramos industriais passando a ser comandados por um reduzido número de grandes empresas. Problematizando esse período e as relações estabelecidas entre Brasil e o capital externo, Ianni (1965) afirma que em virtude de alguns centros de decisões terem sido internalizados somente na aparência, nosso país não pode considerar-se autônomo em seu desenvolvimento econômico. Para este autor, a “[...] política econômica é um processo político que envolve as classes sociais no Brasil e a burguesia industrial e financeira internacional”. (IANNI, 1965, p, 93). Intensifica, portanto, o Brasil, os laços de sua dependência, sob base de novos elementos, novas determinações.

O Brasil, no fim da década de 1950 e início da década de 1960 foi palco de grande efervescência política e de intensas transformações econômicas. Do lado econômico, no início dos anos 1960, ocorre a recessão, anunciada pela queda nos níveis de investimentos e no ritmo de crescimento apresentado em 1962. Do lado político, a sociedade brasileira atravessa grande instabilidade, com a instauração do regime militar, em 1964. As manifestações populares e democráticas foram reprimidas veementemente. O Estado se encontra livre para materializar o projeto de expansão capitalista no Brasil, por meio da internacionalização da nossa economia. As medidas empreendidas desde então foram claras: “[...] a restauração do equilíbrio monetário, isto é, a contenção da inflação, como recriação do clima necessário à retomada dos investimentos públicos e privados” (OLIVEIRA, 2003, p. 93). O programa impulsionador desse processo, escrito e avaliado em diversos livros de economia brasileira, consubstancia o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG53. Trata-se de um novo passo no processo de industrialização

53 Elaborado para o período 1964-1966 pelos ministros brasileiros Roberto Campos

(Planejamento) e Octávio Gouvêa de Bulhões (Fazenda), tinha o objetivo de interpretar o desenvolvimento recente do país e formular uma política capaz de eliminar as fontes internas de estrangulamento que haviam bloqueado o crescimento econômico desde 1962. (SANDRONI, 2008, 618).

brasileiro, o qual propicia a intensificação da entrada do capital estrangeiro no país, com o objetivo de dar novo fôlego ao antigo padrão de financiamento do desenvolvimento.

Problematizando os acontecimentos da década, Goldenstein afirma ainda que (1994, p.75), “a nova estrutura do sistema financeiro, a farta liquidez que a acompanhava, o ‘controle’ e o ‘milagre54’ econômico somavam-se na contribuição para a ilusão geral de que o PAEG havia montado um ‘padrão de financiamento novo e eficiente55”. Engano evidenciado de forma clara, a partir de 1974, quando a economia brasileira começa a dar sinais de reversão do seu ciclo expansivo. A inflação reaparece e o sistema financeiro montado na década de 1960 revela a perda de sua funcionalidade, acarretando sérios problemas à expansão da acumulação.

O forçoso salto estatal, no governo Geisel, representado pela implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, em 1975-1979, cuja finalidade era completar a matriz industrial brasileira exige investimentos vultosos e superiores à capacidade interna. De acordo com Rego e Marques (2006, p. 100), no II PND, a “[...] maioria dos investimentos para o crescimento industrial estava direcionada ao departamento I da economia, produtor de bens de capital e bens intermediários”. A constatação da incapacidade efetiva interna na composição de um padrão de financiamento leva o Estado brasileiro a recorrer ao capital estrangeiro, para acrescentar forças ao processo interno de acumulação. O Estado é então levado a firmar acordos em condições financeiras de alto risco (GOLDENSTEIN, 1994). De fato, cumprem-se algumas das prioridades estabelecidas, ou seja, a intensificação das relações com o capital estrangeiro, o que logicamente abre caminhos para que este amplie a exploração da força de trabalho interna no país e solape o social, já fortemente degradado.

54 Milagre Econômico, iniciado em fins da década, especificamente compreendido entre

1968-1974, período de intenso crescimento do Produto Interno Bruto – PIB e de expansão da produção industrial.

55 Neste ponto, convém destacar a descrição e análise de Goldenstein para quem: “[...] nos

momentos de farta liquidez internacional, o Estado brasileiro, aprofundou os laços de dependência, aparece como todo poderoso, que distribui recursos para todos os setores capitalistas. Sua verdadeira fragilidade só vem à tona nos momentos de restrição de liquidez internacional, quando se aprofunda a disputa interna por recursos, os quais não possui, às custas do comprometimento da capacidade de acumulação em longo prazo” (1994, p. 67).

A constituição do parque produtivo brasileiro longe de melhorar a situação da massa de trabalhadores, com a instituição das leis do trabalho e a oferta de ocupação na cidade, comparado à difícil situação dos trabalhadores do campo significa níveis intensos de exploração do trabalho e de expansão da superpopulação relativa. Nesses termos, Oliveira (2003, p. 126) nos remete à análise da expansão da acumulação no Brasil, considerando-a como um processo que permite ampliar a taxa de exploração da força de trabalho, lógica obscurecida pela já explicitada mobilidade social do período. Para tal análise, o autor se apoia no exame dos salários reais dos trabalhadores urbanos: “[...] o nível do salário mínimo real em 1968 era ainda mais baixo que em 196456”. Esta situação se perpetua, segundo Pochmann (2010, p. 21) até 1985, quando a participação dos rendimentos do trabalho cai, consideravelmente, para 50% da renda nacional (1964-1985). No mesmo período, o índice de Gini alcança a marca de 0,6. (POCHMANN, 2010, p.21). Reiteramos aqui o abordado anteriormente: ao considerar apenas os rendimentos do trabalho, este índice “[...] expressa, em grande medida, a distribuição intra-salarial da renda” e, não a desigualdade no país como um todo. (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p.209).

A incapacidade de a economia enfrentar uma série de contradições internas que a debilitavam, transforma-se em um dos principais elementos que dilui o