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Desenvolvimento Humano e Contexto Social

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CAPÍTULO II A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE NOS GRUPOS DE GANGUE

2.2 Desenvolvimento Humano e Contexto Social

Há uma relação inseparável e constante entre os mundos circunscritos aos âmbitos social e individual no desenvolvimento dos seres humanos.

Por sua vez, o contexto social do homem constrói sistemas apoiados na cultura e na história de nossa sociedade. De acordo com Cupolillo (2003), entre o meio e o homem está o mundo social, que retrata e orienta tudo o que parte do homem para o mundo, e do mundo para o homem. Nesse sentido, Contini (2002) afirma que não é possível falar do mundo interno sem falar do mundo social que o constitui, pois o fenômeno psicológico deve ser compreendido como algo constituído nas e pelas relações sociais e materiais, englobando o subjetivo e o objetivo, aspectos de um mesmo movimento de construção.

Moraes e Nascimento (2002) tecem reflexões acerca da transformação da sociedade capitalista e sua complexa articulação com a produção de subjetividades contemporâneas, o que revela profundas mudanças nos modos de se compor os movimentos sociais fundados, a partir de sistemas de valores, estruturas ideológicas, políticas e econômicas. Estes autores entendem, com base em premissas foucaultianas, que a produção de subjetividade está intimamente vinculada aos sistemas e às estruturas da sociedade capitalista, que atualmente descreve mecanismos de poder impostos e naturalizados, definida por eles como sociedade de controle dos riscos.

Muitos estudos têm-se dirigido na vertente da inter-relação entre a constituição do sujeito, a sociedade e a produção de subjetividades. Isto nos permite destacar a importância desta temática, embora a revisão da literatura indique diferenças de abordagens e, por vezes, visões distintas, já que o tema da subjetividade é um sistema em desenvolvimento e encontra expressividade em perspectivas da Psicanálise, Histórico-Cultural e Sociológica. Pudemos constatar que nas obras mais recentes a subjetividade aparece como um conceito estudado em

diferentes contextos históricos e sociais.

Guattari é um autor que considera em sua reflexão teórica a articulação da produção da subjetividade com os complexos processos sociais. Sua obra é de grande valor heurístico pois propõe uma visão crítica à epistemologia psicanalítica difusora de um “universalismo totalizador das construções freudianas e lacanianas” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 97). O conceito de subjetividade capitalista é construído em sua obra a partir de um pensamento que integra uma visão crítica da ciência e das noções produzidas quanto ao fenômeno psicológico, desta forma, referindo-se ao social como fundamental no processo de constituição da subjetividade individual, o que ele relaciona à “singularização”, assim compreendida:

Uma maneira de recusar todos esses modos de encodificação preestabelecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir, de certa forma, modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular. Uma singularização existencial que coincida com um desejo, com um gosto de viver, com uma vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedade, os tipos de valores que não são os nossos. (GUATTARI e ROLNIK, 1986, p. 17)

Ao se referir à subjetividade como essencialmente “fabricada e modelada” por determinada constituição social, Guattari dimensiona a idéia de uma subjetividade de natureza industrial e “maquínica”, ou seja, produzida por sistemas do tipo “capitalismo” que se caracteriza pela produção industrial e em escala internacional. Assim, este estudioso fornece alguns subsídios para a análise de questões como o movimento de gangues em nossa estruturação social e cultural na conjuntura histórica engendrada pelo capitalismo mundial. As dimensões maquínicas de subjetivação, nessa ordem sócio-cultural, assimila “a heterogeneidade dos componentes que concorrem para a produção de subjetividade.” (GUATTARI, 1992, p. 17). Neste trabalho também é levada em conta essa heterogeneidade ao pesquisarmos o sujeito participante de gangue e sua configuração subjetiva.

Podemos pensar que a expressão grupos de gangue, enquanto modos de organização individual e coletivo diante de uma dada situação social do desenvolvimento dos sujeitos, é produto da subjetivação capitalística, tratando-se de “sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias que definem a maneira de perceber o mundo” (GUATTARI & ROLNIK 1986, p.27).

A subjetividade capitalística é fonte constituída e construtora de novas práticas sociais, articulando processualmente agentes individuais e grupais na criação de múltiplos sistemas gerados na emocionalidade, na produção ideológica, no sistema de valores, nos modelos políticos e econômicos, na estrutura organizacional da sociedade e seus agentes, na visão dos sistemas biológicos, corporais, etc.

Na atualidade as gangues integram no cenário do capitalismo uma prática social inerente à realidade da população jovem imersa em uma cultura de massa muito centrada no consumismo, em um esvaziamento do ser e no culto ao ter. E é neste contexto que a subjetivação capitalística produz grupos de minorias excluídas, sendo as gangues um espaço representativo dessa subjetivação, pois, de acordo com Guattari (1986, p. 26), o sistema capitalista produziu suas margens, equipando, de algum modo, novos territórios subjetivos, como os indivíduos, as famílias, os grupos e as instituições sociais, as minorias, etc.

Os territórios subjetivos ou espaços sociais de subjetivação , a exemplo da família, da escola e da gangue são elementares para o norteamento das análises sobre a constituição da subjetividade dos sujeitos participantes de gangues. Esses sujeitos compartilham das “realidades social, econômica e cultural como dimensões constituintes do mundo psicológico” (CUPOLILLO ET AL., 2004), conduzindo à recursividade da interconexão entre subjetividade individual e social.

Para acessar as subjetividades social e individual, González Rey (2004, p. 141) propõe que se considere a complexidade do sistema subjetivo com “dois espaços de constituição

permanente e inter-relacionados: o individual e o social, que se constituem de forma recíproca e, ao mesmo tempo, cada um está constituído pelo outro”.

O contexto social dos homens é perpassado pelas condições objetivas de vida organizadas no registro da produção Histórico-Cultural nos níveis individual e coletivo. Assim, a subjetividade social e individual é integrante do mesmo sistema. Segundo González Rey (2003, p. 215):

O conceito de subjetividade social integra os elementos de sentido subjetivo que, produzidos nas diferentes zonas da vida social da pessoa se fazem presentes nos processos de relação que caracterizam qualquer grupo ou agência social no momento atual de seu funcionamento.

Da mesma forma, a subjetividade social aparece constituída de forma diferenciada nas expressões de cada sujeito concreto, cuja subjetividade individual está atravessada de forma permanente pela subjetividade social.

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Ao se aproximar da pluridimensão da constituição humana, olhando o indivíduo na simultaneidade da determinação histórica, cultural e social, o conceito de subjetividade social permite-nos visualizar as gangues para além da constituição dos indivíduos que as integram,

O grupo de gangue é dotado de estrutura e modelos de organização e reorganização do contexto de desenvolvimento humano. Essa organização grupal se insere em uma ordem social constituída historicamente e integrada pelas vivências dos sujeitos nela envolvidos. Dir- se-ia, então, que no grupo de gangue os sujeitos vivenciam uma realidade repleta de contradições da condição social do homem, gerando uma integração complexa do individual com o social. Assim, compreender que a gangue gera e é gerada por uma subjetividade social, atravessada por sentidos configurados social e individualmente, é ponto relevante à análise do presente estudo.

2.3 O Sujeito e o Grupo de Gangue

Quem é o sujeito que participa de grupos de gangue? Como ele se constitui em sua realidade objetiva e subjetiva?

Sem dúvida, é necessário percorrermos a visão científica norteadora da noção de sujeito neste estudo. Pensar a subjetividade dentro da perspectiva Histórico-Cultural é vincular-se ao sujeito, pois este representa ativamente os processos de subjetivação. De acordo com González Rey (2004), o sujeito coloca-se tanto ao nível social quanto ao nível individual como indivíduo ou grupo que legitima seu valor, gerando de modo singular suas ações, mantendo sua identidade “através dos vários espaços de contradições e confrontações que necessariamente caracterizam a vida social” (p. 153).

O homem se faz sujeito de modo particular e individual, concomitantemente, na vivência de suas experiências, pois é um ser riquíssimo com questões em sua existência que vão além dos dados objetivos e aparentemente observáveis. Isto porque a idéia de sujeito abarca um pensamento complexo, ou seja, um pensamento capaz de associar contradições, ambivalências, incertezas advindas das ordens biológica e subjetiva, conforme analisa Morin (1996).

Petraglia (2001, p. 57) ao se referir à noção de sujeito no pensamento de Edgar Morin, afirma:

Morin apresenta as características não elementares da individualidade, explicando que todo indivíduo constitui-se de características infra, extra, supra, meta-individuais, que correspondem respectivamente aos seus elementos químicos, na infra, ao ecossistema, na extra e à sociedade em que está inserido, na supra e meta. Essas características particulares do indivíduo ao mesmo tempo que o singulariza, o distingue e diferencia, não enquanto membro de uma categoria pertencente à espécie, mas como autor de seu processo organizador, que o torna sujeito.

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