• Nenhum resultado encontrado

Desenvolvimento moral em Lawrence Kohlberg (E.U.A., 1927 a 1987)

Capítulo 1: Filosofia e psicologia moral

1.3 Desenvolvimento moral

1.3.2 Desenvolvimento moral em Lawrence Kohlberg (E.U.A., 1927 a 1987)

Primeiramente, faremos uma breve descrição biográfica de Kohlberg e em seguida, a teoria do desenvolvimento moral. Os dados biográficos são baseados em Viganò (2000) e Biaggio (2002). Trata-se de um autor pouco conhecido no Brasil, não havendo obras traduzidas para o português. Contudo, a psicóloga Ângela Biaggio procurou divulgar a teoria de Lawrence Kohlberg a partir de suas pesquisas no campo do desenvolvimento moral, além do livro Biaggio (2002). Juntamente com outros pesquisadores, Biaggio também procurou relacionar a teoria de Kohlberg com temáticas ambientais (BIAGGIO, 1997; BIAGGIO et.

al., 1998; BIAGGIO et. al., 1999; BIAGGIO et. al., 2002).

Em 25 de outubro de 1927, nasceu Lawrence Kohlberg na cidade de Bronxville nos Estado Unidos da América. Kohlberg é o mais novo dos quatro filhos de Alfred Kohlberg, um empresário judeu alemão, e Charlotte Albrecht, uma química alemã cristã. Aos cinco anos, com a separação de seus pais, enfrentou uma situação dilemática: se decidisse ficar com sua mãe, não teria qualquer apoio financeiro de seu pai. As crianças continuaram com o pai e, em seguida, de acordo com os testemunhos dos irmãos, Kohlberg prometeu suavizar as tensões surgidas entre os membros da família. Ele exerceu muitas vezes um papel de mediador entre as atitudes conflitantes, assumindo uma posição-chave no sistema de relações domésticas. Quando tinha quatorze anos, seus pais se divorciaram definitivamente.

Kohlberg frequentou a escola secundária na Phillips Academy em Andover, Massachusetts, que era uma escola preparatória de elite. Ele serviu na marinha mercante ao fim da segunda guerra mundial. Trabalhou por um tempo com a Haganah, organização paramilitar judaica de caráter sionista, em um navio contrabandeando refugiados judeus da Romênia através do Bloqueio Britânico na Palestina. Foi capturado pelos britânicos e mantido em um campo de internamento em Chipre do qual, mais tarde, escapou com outros membros da tripulação. Kohlberg esteve na Palestina durante os combates em 1948 para estabelecer o

estado de Israel, mas se recusou a participar e se concentrou em formas não-violentas de ativismo. Ele também viveu em um kibutz israelense durante este tempo, até que foi capaz de retornar à América em 1958 (SNAREY, 2012). Nesse ano, ele se matriculou no curso de Psicologia da Universidade de Chicago, onde obteve boas notas, o que fez com que ele concluísse o curso em um ano.

Continuou seus estudos na pós-graduação, momento no qual Kohlberg pretendia tornar-se psicólogo clínico. Contudo, as teorias sobre o desenvolvimento moral de Piaget lhe chamaram bastante atenção. Encontrou uma abordagem acadêmica que foi central ao raciocínio do indivíduo na tomada de decisões morais e resolveu estudar o desenvolvimento moral. Sua tese de doutorado de 1958 apresentou estágios do desenvolvimento moral, baseado em entrevistas com 72 meninos de Chicago, sendo essa a primeira fase de investigação. Nessa pesquisa, se utilizou do dilema de Heinz, que remonta uma situação em que o marido rouba remédios para salvar a vida de sua esposa doente. Na época, essas teorias contrastavam com as abordagens psicológicas do behaviorismo e da psicanálise, que explicavam a moralidade como internalização de regras culturais ou parentais externas, através do ensino com reforço e punição ou identificação com uma autoridade parental, respectivamente (VIGANÓ, 2000). Numa segunda fase de pesquisa, Kohlberg e uma equipe de estudantes entrevistaram sujeitos provenientes de outras culturas. Essas entrevistas continuaram a comprovar a veracidade e validade da teoria de Kohlberg quanto aos estágios do desenvolvimento da moralidade.

Viganò afirma que a vida de Kohlberg pode demonstrar um exemplo da teoria, pois foi marcada por transições de uma fase para outra, indicando uma perda e um reajuste, ou seja, uma mudança geral na maneira que se pensa uma ação. A premissa fundamental de Kohlberg é que uma estrutura organizacional, conhecida como estádio, anterior não se perde ao longo do desenvolvimento humano, mas esse é revisto e integrado na aquisição de um estádio posterior, ou mais avançado.

A teoria de Kohlberg pressupõe uma sequência invariável, hierárquica e universal de estágios de desenvolvimento do julgamento moral (BIAGGIO, 2002), sendo seis estágios distribuídos em três níveis: pré-convencional, convencional e pós-convencional. O nível pré- convencional é característico da maioria das crianças até 9 anos de idade, de alguns adolescentes e de diversos criminosos adolescentes e adultos. Nesse nível, o jovem leva em consideração as normas culturais, as classificações de bem e mal e de certo e errado, entretanto interpreta tudo isso apoiado nas consequências hedonísticas da ação como punição,

recompensa e troca de favores. Também podem se fundamentar no poder físico daqueles que estipulam as normas, adultos, por exemplo. Há dois estágios que compõem esse nível: estágio 1 e estágio 2 (DUSKA e WHELAN, 1994). No estágio 1, conhecido como orientação para a punição e obediência, a moralidade de um ato é definida por meio das consequências físicas para o agente. A ação tendo punição é considerada como moralmente incorreta. Mas, se a ação não provocou punição, é vista como moralmente correta (BIAGGIO, 2002). No estágio 2, hedonismo instrumental relativista, a ação é considerada moralmente correta fundamentada no prazer e satisfação das necessidades da pessoa. A igualdade e a reciprocidade funcionam como aquela expressão “olho por olho, dente por dente”, ou seja, “você me ajuda e assim eu te ajudarei”. Não há lealdade, gratidão ou justiça.

No nível convencional, a ação se define como uma aprovação social, isto é, age-se de determinado modo a partir da lealdade que se tem por uma norma instituída no grupo social em que o sujeito está inserido. Este nível é constituído pelos estágios 3 e 4. O estágio 3, denominado de orientação interpessoal do “bom menino, boa menina”, considera as intenções que mobilizam um determinado comportamento. A “boa intenção” torna-se algo importante (DUSKA e WHELAN, 1994, p. 57). O estágio 3 é encontrado em adolescentes de um modo geral. O estágio 4, orientação à lei e à ordem constituída, se refere ao respeito às regras estabelecidas em um contexto social. A justiça permeia a relação entre o indivíduo e o sistema, não mais entre indivíduos. Há uma necessidade de manter a ordem social única, pois não se trata de uma escolha pessoal moral. O estágio 4 ocorre mais frequentemente em adultos.

O nível pós-convencional refere-se aos sujeitos que agem com autonomia ou a partir de um princípio. Poucos sujeitos atingem esse nível do desenvolvimento moral. Esse nível é formado pelos estágios 5 e 6. No estágio 5 a ação correta tende a ser definida em termos de direitos gerais do indivíduo e modelos criticamente examinados e convenientes à sociedade (p. 57). O sujeito pode considerar as leis injustas e que, portanto, devem ser modificadas. Pretende-se alcançar a mudança por intermédio de meios legais e contratos democráticos (BIAGGIO, 2002, p. 27). O estágio 6, conhecido por orientação ao princípio ético e universal, é caracterizado pelo sujeito possuir princípios universais de justiça, reciprocidade e igualdade. Caso não haja a possibilidade de modificar as leis consideradas injustas através dos meios legais, o indivíduo resiste a essas leis. É a moralidade da desobediência civil, dos mártires e

revolucionários pacifistas e daqueles que são fiéis aos seus princípios em vez de ficarem conformados com a ordem estabelecida socialmente.

Cada estágio emergiu de julgamentos morais que os entrevistados apresentavam diante de dilemas morais. Um dilema moral relata uma situação real em que é oferecido ao sujeito de pesquisa uma oportunidade de escolha, seguido de um inquérito (entrevista) que busca levantar as razões das escolhas feitas. O dilema moral é, portanto, um instrumento que o pesquisador usa para conhecer o pensamento do sujeito por meio de intervenções sistemáticas, por meio de novas perguntas a partir das respostas para buscar afirmação e coerência do pensamento (QUEIROZ e LIMA, 2010). De acordo com Kohlberg, o indivíduo atingiu a maturidade moral quando ele tem a capacidade de entender que a justiça não é o mesmo que a lei (BIAGGIO, 1997).

Blatt e Kohlberg (1975, apud BIAGGIO et. al. 1999, p. 224) estudaram técnicas de dinâmica de grupo em escolas para estimular a maturidade de julgamento moral. A atividade se desenrola em grupos de dez a doze pessoas de distintos estágios de desenvolvimento moral para discutir dilemas hipotéticos, sob a coordenação de um psicólogo, professor ou orientador educacional. Este profissional faz uma mediação da discussão e profere argumentos típicos de estágios superiores propostos por elementos do grupo ou pelo próprio coordenador. Essa atividade é desenvolvida durante diversas sessões semanais no decorrer do semestre ou do ano letivo e tem tido sucesso em obter a progressão para estágios mais elevados. Biaggio et. al. (1999) afirmam que muitos Programas de educação moral têm incorporado essa técnica de elevação de estágio do desenvolvimento moral.