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Nível 2.1: transição entre o raciocínio ecológico-moral biocêntrico e ecocêntrico

Capítulo 6: Níveis de desenvolvimento da moral ecológica

6.4 Nível 2.1: transição entre o raciocínio ecológico-moral biocêntrico e ecocêntrico

Aqui são manifestadas opiniões que expressam valor intrínseco da natureza em duas esferas. A primeira considera importante uma determinada espécie que será privilegiada, e, por conseguinte, protegida em uma situação de conflito. E a segunda parte do reconhecimento da interdependência entre os seres vivos, incluindo o ser humano, logo, o conjunto sistêmico requer consideração moral (RAYMUNDO, 2015).

Nesse nível, encontrou-se uma transitoriedade entre o raciocínio que se preocupa mais com o bem-estar de um indivíduo, o biocêntrico, com o raciocínio que expressa

reconhecimento da importância do equilíbrio ecológico, ou seja, entre as espécies de seres vivos e os fatores físico-químicos, o ecocêntrico. Os parques e reservas naturais são interpretados como espaços que possibilitam a preservação dos seres vivos “Porque eu acho que a C é onde mais beneficia tudo, como um todo. Tipo, a água vai melhorar, o solo, o ar e os animais vão poder ter uma vida sem prejudicar ou ser prejudicado” (MAT 16;4).

Alguns sujeitos afirmam que este local não deve admitir a presença humana, pois essa é vista como uma forte ameaça aos seres vivos ali presentes ou os que ainda não se encontram sob proteção legal. Esse espaço é descrito como “uma coisa assim pro animal pode se desenvolver, sem o homem prejudicar ele. Sem machucar, essas coisas assim. É melhor pro desenvolvimento deles” (ROL 15;3).

Com relação ao papel do zoológico, há um reconhecimento de sua importância para preservação de espécies, não se restringindo apenas ao lazer do homem:

Eu acho que a C. Eu nem não qual o ... eu acho que o propósito inicial eu não sei, mas o propósito inicial seria realmente preservar... Eu sei que tem locais que fazem isso. Eles acabam confinando e talvez pegando quando é um animal pequeno pra ele até se acostumar pra depois soltar na natureza. Mas, eu acho que tem um lado positivo quando a função é essa assim. (VIN 17;3)

Nesse nível de desenvolvimento da moral ecológica, os adolescentes não apresentam estruturas completas de conhecimento sistêmico (VESTENA, 2011), mas já não mais justificam seu cuidado com o outro devido à uma afeição ou ignorando as atividades do homem:

[Em 2013, o IBAMA liberou a caça aos javalis a pessoas que fizerem um registro e se mostrarem em condições pra isso. Isso se deu pelo alto número de registros de ataques de javalis a pessoas, animais silvestres ou nativos daqui né e também até os domésticos. [...] E também porque é um animal exótico aqui no Brasil. No caso, os nativos, é proibida a caça, mas os exóticos é liberado dependendo da situação. Que que tu achou dessa liberação da caça?] Tá comendo ovelha que é um bichinho; tá

meio que destruindo esse ciclo natural dos pinheiros. Mas, eu tenho...eu creio que muitos tomam a liberdade uma libertinagem, e aí iriam caçar demais. Daí, ia acabar com o ciclo deles. E creio que aqui no Brasil os... O ecossistema já acostumou com eles aqui. Então se acabassem muito depressa ou tivesse até em extinção ia dar problema daí também. Pro ecossistema daqui, daqui mesmo. Então, eu acho que tem que ser caçado uns, mas tudo com o governo em cima pra que não passem demais e não levem à extinção deles aqui no Brasil. (LEH 16;1)

A entrevista pode ter contribuído para elevar o nível de estágio moral conforme iam se aprofundando as situações descritas nos dilemas, de modo que o adolescente tomava consciência de diversos fatores que se influenciavam pela presença do animal em determinado ambiente. As falas dos seguintes sujeitos são claros exemplos da modificação de pensamento ao longo da entrevista:

[E tu acha que há outra solução pros problemas que o javali tem causado se não for a caça?] Na verdade não...Só não sei, levar ele pra algum lugar que ele veio de

origem assim, pro país que ele veio de origem. Porque na verdade aqui não tem muito o que comer, não tem muito o hábitat dele. Então, seria levar alguns deles pra lá ou deixar aqui, mas, se não tiver como levar pra lá, daí realmente vai ter que ser...vai ter que ter a caça. Mesmo que sem o prazer. Porque na verdade aqui não tem muito onde ele ficar, aí teria que ser ou preso ou num zoológico e reservas geralmente, como são muitos, eu acho que não daria, então, teria que continuar alguns lá, onde eles são de origem e alguma coisa no zoológico, mas, realmente não tem muito o que fazer. É mais a caça mesmo. Por isso que...por isso que eu acho que foi organizada a caça porque não tem o que fazer. Eles vão crescendo, o número vai crescendo, crescendo e eles não sabem mais o que fazer. Então, eles liberam a caça e vai diminuindo e só. (EDA 17;11)

Carvalho (2004) apresenta o conceito de natureza pedagógica de Rousseau, um pensador do século XVIII que afirma que a natureza é a fonte de conhecimento e de sobrevivência para o homem. O homem se desenvolve de modo árduo por intermédio das experiências que possui com a natureza, especialmente no que se refere aos sentimentos. Rousseau em seu livro "Emílio" de 1762, descreve a natureza como algo dotado de perfeição em que o ser humano deturpar ao agir contrariamente ao que é naturalmente estabelecido. A autora destaca uma importante passagem do livro de Rousseau:

"tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas, tudo degenera nas mãos do homem. Ele obriga uma terra a nutrir as produções de outra; uma árvore a dar frutos de outra; mistura e confunde os climas, as estações; mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo; transtorna tudo, desfigura tudo; ama a desconformidade, os monstros; não quer nada como fez a natureza, nem mesmo o homem." (ROUSSEAU, 1995, p. 9 apud CARVALHO, 2004, p. 102)

Em Emílio, Rousseau afirma que a natureza é uma unidade perfeita e anterior à sociedade. Possivelmente não exista uma relação de reciprocidade, já que o homem enquanto ser civilizado abandona sua origem de ser bom e corrompe-se e corrompe os outros seres quando se distancia do ambiente. É possível que essa forma de ver a natureza seja uma transição entre os raciocínios ecológico-morais biocêntrico e ecocêntrico, pois ela é considerada como o local de origem do homem e que também é constituído de outros de seres bem como obstáculos que deixariam o homem mais forte e hábil ao vivenciá-la. Nessa visão, o homem ainda é visto como fator prejudicial ao equilíbrio da natureza, portanto, ainda não é visto como um ser que faz parte das relações ecológicas tendo a capacidade de modificar, mas não necessariamente destruir como as correntes ambientalistas costumam declarar. Generalizar a presença do homem como fator destruidor da natureza é não compreender que sua presença e ações são frutos de um processo evolutivo que caminhou em busca de modificações do meio para sua sobrevivência, por isso, ainda o pensamento do adolescente não pode ser considerado ecocêntrico.