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(...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua

própria produção ou a sua construção.

Paulo Freire - 1996, p. 52

Figura 1 - Figura simbólica (flor de lótus) representando as doze notas musicais num ciclo de 5ªs.

Penso como Paulo Freire (1996, p.26), que diz que “Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o que foi ensinado”.

Assim, embora reconheça o valor dos vários métodos tradicionais europeus utilizados em nossas escolas, proponho uma mudança de enfoque em seu estudo

para que possam corresponder às expectativas, necessidades e características culturais do estudante brasileiro de hoje. Sem perder de vista os objetivos propostos por seus autores, é possível ampliar sua abrangência e praticar outros aspectos do fazer musical ao revelar e aprofundar o estudo de conteúdos que, embora subjacentes a esses trabalhos, não foram explicitados e costumam passar despercebidos para os estudantes. Além disso, creio que o aprendizado deva se realizar com a criação de conteúdo, gerando um espaço para o desenvolvimento de uma personalidade artística própria, que inexiste na forma de aprender baseada na repetição.

5.1. Uma Proposta de Estudo

A metodologia desta proposta fundamenta-se em cinco eixos norteadores:

- tocar/ouvir;

- cantar (o que foi tocado/ouvido); - analisar (entender);

- improvisar (brincar, criar); - compor (escrever).

Essa forma de estudar pode ser utilizada tanto num exercício diário de aquecimento como na preparação de uma peça de concerto. Por ora, vamos utilizá- la para o entendimento dos diferentes elementos da linguagem musical.

Tendo em mente que “Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo” (FREIRE,1996,p.38), criei estudos18 que ilustram a utilização de diferentes intervalos, escalas, acordes e seus encadeamentos. Os alunos serão estimulados a improvisar, brincar e compor com esse material que será ser apresentado de forma lógica e com complexidade crescente. Cada elemento acrescentado será objeto de novos improvisos e composições, para os quais o estudante criará suas próprias melodias, frases e períodos, devendo incorporar figuras de dinâmica, de articulacão, “acelerandos”, “ralentandos”, padrões e células rítmicas próprias.

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Veremos a intersecção entre elementos modais e tonais com o emprego de modos gregos na criação de melodias inseridas sobre acordes.

Para o estudo dos acordes em diferentes ciclos, serão usados gráficos circulares, formando mandalas19, antigos símbolos que estimulam a concentração. Sua utilização visa criar condições de calma e atenção, favoráveis ao esforço cerebral20.

Essa forma criativa e lúdica de trabalhar deverá ser assimilada pelos alunos e poderá ser utilizada em todos os outros estudos e peças musicais abordados por eles ao longo da vida, numa concepção de estudo também chamada de “técnica aplicada”. Insisto na importância de se estudar de uma forma lúdica, porque é brincando que as crianças aprendem, desenvolvem suas habilidades. Observando meus filhos e muitas outras crianças com quem tenho tido o privilégio de conviver, percebo que, intuitivamente, elas criam brincadeiras para desenvolver justamente as habilidades mais necessárias ao seu desenvolvimento. Além disso, o sentimento de alegria gerado pelo brincar e pelo criar é um grande aliado na luta contra nossas dificuldades, angústias e “bloqueios”.

Assim, os conceitos que orientam este trabalho são os seguintes:

1 - O aprendizado de música por meio da criação de conteúdo e sem concessão a qualquer atitude ou rotina protocolar. Ou seja, nada deve ser encarado como apenas um “exercício”, tudo é música.

2 - O estudo sempre compromissado com o fazer musical, com a compreensão do discurso musical, cujo elemento estrutural é a frase. Mesmo num “estudo de mecanismo”, sempre deverão ser levados em consideração apoios, direcionalidades e contexto harmônico.

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A palavra mandala designa uma imagem organizada ao redor de um ponto central. É uma manifestação simbólica da psique humana. Em todas as épocas os homens criaram mandalas: planos de cidades, decoração de armas, jóias, vestidos e rosáceas de catedrais. Numerosos exemplos de mandalas se encontram na natureza, desde a organização das flores até o sistema solar. As crianças as desenham espontaneamente; é a expressão da unidade do seu ser. A mandala tem uma eficácia dupla: por um lado, reestabelece e conserva a ordem psíquica; por outro, a lembrança do centro, implícito em todo momento, reúne e reequilibra. (PRÉ, M. Mandalas para crianças; uma nova ferramenta. São Paulo: Vergara & Riba Editoras, 2007).

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A Mandala, que significa círculo e mágico, em sânscrito, representa a interação do ser humano com o cosmos, entre a realidade aparente e as esferas divinas. A simples contemplação de uma mandala inspira serenidade, reestabelece a ordem psíquica, estimula a criatividade e abre as portas do inconsciente, fazendo emergir símbolos, arquétipos coletivos e o ser verdadeiro que está dentro de nós (DAHLKE, R. Mandalas – Formas que representam a harmonia do cosmos e a energia divina. São Paulo : Pensamento, 2007)

3 - O incentivo a uma forma criativa de estudar, estimulando o aluno a improvisar e compor seus próprios estudos sobre os assuntos apresentados.

4 - A prática da música popular brasileira.

5 - A prática da composição “espontânea”, retomando o conceito de prélude

de caprice, de J. Hoteterre.

6 - O estímulo à prática da transposição “consciente” feita sem leitura.

Partiremos do princípio de que todo aprendizado se faz por meio da observação e da experimentação, sendo que a experimentação tem como ferramenta essencial a improvisação. No caso da música escrita, a observação é auditiva e visual, podendo também ser analítica. Para que essa observação seja ainda mais aprofundada, é importante que, na medida do possível, tudo o que for tocado seja também cantado. A observação analítica, por sua vez, exige um conhecimento dos diferentes elementos da linguagem musical. Portanto, o aprendizado desses elementos será um dos objetivos principais deste trabalho.