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6. ELEMENTOS DA LINGUAGEM MUSICAL

6.2 Gênesis – Escalas primitivas: pentatônicas e modos naturais

6.2.2 Modos Gregos

Nos procedimentos criativos de vários compositores contemporâneos convivem o modalismo, o tonalismo e o atonalismo. Assim, a familiaridade com os conhecidos modos gregos é importante por diversos motivos. Presentes ao longo de toda a história da música, alguns desses modos fazem parte da música brasileira, seja ela folclórica, popular ou erudita, como mostra Ermelinda A. Paz (1989, pp. 19 e 20). Além disso, na medida em que uma escala modal se “encaixa” perfeitamente em um acorde, ela também pode ser chamada de “escala do acorde”, um conceito utilizado na metodologia do jazz e muito útil para a criação de melodias superpostas a acordes dados, o que veremos posteriormente.

A música modal é universal e milenar; está presente no folclore musical de todos os povos. Por sua vez, cada modo tem uma propriedade semântica, conduz a um diferente estado de espírito34.

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MAHLE, E. Modos, escalas e series. Escola de Música de Piracicaba, 1977 (p.2).

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Termo utilizado por Jacques Hoteterre em seu livro, Art de Preluder sur la Flûte Traversiere,, para designar o prelúdio improvisado pelos músicos do período barroco, antes de tocarem uma composição escrita.

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Conforme Magnani (1989, p.82) - “Na história da organização da linguagem musical, a primeira grande revolução deu-se com o sistema dórico grego. Eliminando o microtonalismo

das gamas anteriormente empregadas nos vários territórios helênicos, esse sistema introduziu um princípio de ordem simplificadora, que constituiu a remota base das possibilidades harmônicas da música ocidental. Os dóricos criaram várias gamas, todas formadas apenas por tons e semitons, diferentes umas das outras pela posição dos semitons nas sequências. Tais escalas, cuja personalidade reside na ordem de sucessão dos tons e semitons, chamaram-se “modos” e foram distinguidas com diferentes nomes – jônio, dórico, frígio, lídio… –, conforme as semelhanças com as gamas preferencialmente empregadas pelos povos do mesmo nome”.

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Constam de CD anexo improvisações realizadas sobre cada um desses modos por mim e pelo acordeonista Gabriel Levy.

Observamos que a tônica de cada um desses modos está situada em um grau diferente da escala maior (modo jônio). Assim, o modo dórico tem sua tônica no 2o grau da escala maior; o frígio, no 3o; o lídio, no 4o; o mixolídio, no 5o; o eólio, no 6o; e o lócrio, no 7o grau de uma escala maior.

A tônica de cada um deles pode ser quaisquer das doze notas. Vamos observá-los tendo como referência a escala de Dó M.

a ) O modo jônio, que passou a ser o modo maior, é o modo mais presente

em nossa cultura:

b) Modo dórico de Ré:

Esse modo é muito presente nos estados do nordeste do Brasil.

c) Modo Frígio de Mi:

d) Modo Lídio de Fá:

O estudo Baião do Pedrinho, que exemplifica esse modo, está incluido no Capítulo 3 – Prelúdios e Estudos Didáticos. Esse modo também é muito presente nos estados do nordeste do Brasil.

f) Modo Eólio de Lá:

g) Modo Lócrio de Si:

Além desses, existem outros modos, resultados de diferentes combinações, como, por exemplo:

h) Modo Mixolídio com 4aum ou modo Lídio com 7m:

Esse modo também está muito presente na cultura brasileira, sobretudo nas músicas dos estados do nordeste brasileiro. Uma de suas particularidades é ser formado com as primeiras notas da série harmônica.

i) Modo ou escala Otomana, Judaica ou Espanhola:

Esse modo, conhecido como otomano e também encontrado com os nomes de escala judaica ou espanhola, pode ser considerado uma combinação maior-frígio- menor.

O fato de esse modo ser conhecido por esses três nomes, ou seja, pertencer a essas três culturas, nos remete a uma época anterior ao “descobrimento” do Brasil, o longo período em que os árabes dominaram a península ibérica (do século VIII ao século XV) e cristãos, judeus e muçulmanos conviveram. Vem daí a notória influência árabe na cultura ibérica, que por sua vez é uma das matrizes da cultura brasileira. Por isso mesmo, não é difícil identificar a presença árabe na cultura brasileira, como demonstra L. Soler em seu livro Origens árabes no folclore do

sertão brasileiro (1995).

j) Modo Cigano Plagal:

I- IIb- III- IV- V- IVb- VII- VIII

Como é possível deduzir, cada um desses modos pode gerar outros, que começam sobre cada um de seus graus. O compositor E.Mahle, em obra citada35, analisa matematicamente suas construções e diz que existem mais de mil modos.

O modalismo36, que continua vivo e presente em muitas partes do mundo, imperou na música da Europa durante toda a Idade Média e, como vimos, foi gradativamente sendo substituído pelo sistema tonal, cuja entidade emblemática é o

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MAHLE, E. Modos, escalas e series. Escola de Música de Piracicaba (1977).

acorde37. Incorporando o trítono em seu vocabulário, o sistema tonal propicia a existência do binômio tensão e relaxamento, assunto que abordaremos mais à frente. No período barroco, passou a acontecer uma percepção vertical da harmonia, em oposição à dimensão horizontal do contraponto renascentista.

Seguindo cronologicamente, deveríamos agora partir para o estudo dos acordes, elemento básico da linguagem tonal que passa a prevalecer na história da música européia. Porém, antes disso, sugiro aprofundarmos o estudo dos intervalos, o que nos levará à descoberta de estruturas simétricas características da música dos últimos séculos. Posteriormente retomaremos o fio da história.

Como já foi visto, com o “temperamento” musical já sedimentado na Europa38 no século XVIII, a escala cromática foi incorporada ao vocabulário musical.

Por conter todas as notas, essa escala contém todas as outras escalas e todos os acordes. Assim, pode “costurar”, fazer a ligação entre praticamente qualquer idéia musical. Um exemplo maravilhoso de seu emprego é a peça O Vôo

do Bezouro, do compositor russo Rimsky Korsakoff.

Um magnífico exemplo de formas possíveis de se estudar a escala cromática e todos os intervalos contidos em tres oitavas nos é oferecido por Marcel Moyse em seu Art et Technique de la Sonorité

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O acorde formado pela tríade de terças superpostas se estabiliza historicamente no séc. XVI e é a base do sistema tonal que irá substituir o modalismo predominante na Europa até então. O sistema tonal vai eleger dois modos principais: o modo Maior (antigo Jônio) e o modo menor com suas três variantes: natural (correspondente ao antigo eólio), harmônico e melódico.

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A publicação, em 1722, do primeiro livro de “O Cravo bem-temperado” de J.S.Bach, foi um divisor de águas. Seus 24 prelúdios e fugas escritos em ciclo cromático e contemplando todas as tonalidades maiores e menores foram fundamentais para a consolidação do novo sistema.

6.3 Art et Technique de la Sonorité – Ampliando o estudo dos intervalos e