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1 INTRODUÇÃO

3.2 Desenvolvimento rural e alimentação

A compreensão das transformações ocorridas nos padrões alimentares mundiais está diretamente relacionada à construção do conceito de “desenvolvimento rural” ou, simplesmente, de “desenvolvimento” como sugere Ortega (2008). Segundo este autor, até o final do século XIX, a compreensão sobre a evolução ligava-se à noção de atividades, que, em certa medida, possuíam um

sentido pré-determinado, como um caminho retilíneo a ser seguido. Ideologicamente a evolução estava associada à ideia de progresso, representado pela incorporação dos modos de produção, consumo e estilo de vida dos países centrais do capitalismo. Sendo assim, os padrões de urbanização e industrialização desses países foram interpretados e incorporados como sinais de progresso.

Entretanto, com a ocorrência de fatos políticos e sócio-econômicos que afetaram todo o mundo como a crise econômica de 1929 com a Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e as duas Grandes Guerras Mundiais, o otimismo por trás da ideologia do desenvolvimento foi substituído pela busca intensiva do crescimento econômico como forma de superar as crises periódicas do capitalismo. A virada do século XX representou, portanto, o marco para o fim da trajetória em que a ideia de desenvolvimento esteve predominantemente associada à noção de evolução. Naquele momento, deu-se início ao pensamento de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico (ORTEGA, 2008).

Particularmente, no caso do Brasil, o crescimento econômico, decorrente de um processo de industrialização, não se traduziu necessariamente em maior acesso da população pobre a bens materiais e culturais. Como resultado, ganhou espaço nos ambientes políticos um intenso debate em favor da necessidade de um desenvolvimento mais inclusivo, econômica e socialmente, de amplas camadas da população até então marginalizadas (ORTEGA, 2008). Assim, o desenvolvimento passou a ser compreendido mais na dimensão da expansão das capacidades humanas do que no crescimento econômico, embora este seja necessário para o desenvolvimento (KAGEYAMA, 2008).

As ideias sobre o desenvolvimento humano aplicam-se igualmente no caso específico do desenvolvimento rural. Nos últimos cinquenta anos, dois foram os momentos durante os quais a noção de “desenvolvimento rural” alcançou um campo de singularidade histórica, estabelecendo-se como uma daquelas teorias-força que atraem generalizado interesse, são intensamente discutidas, orientam programas governamentais, favorecem debates intelectuais e motivam grupos sociais interessados nos benefícios das mudanças associadas a esta noção (NAVARRO, 2001).

O primeiro desses momentos surgiu após a Segunda Guerra Mundial, especialmente a partir da década de 1950, estendendo-se até o final dos anos 1970. Foi neste tempo que, instigado pela polarização da Guerra Fria e sob o impacto do notável crescimento econômico da época, se materializou um padrão civilizatório dominante, alterando o modo de vida e os comportamentos sociais. A possibilidade do “desenvolvimento” estimulou iniciativas diversas em todas as sociedades. Uma nova “concepção da agricultura” foi constituída e pouco a pouco se tornou hegemônica em todo o mundo, não apenas no plano científico, mas nos diferentes sistemas agrícolas dos países que dela participaram. Nasciam, então, os pressupostos da “Revolução Verde”: aumento da produtividade através do uso de insumos químicos, de variedades de alto rendimento melhoradas geneticamente, da irrigação e da motomecanização (BALSAN, 2006).

No Brasil esse processo foi designado também como a “modernização conservadora”, responsável por modificações nas relações de produção, maximização dos lucros e orientação de grande parte da produção para o mercado (BALSAN, 2006). A modernização da agricultura caracterizou-se, principalmente, pela não alteração da estrutura agrária vigente e por aprofundar um crescimento desigual e parcial com elevada concentração de renda e terra (CARMO, 1996).

No Brasil, Delgado (1985) salientou que o final dos anos 1960 foi marcado por um momento de transição do desenvolvimento rural com três fases distintas. A primeira referiu-se à mudança na base técnica da agricultura brasileira com a concretização dos Complexos Agroindustriais (CAIs) tornando a agricultura menos dependente da produção natural da terra e da força de trabalho rural, porém mais articulada com a indústria. Tardiamente tem-se no país a incorporação de mecanismos técnico-econômicos com características baseadas nos moldes fordistas.

Carmo (1996) propõe a seguinte definição dos CAIs:

Os complexos agroindustriais que definem o novo padrão agrícola brasileiro de produção começa a ser gestado, com a crise do complexo rural, desde 1850. A agricultura, enquanto um setor isolado modernizou- se, isto é, foi transformando sua base técnica, para com o auxílio de novas ferramentas e variedades mais produtivas, crescer em produtividade e produção. Após a 2ª Guerra Mundial, até meados dos anos 60, a modernização começa a difundir-se em nível nacional. A industrialização irreversível da agricultura processo mais recente, consiste na sua inserção em definitivo na cadeia produtiva, quando

compra insumos da indústria para sua produção e começa a fornecer produtos para outros ramos da indústria, como se fosse parte de “uma linha de montagem” do processo produtivo como um todo. Assim, torna- se um elo da cadeia na sua necessidade de produzir, e produz além de produtos de consumo final, bens intermediários que servem de matérias- primas em indústrias de transformação (CARMO, 1996, pág. 85).

A segunda fase de transição do desenvolvimento rural referiu-se ao período de intensa urbanização e consequentemente de forte crescimento do emprego não- agrícola. A terceira relacionava-se à política de crédito rural que foi o meio responsável por concretizar a modernização conservadora e, a partir dos resultados produtivos, viabilizar o desenvolvimento rural que tanto se almejava. O processo de desenvolvimento econômico experimentado pela sociedade brasileira, principalmente na década de 1970, configurou-se como a fase histórica de maior velocidade na entrada das formas avançadas de desenvolvimento capitalista em quase todas as classes sociais. Articularam-se estratégias de crescimento através do crédito rural e uso de insumos químicos, tratorização e políticas de fomento à economia externa, de controle de preços agrícolas e políticas monetárias (DELGADO, 2002).

Durante aproximadamente trinta anos o Brasil passou por intensas transformações na base técnica industrial e urbanizou-se de maneira significativa, alterando a face rural e ingressando em uma economia internacionalizada de bases oligopólicas. Mudanças no padrão alimentar foram sentidas, adaptando-se a oferta às necessidades da demanda, principalmente da população urbana. A revolução na indústria de alimentos foi profunda, gerando novos hábitos, diferenciando o mercado e introduzindo gradativamente novas tecnologias pelo lado da oferta (CARMO, 1996). Se antes havia uma pauta produtiva profundamente diferenciada e adaptada às culturas locais, o que surgiu a partir de então foi uma pauta alimentar homogênea, padronizada.

Para concluir, com a intensificação do processo industrialização/urbanização ocorreram profundas transformações na agricultura, nos hábitos alimentares e de compra da população brasileira. Mas essas mudanças não representaram um acesso igualitário do “pedaço do bolo” por todos os grupos sociais. Intensificaram-se os problemas sociais, o êxodo rural e o número de agricultores familiares que engrossavam a fila dos que já não tinham mais a terra para plantar para o

autoconsumo de suas famílias. É nesse sentido que se insere a discussão sobre a oferta e o acesso aos alimentos e as bases de um paradigma diferenciado do modelo de desenvolvimento rural moderno.

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