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2.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.1.1 Desenvolvimento Urbano Sustentável

Ao longo da produção do conhecimento sobre a ciência das mudanças climáticas, as emissões globais dos gases do efeito estufa foram, principalmente, direcionadas como originadas em função do uso e da ocupação do solo (queimadas e produção agropecuária) e pelo uso intensivo de energia de origem fóssil (carvão e petróleo). Esses elementos foram apresentados de maneira isolada nos estudos precursores de tal ciência.

No entanto, o aprofundamento de pesquisas e estudos sobre o tema, identificou-se que tais elementos se apresentaram como interligados com outros elementos, dentre eles, a produção do espaço urbano e a industrialização. Além disso, a concentração populacional em determinados espaços implica em vulnerabilidade e riscos para tal população quando se discute os impactos de mudanças climáticas nesses ambientes.

É nesse sentido, que se faz o recorte conceitual e geográfico para esse estudo, uma vez que se busca entender a contribuição do espaço urbano (cidades) para as emissões de gases do efeito estufa que levam ao aquecimento local e global. A importância de se fazer um estudo voltado para o espaço urbano deve-se ao fato de que as cidades acabam apresentando um metabolismo diferenciado e, muitas vezes complexo, se comparado com o espaço rural. É no espaço urbano em que uma gama de fatores, interligados/associados acabam por contribuir para a complexidade desse metabolismo, ou seja, impermeabilização do solo, sistemas de transportes, construção civil, produção industrial, consumo, uso intensivo de energia, produção de resíduos, dentre outros.

Nesse sentido, o espaço urbano se diferencia e se destaca se comparado com o espaço rural, uma vez que mesmo o espaço rural sendo um grande contribuinte para as emissões de gases do efeito estufa, e consequentemente, elevação da temperatura, os elementos que o caracterizam não se apresentam de forma tão complexa e interligada como acontece no espaço urbano.

A necessidade de se pensar no desenvolvimento urbano de forma mais sustentável é fundamentada no fato de que mais da metade da população global vive nas cidades (OBAID, 2007). No Brasil, esses dados são apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002c) quando aponta que 80% da população brasileira se encontram nos espaços urbanos. No país, essa concentração populacional se dá de forma mais intensa nas grandes capitais e suas regiões metropolitanas, localizadas, em sua maioria, ao longo da costa

litorânea.

É importante considerar que essa pressão populacional é condicionada por um custo ambiental elevado, muitas vezes, não considerado nos processos de planejamento da gestão urbana, haja vista os conflitos socioambientais e econômicos estabelecidos. Dentre os vários exemplos de conflitos existentes, um dos mais críticos em relação à questão urbana refere-se ao uso e a ocupação desordenada do solo, a partir da ocupação habitacional em morros, encostas e alagados, considerados espaços ambientalmente frágeis. Segundo Costa e Braga (2004):

Estas áreas, por estarem sujeitas a leis especiais que restringem a ocupação, deixam de ser de interesse do mercado imobiliário formal e acabam se transformando em espaço restante, ocupado pela grande parcela da população excluída da cidade legal (COSTA e BRAGA, 2004, p. 200).

Nesse caso, deve-se considerar que o conceito de desenvolvimento sustentável, muitas vezes, legitima o estabelecimento de tais conflitos, quando permite a junção da noção de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, pois, muitas vezes, a ausência de leis restritivas permite o uso e a ocupação do solo em espaços inadequados, ou ambientalmente instáveis, seja para moradia, seja para a produção.

Quando se trata de aquecimento global e, consequentemente, das mudanças climáticas, os efeitos desses impactos ameaçam toda a população, ou seja, é importante ressaltar que quando se trata dos impactos causados por essas mudanças, seus efeitos podem ser também expandidos e não localizados apenas em áreas periféricas e empobrecidas, refletindo em custos também para a população de alta renda.

Costa e Braga (2004, p. 199) seguem afirmando que os conflitos em torno da questão urbana e ambiental se caracterizam pelas relações de disputa pelo poder, produzindo diferentes matrizes discursivas sobre cidade e meio ambiente. Essa questão tem levado às limitações na formulação e legitimação de políticas ambientais. Dessa forma, é possível “compreender que a dimensão ambiental do urbano é antes um campo em construção e disputa que uma definição acabada”.

Isso ocorre, segundo Monteiro (2009) porque valores econômicos e sociais, especialmente valores econômicos, superam os valores ambientais que muitas vezes são negligenciados ou esquecidos nas políticas públicas urbanas.

Embora as políticas urbanas, a partir da implementação do Estatuto da Cidade em 2001 (BRASIL, 2001), venha buscando alternativas de inserir políticas ambientais em suas ações, muitas vezes o fato da cidade já estar consolidada invalida a implementação de políticas conjuntas, uma vez que isso implicaria em elevados custos econômicos e financeiros para os setores públicos e privados.

Essa questão é muito perceptível quando se observa que as políticas ambientais são geridas de forma isolada e sem integração com a política urbana, levando muitas vezes, a existência de objetivos contraditórios (COSTA e BRAGA, 2004). Nesse sentido, percebe-se que a integração entre políticas urbanas e ambientais ainda é um campo em processo de definição em relação aos seus objetivos.

Isso também pode ser resultado da forma de concepção de políticas públicas, ou seja, de cima para baixo, sem levar em consideração a articulação entre as políticas existentes, assim como, a participação de todos os atores sociais no processo de planejamento de políticas urbanas e ambientais. Para Quadri (1997), a sustentabilidade no espaço urbano surge da introdução de conceitos de cunho ambiental junto aos preceitos da gestão urbana, enfocando, dessa forma, os impactos da deterioração ambiental. Essa noção de planejamento urbano permite que os custos sociais e ambientais, gerados como externalidades negativas10 (impactos ambientais), sejam absorvidos pelos planos de gestão urbana.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) define impacto ambiental como:

Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e V - a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL. Resolução CONAMA, 001/1986).

10 As externalidades foram inicialmente conceituadas pelo economista Coase em 1960 quando observou que elas existiam devido à ausência de mercado e direitos de propriedade bem definidos. São definidas como as alterações de custos e benefícios da sociedade originadas da produção das empresas. Uma externalidade positiva ocorre quando uma unidade econômica cria benefícios para outras, sem receber pagamentos por isso. Por exemplo: uma empresa treina a mão de obra, que acaba, após o treinamento, transferindo-se para outra empresa; beleza do jardim do vizinho, que valoriza sua casa; uma nova estrada; os comerciantes de um mesmo ramo que se localizam na mesma região. Já as externalidades negativas (ou deseconomia externa), ocorrem quando uma unidade econômica cria custos para outras, sem pagar por isso. Por exemplo, poluição e congestionamento causados por automóveis, caminhões e ônibus; uma indústria que polui um rio e impõe custos a atividades pesqueiras (MAY, LUSTOSA e VINHA, 2003).

Nesse sentido, os impactos gerados pelo aquecimento global também devem ser considerados em tais planos de gestão urbana, haja vista que, os efeitos do aquecimento global, por sua heterogeneidade e complexidade, podem afetar não apenas os ecossistemas naturais, mas também os seres humanos que dependem diretamente da existência de diversos ecossistemas.

Nesse ínterim, segundo Lacerda et al (2000) desenvolvimento urbano sustentável significa, antes de qualquer coisa,

Um processo de mudança capaz de garantir que os esforços de desenvolvimento gerem condições de maior equidade social, em consonância com a preservação da qualidade dos recursos naturais e ambientais e com respeito às identidades socioculturais (2000, p. 84).

Para os autores, a implementação de tal conceito implica em considerar a cultura dentro do processo de planejamento urbano para o desenvolvimento. Além disso, para a manutenção do equilíbrio ambiental e da equidade social é de fundamental importância, primeiro, a participação social nos processos de decisão, ou seja, “uma democratização do processo decisório [...] tendo como premissas a descentralização e o fortalecimento do município e a criação de mecanismos de controle social” (p. 92). E, segundo, “faz-se necessário encontrar novos formatos de gestão buscando formas de associação do poder público com a iniciativa privada [...]” (p. 92-93).

Assim, os autores concluem que,

Diante do processo de descentralização político-administrativo brasileiro, o planejamento urbano volta a ser valorizado como um importante instrumento de desenvolvimento local, capaz de nortear as práticas dos diversos atores sociais (LACERDA et al, 2000, p. 93).

É importante destacar que, não apenas como um instrumento de desenvolvimento local, mas como um elemento vital para a manutenção desse desenvolvimento em termos ecológicos. Entretanto, é possível observar que o desenvolvimento urbano sustentável que se quer está muito aquém do “desenvolvimento” urbano que se tem.

Isso ocorre porque o desenvolvimento buscado pelos municípios tem se concentrado mais fortemente através do viés econômico do que pelo equilíbrio entre economia, sociedade e meio ambiente. Isso é fundamentado, segundo Santos Júnior (2001), pela nova ordem econômica e social em que o setor privado se prevalece como protagonista do

desenvolvimento urbano. Segundo Tudela

A transição para um desenvolvimento urbano sustentável implica o reconhecimento e a delimitação de umbrais, limiares, limites. É curioso que um paradigma como o econômico, cuja aparição histórica está ligada ao propósito de gerir a escassez (“o uso alternativo de recursos escassos”), tenha tanta dificuldade para assimilar a necessidade de gerir os recursos ambientais [...] (TUDELA, 1997, p. 139).

Segundo Santos Júnior (2001), essa dificuldade está na ênfase que é dada ao setor privado, referenciada pelo empresariamento11 das cidades e, que implica em limitações no que concerne à implementação do conceito de desenvolvimento urbano sustentável.

No entanto, para Leal (2003), a partir da década de 1980, período de ampla redemocratização do país, o processo de planejamento urbano participativo começou a se tornar uma alternativa para a gestão local. Nesse contexto, foram várias as experiências de gestão democrática no país baseadas no ativismo democrático.

Para a autora, “o ideário do ativismo democrático se faz marcante nas práticas de gestão democrática, oriundas de administrações municipais no Brasil de feição progressista nas décadas de oitenta e noventa” (LEAL, 2003, p. 68). Com a reforma constitucional de 1988, essas práticas de gestão participativa foram institucionalizadas como mecanismos de gestão democrática das cidades e uma das formas de descentralização de políticas se deu justamente com a criação de conselhos setoriais, a exemplo dos conselhos municipais de meio ambiente.

Segundo Leal (2003), essa democratização se deu através da implementação de mecanismos de participação, ou seja,

Canais de diálogo, de consulta ou de negociação passaram a servir de guia para a resolução de problemas e para a formulação de políticas, a exemplo dos orçamentos participativos, plenárias, fóruns populares, comissões, conselhos etc. A instauração desses mecanismos possibilitou, através da participação dos setores sociais, a abertura de um espaço de discussão na formulação de peças-chaves da política

11

Por empresariamento das cidades entende-se a fase em que o planejamento urbano e o urbanismo foram atingidos pela crise econômica global na década de 1970. Assim, o planejamento urbano assume uma nova função com o objetivo de atrair investimentos empresariais que pudessem dinamizar a economia local. A atração de capitais foi influenciada pela renovação das imagens das cidades dentro de uma lógica competitiva interurbana para atrair investimentos. Assim, a renovação das cidades ocorreu em determinados aspectos e espaços para atrair tais investimentos e não para atender as demandas das populações locais. A essa transição de gerenciamento urbano, ou seja, de regulamentação do setor privado para atração de investimentos privados, David Harvey chama de empresariamento das cidades, devido à sua lógica capitalista de produção do espaço urbano (BOTELHO, 2004).

urbana, tais como: orçamento municipal, planos diretores, prestação de serviços de natureza coletiva” (LEAL, 2003, p. 28).

Nesse sentido, a Agenda 21 brasileira pressupõe que a governabilidade ambiental é um processo pelo qual a participação da sociedade seja condição sine qua non para a sustentabilidade urbana e ambiental tanto nos níveis local como global.

Com relação às questões ambientais, Leis (2001) afirma que os canais de participação existentes para os cidadãos e para as organizações da sociedade civil se dão principalmente, através da Avaliação de Impactos Ambientais (AIA)12, Ação Civil Pública e o CONAMA e seus conselhos estaduais e municipais.

Entretanto, para o autor, nenhum desses mecanismos se constitui na prática um verdadeiro espaço de negociação, mas sim de imposição de modelos prontos. Isso é particularmente perceptível quando as avaliações de impactos ambientais são habitualmente realizadas para justificar a implantação de projetos e não para se iniciar um processo de negociação, se configurando apenas como uma representação formal da manipulação de populações atingidas, assim como, da desarticulação desses espaços de discussão.

No que tange à gestão ambiental urbana, esta pode ser entendida como:

[...] as diretrizes e as atividades administrativas e operacionais, tais como, planejamento, direção, controle, alocação de recursos e outras realizadas com o objetivo de obter efeitos positivos sobre o meio ambiente, quer reduzindo ou eliminando os danos ou problemas causados pelas ações humanas, quer evitando que eles surjam (BARBIERI, 2007, p. 25).

Nesse sentido, cada município pode atuar sobre as questões ambientais sob diversos aspectos, a exemplo da Agenda 21 Local e dos Planos Diretores e também a partir da atuação dos Conselhos Municipais de Meio Ambiente. Entretanto, a implementação dos instrumentos de gestão ambiental urbana, assim como de mecanismos de participação podem implicar em conflitos socioambientais, principalmente entre os agentes econômicos e sociais. Sobre essa questão Franco apresenta a seguinte afirmação:

12

Avaliação de Impactos Ambientais – Instrumento de política ambiental, formado por um conjunto de procedimentos capazes de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta e de suas alternativas, e cujos resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada da decisão, e por eles considerados.

Visto que se trata de uma esfera de poder e de decisões que podem ter impactos econômicos, é preciso atentar para o fato de que há sempre resistências a mudanças, e isto é particularmente verdadeiro quando há em jogo interesses individuais contrários à causa pública (FRANCO, 1999, p. 21).

Segundo Milaré (1999), é preciso considerar dois aspectos para a gestão ambiental se tornar efetiva. Primeiro, é indispensável reconhecer a existência dos problemas ambientais e seus impactos para a sustentabilidade ambiental e na manutenção da qualidade de vida da população. O segundo ponto refere-se ao fato que, de posse das informações sobre os impactos ambientais, buscar soluções tangíveis e viáveis para os mesmos de forma conjunta e participativa para se evitar os conflitos socioambientais que venham a surgir. No entanto, a efetivação das soluções possíveis só ocorrerá se o município apresentar uma estrutura mínima para a gestão ambiental adequada.

Levando-se em consideração o fato de que o conceito de desenvolvimento sustentável procura adequar crescimento econômico com a manutenção da qualidade ambiental para as gerações presentes e futuras torna-se indispensável a existência de um Sistema Municipal de Meio Ambiente.

Milaré define esse sistema como:

Um conjunto de estrutura organizacional, diretrizes normativas e operacionais, implementação de ações gerenciais, relações institucionais e interação com a comunidade. Tudo o que interessa ao desenvolvimento com qualidade ambiental será necessariamente levado em conta, até mesmo a atuação do mercado (MILARÉ, 1999, p. 34).

Segundo Quadri (1997), a implementação de um sistema de gestão ambiental depende da estrutura organizacional que os municípios têm de gerir as diversas esferas que compõem o meio ambiente urbano.

A sustentabilidade do desenvolvimento urbano depende criticamente de uma gestão correta dos recursos ambientais comuns da cidade, os quais se compõem, entre outros, de sua atmosfera, da bacia hidrográfica que a abastece e dos recursos territoriais que oferecem serviços de localização espacial, de recarga de lençóis freáticos, de reserva ecológica e territorial, de criação e conservação de recursos naturais (QUADRI, 1997, p. 135, grifo nosso).

ambientais dentro do contexto da gestão urbana e, consequentemente, para difusão do conceito de desenvolvimento urbano sustentável dentro do processo de planejamento das cidades. Para isso, é preciso oferecer informações e dados que apresentem um diagnóstico real da situação ambiental no contexto da cidade, e no caso específico dessa pesquisa, um diagnóstico que retrate a situação das cidades em relação às emissões de gases do efeito estufa e seu potencial de elevar a temperatura.