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ou desespero não pensam no sofrimento Mas os que se matam por raciocínio, pensam

No documento Absurdo, revolta, ação : Albert Camus (páginas 42-44)

forçosamente nele [...] a idéia de que vão sofrer, impede-os de se matarem. Mesmo quando sabem que não há sofrimento, a idéia mantém-se” (CAMUS, 1962, Les Possédés, p. 958-959, tradução nossa).

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Ao qual Camus dedica um exame na parte final de O Mito de Sísifo (CAMUS, 2004, p. 119-127).

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Podemos observar ainda que, embora o suicídio possa ser uma expressão de liberdade, trata-se de uma liberdade que nega o instinto mais vital do homem, sua vontade natural de viver. Em O mito de Sísifo, Camus reconhece que “no apego de um homem à vida há alguma coisa de mais forte que todas as misérias do mundo. O julgamento do corpo vale tanto quanto o do espírito e o corpo recua ante o aniquilamento” (CAMUS, 2004, p. 21). Ademais, Kirilov se mata não por não ter apreço à vida, mas para provar aos homens que sua liberdade é conquistada com a morte de Deus (idem, ibidem, p. 123).

69 O raciocínio absurdo parte do homem e do mundo como premissas cuja conseqüência, conclusão é o absurdo

existencial. Mas isso não implica um julgamento. É uma maneira cômoda de designar o movimento pelo qual um pensamento se nega a si mesmo e tende a se ultrapassar naquilo que constitui sua negação. A negação é Deus dos existencialistas (CAMUS, 2004, p. 55).

Karl Jaspers é um daqueles que evidenciariam o absurdo da vida humana, que explicitaram que a razão humana, sendo limitada, nada pode sondar além do “jogo mortal das aparências” (CAMUS, 2004, p. 38) e que mesmo com todos os seus esforços não poderá fazer do mundo uma unidade (idem, ibidem, p. 23). Assim como Camus, Jaspers também concluiu que a razão não pode tudoe que seu fim é o fracasso.

É nesse sentido que a descrição das situações-limites de Jaspers muito se assemelha ao sentimento de absurdo de Camus. De acordo com o primeiro, nossa existência é marcada por situações-limite, situações que impõe-se ao homem à revelia e as quais ele não pode escapar ou modificar. Sua incapacidade de superar tais situações, como a morte, o acaso, a luta, a dor, revela a impotência e a limitação de nossa existência.

Apesar de Camus e Jaspers aproximarem-se muito no que diz respeito à caracterização da condição humana, embora ambos partam da constatação do absurdo, Camus diz que “nesse mundo devastado onde a impossibilidade de conhecer é demonstrada, onde o nada parece ser a única realidade e o desespero sem saída a única atitude, [Jaspers] tenta reencontrar o fio de Ariadne que conduz aos segredos divinos” (CAMUS, 2004, p. 38).

Isso porque, para Jaspers, a tomada de consciência de que a finitude, o acaso e as situações-limites perpassam e até mesmo constituem nossas vidas revela “o que autenticamente é, apesar de e para além do ser mundano evanescente” (1961, p. 28), ou seja, revela algo que está para além do limite: o ser da transcendência70.

Ora, o que Camus questiona em Jaspers é justamente a afirmação, sem qualquer explicação, de um ser da transcendência, apelando para um sentido supra-humano da vida ao escrever que “o fracasso mostra, para além de qualquer explicação e de qualquer interpretação possível, não o nada, mas o ser da transcendência” (JASPERS apud CAMUS, 2004, p. 47) 71.

Assim, embora Jaspers tenha encontrado o fracasso, a impotência na experiência, ele imbui tanto esse fracasso quanto essa impotência de um sentido e de uma profundidade que não encontram justificativas no âmbito puramente humano.

Camus critica o pensamento existencial, que se estende a outros filósofos como: Kafka, Chestov, Husserl, Kierkegaard e Dostoïevski72. Isso porque, malgrado constatem o

70 A transcendência, para Jaspers, é um conceito que não pode ser conhecido, esclarecido nem experimentado

pela razão, mas somente acreditado, sendo atingida pela fé filosófica.

71 É relevante notar que a citação que Camus faz de Jaspers não é direta e não pode ser encontrada em seus

textos.

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Camus denomina de existencialistas: Kafka, Chestov, Husserl, Kierkegaard, Dostoïevski. Embora todos eles tenham cometido o suicídio filosófico, os caminhos que traçaram foram distintos.

absurdo os existencialistas o admitem totalmente. Eles deixam escapar o caráter paradoxal do absurdo73, que, segundo Camus, consiste em uma constatação que só tem sentido na medida em que não for admitida nem suprimida totalmente. “Suicídio filósofico” porque, a partir do momento que integram o absurdo, os existencialistas transformando-o em deus, renunciando sua descoberta filósofica. Divinizando o absurdo, eles arrancam-no da esfera propriamente humana. Evitam a luta, ou seja, fazem sumir o caráter de oposição e confronto. Ao final, o pensamento existencial “pressupõe o absurdo, mas só o demonstra para dissipá-lo” (CAMUS, 2004, p. 47).

Se há absurdo, é no universo humano. Desde o momento em que sua noção se transforma em trampolim de eternidade, não está mais relacionada com a lucidez humana. O absurdo não é mais aquela evidência que o homem constata sem admitir. A luta é evitada. O homem integra o absurdo e nessa comunhão faz desaparecer seu caráter essencial que é oposição, dilaceramento e divórcio. Esse salto é uma escapatória (idem, ibidem, p. 49).

Para Camus, não se deve colocar entre parênteses o problema nem jogar todo o peso sobre um dos termos – nem no homem nem no mundo. É preciso ponderar para não sacrificar a consciência do absurdo; é preciso mantê-la viva na memória. Isso quer dizer que o caráter dilacerante, conflituoso do absurdo não pode ser perdido. Renunciar a isso é abster-se de ver claramente, é deixar de manter os olhos abertos (CAMUS, 1962, Carnets, p. 41), é recusar a única evidência que se dá ao nível do humano. Matar-se ou ter esperança é um modo de suprimir o problema, mas não de solucioná-lo. É elidir uma nova descoberta.

As idéias de Camus tiveram grande influência sobre sua época. Prova disso é o grande número de trabalhos, de críticas e de comentários que se seguiram às publicações de O

estrangeiro e de O mito de Sísifo. É justamente em razão da existência de inúmeras objeções às

idéias de Camus e ao seu conceito de absurdo que nos dedicaremos, agora, em expor as principais críticas, procurando, contudo, mostrar se são ou não relevantes e se elas podem influenciar e até impossibilitar a pretensão de Camus: pensar as possibilidades da ação.

Dentre as principais objeções ao “absurdo”, a primeira diz respeito à natureza desse conceito: seria o absurdo dentro da obra de Camus um estado de fato ou a consciência de um mal metafísico? Essa é a primeira crítica empreendida a Camus tanto por Mounier quanto por Simon.

Segundo Mounier, apesar de Camus insistir em repetir incansavelmente que o absurdo

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