• Nenhum resultado encontrado

O desenvolvimento dos novos suportes eletrônicos de leitura, como tablets e e- readers, já destacados em momentos anteriores desta dissertação, trouxe novas

possibilidades de leitura, ricas em recursos interativos. Além da tela sensível ao toque, a incorporação de elementos multimidiáticos como som, vídeos e animações, proporcionou uma nova maneira de envolver o leitor com a narrativa e também de apresentar as ilustrações a este.

Compreendendo os recursos disponíveis pelas ilustrações escolhidas para análise e a fim de criar um recorte das várias funções que o design de comunicação pode ofertar, considerou-se necessário aprofundar os conhecimentos a respeito de design, mais especificamente do design de interação e suas possíveis aplicações; visto que o dinamismos e o diálogo das ilustrações de Tenniel com o suporte, tornaram-se as características que foram mais consideradas quando passaram a habitar a nova plataforma. Jennifer Preece (2013) define o “design de interação” como a arte de facilitar ou fomentar interações entre humanos, mediadas por artefatos. O design de interação tem como foco o comportamento dos produtos em questão, ou seja, seu funcionamento e reação a estímulos humanos.

Apesar do termo interatividade não ser ligado exclusivamente à tecnologia, mas a diversas áreas, optou-se por focar este estudo nos conceitos da área aplicados as necessidade de dispositivos eletrônicos. Segundo Munari (2011), existem vários tipos de interação no meio digital. São exemplos de interações: as palavras assim como as representações visuais tais como a tipografia, os diagramas e os ícones; os objetos físicos ou o espaço com ou pelos quais o homem interage, o tempo no qual ele interage, o comportamento caracterizado pela ação e reação.

Plaza e Tavares (1998) diz que a interatividade está baseada no relacionamento do usuário com um determinado conteúdo em determinado contexto. Compete à interface criar esse relacionamento entre as pessoas e os objetos de estudo do design de interação. A partir desta conexão é possível uma interferência, modificação do produto ou sistema pelo próprio usuário.

Bolter e Grusin (2000) concluíram que usuários que não conseguem interagir com a interface logo perdem o interesse. Esta reação pode ser justificada pelo fato de que uma interação bem sucedida combina dados de diversos tempos e culturas em vários formatos e possibilidades de expressão, permitindo a personalização e incentivando a participação do usuário. Este caráter participativo da interação pode ser essencial para motivar a criança a continuar utilizando o dispositivo.

Os recursos interativos trazidos pelos livros digitais introduziram novas possibi- lidades de conquistar novos leitores e até mesmo de envolver, de forma diferenciada, os que já estão habituados ao livro em seu formato tradicional. Com respostas aos estímulos do usuário, a leitura passa a ser uma experiência de imersão no enredo.

Para que o projeto de design do livro interativo tenha sucesso, deve-se proporcionar um satisfatório nível de interação com o usuário. Tanto o projeto visual quanto a interação devem ser, ao mesmo tempo, estimulantes e intuitivos. “Por isto, deve-se considerar aspectos como o tempo, as metáforas, a abstração e o espaço negativo (pausas, períodos de inatividade e interseção entre interações) para definir uma narrativa, um controle das possíveis ações do usuário (PREECE, 2013) .

O estudo dos conceitos envolvidos no design de interação serviu de ferramenta auxiliar na elaboração de gerações com foco nas relação do usuário com a mídia. Tendo em vista este ponto, no próximo capítulo volta-se o foco para analise das ilustrações interativas propriamente dita da edição de Alice no País das Maravilhas para iPad.

CAPÍTULO III

TOCAR A TELA PARA ADENTRAR A TOCA: O PAÍS DAS MARAVILHAS SE MOVIMENTA NO IPAD

“Meu Deus! Meu Deus! Como tudo é esquisito hoje. E ontem era tudo exatamente como de costume! Será que fui eu que mudei à noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando eu levantei de manhã? Eu estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente…”

(CARROLL, 2009, p. 38).

A edição digital do livro “Alice no País das Maravilhas” desenvolvida pela Apple, funciona como uma espécie de “livro-aplicativo” do próprio tablet desenvolvido pela empresa – o iPad. A edição gratuita aqui analisada pode ser baixada no site da própria companhia, como já citado anteriormente. Para acessar o livro-aplicativo Alice for the iPad, basta procurar sua “miniatura” na tela do suporte e, em um toque, a leitura será iniciada (figura 1). Cada aplicativo possui uma “miniatura” que é ao mesmo tempo ícone e botão que simboliza que o título, no caso dos livros digitais, está com suas páginas acessíveis para leitura. Em uma comparação simples com o título que iríamos buscar na estante de livros, a ação de acessar este ícone pode ser comparado à maneira nossos olhos buscam a lombada dos livros enfileirados na prateleira . A “miniatura” é como a lombada: quando localizada, basta um dedo para puxar o livro desejado.

Ao primeiro toque o usuário é apresentado a capa do livro que possui outros dois ícones, que oferecem duas possibilidade de leitura: abridged – bedtime edition e original – classic edition (figura 2). Nosso objeto é a edição tocada através da expressão “abridged” (história resumida) com 50 páginas oferecidas no ícone esquerdo da tela do suporte.

Abriremos mais à frente apenas uma exceção apontando que antes da análise propriamente dita das páginas oferecidas pelo “abridged”. Faremos um pequeno referendo as duas primeiras páginas da opção “original”. O motivo é que estas duas primeiras páginas possibilitaram a análise e comparação com a obra impressa em sua edição do final do século XIX – tanto da capa, quanto da página que oferece o sumário com capítulos. A edição “abridged” adentra logo a narrativa, não oferecendo capa e sumário. Ao interagir de forma tátil com a opção do ícone que simboliza a existência do arquivo/ebook, o leitor é então direcionado à capa, que toma o espaço da tela cheia.

Esta não é ainda a “capa do livro” propriamente dita, mas uma opção de design para oferecer as opções técnicas de leitura, sequência e interação ao leitor, ambientando o mesmo com elementos da obra de Carroll e Tenniel. Como não existe guarda, muito menos folha de rosto e falsa folha, a própria capa faz o papel de isolar o leitor do mundo exterior (e principalmente das possibilidades multifuncionais oferecidas pelo próprio dispositivo), para que possa, enfim, focar sua atenção à leitura.

Ainda nesta primeira página já é oferecido dois outros ícones que ficam na parte de baixo da tela. Um primeiro, com o rosto de um gato, amparado por uma seta a direita – o segundo ícone (ver figura 2). Através destes dois signos, o leitor é apresentado ao sumário da obra digital – se tocar o rosto do gato – ou levado a próxima página do livro – se tocar a seta à direita. O design com rosto do gato não foi escolhido à toa. O felino com seu sorriso é uma figura hoje presente no imaginário de qualquer leitor que tenha tido algum tipo de contato com a obra, seja na versão impressa, digital ou cinematográfica.

Figura 2 – Capa após tocar o ícone de acesso

No caso de tocar o rosto do gato, um pergaminho “animado” desdobra-se na tela sem que haja qualquer outra interação por parte do usuário com o suporte (figura 3). Na comparação com o original, o design da lebre nesta tela tem como fonte o desenho de Tenniel, que no original aparece apenas na apresentação do sétimo capítulo, titulado “Quem roubou as tortas?” (figura 4). A apresentação do índice possibilita ao usuário acessar qualquer página do livro diretamente, sem precisar ter o ato de “folhear”, passar página à pagina, como ocorre na versão impressa. Destaque-se também que ao apresentar o índice com a figura do coelho com a corneta, o livro emite seu único efeito sonoro: o som de uma corneta com uma espécie de melodia que lembra os “arautos” que antecedem a fala de alguém importante em um filme de contos de fadas. Esse índice aqui apresentado elenca página a página, sem apresentar os títulos dos 12 capítulos da obra – que será apresentado pela edição “original” na página 2.

Ainda destacando a funcionalidade dos signos que aparecem inicialmente, é possível personalizar a navegação de alguns elementos do ebook tocando no rosto do Gato, dando ao leitor escolhas de como operar o livro durante a leitura. Quando o pergaminho se

abre, aparece também na base direita inferior do mesmo a palavra “settings” (configurações)”. Tocando em settings (configurações),o pergaminho sobe abrindo espaço para um segundo pergaminho escondido (figura 5) . Nele, o leitor escolhe se quer ou não visualizar o menu durante a leitura e também como quer o “virar de páginas” — ativado através da seta ou do gesto de arrastar o dedo como se estivesse folheando um livro de papel. A seta é a configuração padrão. A visualização do “virar de páginas” também é ajustável: pode imitar a página impressa (com a dobra na ponta) ou apenas deslizar horizontalmente.

Figura 3 - Índice de páginas após rosto do gato Figura 4 – Ilustração capítulo 7 – Original Tenniel

Figura 5 - Tocando o ícone "settings" - Versão iPad

Apresentada esta funcionalidade inicial que nos possibilitaria trabalhar e explorar o objeto de diversas maneiras - inclusive desconstruindo a “lógica” da história - por uma questão de abordagem, vamos nos ater as páginas que possuem as ilustrações de Tenniel quando transpostas para o veículo digital e remasterizadas de alguma maneira. Vamos nos guiar pela sequência numérica começando da página 1 que nos apresenta logo a narrativa sem capa ou sumário de capítulos (figura 6) avançando até a página 49 (figura 7) que encerra a história de Alice com uma belíssima animação do original de Tenniel defendendo-se de um ataque de cartas de baralho.

Figura 6 - Página 1, edição bedtime - Alice adormecida