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Com o desenvolvimento dos elementos de design e a chegada do suportes próprios para leitura – iPad, Kindle, dentre outros – a composição do livro no ambiente digital começou a se revestir de características próprias, individuais em relação ao meio impresso. Elementos da escrita e da imagem, próprios da publicação em papel, deixam de nortear a construção do livro, e mesmo as possibilidades do hipertexto são ultrapassadas e o ebook passa a ser percebido como mídia com atributos definidores de seu próprio gênero comunicacional. O hipertexto, sendo colocado nestes novos suportes digitais hipermediados, origina gêneros e modos de interação, que antes do processo de remediação eram pouco acionados ou inexplorados.

Escrita eletrônica, hipertexto, web e design vivendo sua evolução tecnológica em função da literatura foram permitindo o surgimento de ficções interativas, aplicativos de educação, de entretenimento hipermidiático dentre outros gêneros. O link, por exemplo, tornou-se um predicado de distinção e essencial ao hipertexto ou ao diálogo com o texto e uma ilustração, que não necessariamente precisa estar presente na página virtual criada para um ebook no momento em que esta está sendo manuseada. Ele permite uma conexão de segmentos, mas a inserção do link está vinculada a uma série de probabilidades lógicas da construção do pensamento, da leitura, não necessariamente a uma hierarquia – fator considerado na obra no meio impresso.

O que está na tela é simulacro, uma metáfora da página de papel, pensada apenas para uma empatia cultural, um hábito familiar do leitor. Mas basta acionar textos e ilustrações para se desconstruir o formato habitual e verificar que estes elementos podem ser acionados agora em diferentes ordens e maneiras, distintas daquelas praticadas até então nos momentos de leitura. Nunca em desordem, o que poderia ser apontado

erroneamente por alguém que possui total estranhamento com o ebook ou mesmo com outros aparatos digitais consolidados já nas práticas sociais de comunicação.

Ligar um texto a uma imagem interativa, a um infográfico, a uma representação dinâmica do que está no texto, passa a dar faculdade a palavra de ser um portal, de ir além de comunicar seu sentido gramatical; a palavra, o link, passa a ser um elo de ligação com o que inicialmente não está aparente na página do livro digital que está sendo lida/manuseada. Essa construção dos textos com elementos acionados por interfaces, links, ilustrações, configuram a obra como um todo em rede, como um website – este que foi sem dúvida o espaço de treinamento anterior para o leitor ter um menor estranhamento com inserção dos livros na ambiência digital. Além disso, se no ambiente impresso o sentido do texto já não era unívoco, os limites interpretativos através dos ebooks se alargam ainda mais.

Mas há autores como José Afonso Furtado (2006) e Júlio Plaza (1998), que ao ampliar as discussões sobre o hipertexto e as imagens dinâmicas pensadas para os livro digitais, não indo de encontro as promessas realizadas e ao potencial ainda não explorado por estes, chamam a atenção para o fato de que o modo como a estrutura hipertextual e as ilustrações interativas estão se apresentando atualmente no segmento literário está inserindo um grau de importância cada vez maior no link, nas ligações possíveis entre estes elementos, ao que interliga os conteúdos e conhecimentos, ao invés de conteúdo e conhecimento em si.

O que os pesquisadores tentam apontar é que em algum momento na prática de leitura - na literatura infantil, para nos aproximarmos do objeto analisado – a estrutura montada e roteirizada pelo design poderá possivelmente reduzir nossa imaginação, impondo ao leitor uma atenção em demasia nas ligações, no mapeamento possível em relação a leitura e interação com os demais elementos que acompanham o texto – as ilustrações dinâmicas, a luz, os sons, o movimento do nosso corpo para dialogar com os efeitos propiciados pelo suporte – em vez de se ater a aquilo que está realmente sendo transmitido e comunicado – estilo, história, personagens.

Tomando estes três elementos citados como exemplificação, o temor é que estas características da escrita, da construção de uma narrativa, sejam deixadas de lado frente à nova estrutura que o texto vem tomando no ambiente digital. Já contrapondo essa primeira abordagem, percebe-se também uma quantidade de significados que pode ser apreendido

destes intervalos e hiatos contidos nos fragmentos e construções que a hipermídia vai oferecendo ao se colocar a serviço da literatura.

O certo é que a escrita eletrônica e o texto digital estão potencializando uma série de novos gêneros e por consequência também audiências. No cenário atual de publicações da imprensa, de ebooks, websites, hiper-ficções, vooks, chats, redes sociais, blogs ao serem observados, mesmo que superficialmente, já apresentam formatos distintos e apontam para perspectivas estruturais e de comunicação que ao mesmo tempo se distanciam e se relacionam . A fragmentação não necessariamente resultará em uma fragmentação textual completa como muitos autores apontam.

O ambiente do texto e imagens digitais, que por um de seus conceitos direcionadores, permite uma constante atualização, pode ser abordado por um prisma diferenciado, como estando não sendo desconstruído, mas sendo perenemente organizado; no qual padrões associativos já viventes em relação às práticas de leitura, podem em qualquer instante partir-se e voltar a se reorganizar em outros significados possíveis. Se no contexto literário impresso os direcionamentos de leitura eram escassos, os caminhos do texto ou de interação com as ilustrações oferecem múltiplas direções de prática e significado.

O autor, pensando e escrevendo sua obra para o ambiente impresso, poderia também apontar direções que fugissem ao senso comum do leitor através do índex, por exemplo, mas estas se conservavam continuamente presas a rigidez do ordenamento de páginas do livro. Em compensação, os ebooks aparentemente parecem ultrapassar este obstáculo com facilidade, fazendo uso da autonomia que um aparelho digital hoje confere ao usuário, dando a opção de seguir com uma prática hierárquica ou associativa em relação ao que é apresentado na tela do dispositivo.

Livros digitais como Alice for the iPad dependem profundamente dos ritmos e expectativas desenvolvidos com o hábito de ler livros impressos para uns, como do hábito de práticas realizadas ao interagir com outras publicações em meios hipermidiáticos para outros. O que o hipertexto e as hiperimagensfazem ao mesmo tempo é uma multiplicação e uma refração destas experiências na busca por uma experimentação mais complexa e rica que a oferecida pelo impresso. Estas manifestações típicas da literatura digital não renegam, segundo Sérgio Prado Bellei (2012), a linearidade da obra impressa, como alguns autores defendem. O pesquisador defende que o texto digital, por exemplo, recorre

igualmente a linearidade, só que para oferecer uma multiplicidade diversa desta, transformando as composições textuais não lineares, mas multilineares.