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Designação da área de estudo

1. A Tradução de notícias nos Estudos de Tradução

1.2. Designação da área de estudo

A tradução de notícias foi, durante muito tempo, abordada apenas no domínio do jornalismo, por se considerar que fazia parte do processo de produção de notícias.

Porém, ao longo dos últimos anos, tem-se dado um maior enfoque ao estudo da tradução de notícias, a partir da perspetiva dos Estudos de Tradução. O maior debate surge precisamente na adoção de um termo consensual para a designação da área de estudo a que corresponde a tradução de notícias. Diversos autores têm proposto alguns termos, e, apesar de não ter surgido no âmbito da tradução de notícias, o termo

“transedição”, cunhado por Stetting (1989, citada em Schäffner 2012), é um dos termos que tem gerado maior discussão entre os teóricos da tradução (Bielsa & Bassnett, 2009;

Schäffner, 2012; Hursti, 2001; Valdeón, 2014).

De acordo com Stetting (1989, citada em Schäffner 2012, p. 867), este termo surgiu para definir a fronteira difusa entre tradução e edição. A autora defende que os textos devem ser adaptados às culturas e aos contextos, de forma a cumprir com as expetativas do público-alvo, e, à semelhança do que acontece com o tradutor, o objetivo do editor é melhorar a clareza e garantir a utilização das convenções próprias do tipo de texto que está a editar, sem anular a personalidade e as caraterísticas mais importantes do texto. Segundo Stetting (1989, citada em Schäffner 2012, p. 868), a transedição é praticada em cinco situações específicas: na redução de texto para legendagem; na transformação de uma entrevista a um político num texto idiomático e bem estruturado; na organização de manuscritos inadequados; na redação de textos

jornalísticos a partir de material noutras línguas; e na extração de informação de diversos documentos para produzir material promocional de uma empresa noutra língua. A autora defende que a transedição permite que as intenções originais renasçam, numa forma nova e melhorada, na língua de chegada, afirmando que um tradutor que assume esta responsabilidade transforma-se num transeditor. Segundo Schäffner (2012), o principal objetivo do argumento de Stetting é convencer o leitor de que as alterações ao conteúdo da tradução são legítimas e, até, necessárias.

A transedição também é abordada por Hursti (2001) que, ao contrário de Stetting, considera que as tarefas de tradução e edição integram o processo de gatekeeping, em que os jornalistas decidem que conteúdos passam à próxima fase, e quais os que ficam retidos no denominado gate. O gatekeeping corresponde ao processo de seleção de notícias ou de detalhes de notícias que reúnem os critérios de noticiabilidade, segundo o qual a informação que cumpre com estes critérios avança para publicação, enquanto a restante é bloqueada. Segundo o autor, o trabalho composto de transedição e gatekeeping pode ser entendido como duas faces da mesma moeda. Hursti (2001) defende esta posição, argumentando que, quando um jornalista internacional decide manipular determinados excertos de informação (e.g. eliminando, substituindo ou reorganizando a informação), por exemplo retirados de um artigo da Reuters para produzir um artigo na sua língua, está a tomar uma decisão “translatorial”, (ou, segundo o autor, uma decisão “transeditorial”), ao mesmo tempo que está a transformar o texto.

Por conseguinte, Hursti (2001) conclui que este é um procedimento de gatekeeping.

Há, ainda, outros estudiosos que concordam que a tradução pode agir como um mecanismo de gatekeeping, como é o caso de Valdeón (2014, p. 56). O autor refere, a título de exemplo, a seleção da informação efetuada por alguns jornais internacionais de referência no âmbito do acordo com a WikiLeaks. Porém, Valdeón (2014, p. 56) considera que, neste contexto, a tradução funcionou, não só como um mecanismo de gatekeeping, mas também como uma estratégia de adaptação, pois contribuiu para que os meios de comunicação social decidissem o que, onde e como publicar. Valdeón (2014, p. 60) aborda também a utilização do termo “transedição”, afirmando que este não é o mais adequado para definir as estratégias caraterísticas da tradução de notícias, porque

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o enfoque na transferência linguística e na edição não é tão relevante como as implicações sociais, económicas e políticas de processos como a adaptação e a apropriação, conceitos que o autor privilegia no âmbito da tradução de notícias. Por conseguinte, o autor defende que a análise de textos jornalísticos requer uma abordagem interdisciplinar, que permitirá obter conhecimentos sobre o processo de produção de notícias, a partir da investigação já realizada, nomeadamente na área da Comunicação.

Mas não é só em Hursti (2001) e Valdeón (2014) que a designação sugerida por Stetting (1989, citada em Schäffner 2012) não reúne consenso. Bielsa e Bassnett (2009, pp. 63-64) também não são apologistas da utilização do termo “transedição”, preferindo a denominação “tradução de notícias” para fazer referência a esta combinação entre tradução e edição, no contexto específico da produção de notícias. Segundo as autoras, a tradução de notícias não é diferente das tarefas de edição, através das quais os artigos são verificados, retificados, modificados, aperfeiçoados e preparados para publicação.

Com efeito, o TP sofre modificações mais profundas, no contexto da tradução de notícias, visto que é necessário ter-se em consideração os critérios da relevância da notícia e o conhecimento prévio do público-alvo. Bielsa e Bassnett (2009, p. 64) referem que as alterações mais frequentes ao TP são: a alteração do título ou do lead, para se adaptarem às exigências do novo público-alvo e da publicação onde a notícia será veiculada; a eliminação de informação desnecessária, por ser redundante ou por ser direcionada especificamente ao público da cultura de partida; a adição de informação de contextualização, visto que o texto original foi concebido num determinado contexto e o novo leitor poderá necessitar de informação adicional para se contextualizar; a alteração da ordem dos parágrafos, pois o artigo deve ser reorganizado de forma a colocar-se a informação mais relevante para o novo público-alvo nos primeiros parágrafos; e o resumo de informação, por questões de falta de espaço disponível ou para ocultar informação pouco relevante no contexto de chegada.

Porém, a designação “tradução” no âmbito da produção de notícias de caráter internacional também não é consensual. Pym (2004, p. 4), por exemplo, questiona a utilização do termo. O autor argumenta que as notícias internacionais que lemos na

imprensa local ultrapassam as fronteiras do conceito de tradução e, como tal, devem ser encaradas como uma localização de textos que foram produzidos noutros idiomas.

De acordo com Pym (2004, p. 5), um texto localizado, ao contrário de um texto traduzido, que tem no TP um “congénere”, é um texto dinâmico, que não representa necessariamente um texto produzido previamente. Se nos focarmos nesta perspetiva, podemos concordar que o texto jornalístico seja considerado um texto localizado, porque sofre várias alterações de modo a adequar-se ao público-alvo da cultura de chegada.

Contudo, aceitar esta designação, no âmbito da produção de notícias de caráter internacional, seria concordar, erroneamente, que a tradução se restringe apenas a questões de equivalência ou tradução literal. O mesmo se aplica à denominação

“transedição”, que, apesar de ser um conceito abordado por diversos autores no âmbito da produção de notícias, não é consensual, visto que grande parte dos teóricos considera redundante a fusão entre tradução e edição. Schäffner (2012, p. 881), por exemplo, defende que optar pelo conceito de transedição, em detrimento do verdadeiro conceito de tradução, seria aceitar a tradução, no seu sentido mais estrito, recusando o facto de a tradução ser um processo textual e sociocultural que envolve transformações. O conceito de tradução é muito abrangente, especialmente à luz das teorias funcionalistas. A Teoria do Escopo proposta por Vermeer (1987, citado em Nord, 1997, p. 12) propõe que um dos fatores mais importantes que determinam o objetivo da tradução é o recetor da mensagem, que está inserido numa determinada cultura e que possui determinadas expetativas e necessidades comunicativas. Ao contrário do que é habitual nas teorias baseadas na equivalência, nesta teoria funcionalista o estatuto do TP é inferior ao estatuto do TC, ou seja, o que importa é cumprir o objetivo de comunicação, relegando para segundo plano a fidelidade ao TP. Por conseguinte, podemos afirmar que a produção de artigos a partir de material linguístico noutras línguas, adaptando-os a um novo público-alvo, de acordo com os critérios de noticiabilidade da cultura de chegada, deve ser encarada como tradução, pelo que o termo “tradução de notícias” parece o mais apropriado para designar esta área de estudo, conforme defendem Bielsa e Bassnett (2009).

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1.3. Produção noticiosa - a fronteira difusa entre invisibilidade e