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Capítulo 1: O uso da Televisão

1.3. Uso da TV como efeito

1.3.1. Deslocamento e/ou supressão de outras atividades

O deslocamento, a substituição ou a supressão de atividades na audiência foram alguns dos primeiros efeitos a serem identificados com a aparição da TV e constituem algumas das grandes acusações feitas contra o meio. Assume-se que a TV rouba tempo valioso de outras atividades. Autores como Williams (1986) defendem que o impacto do uso da TV sobre o deslocamento de outras atividades do dia-a-dia merece tanta atenção quanto a que é dispensada aos efeitos associados ao conteúdo da programação.

Segundo Neuman (1991), o deslocamento pode assumir diferentes formas:

• Similaridade funcional: segundo esse princípio, a TV tende a deslocar e/ou suprimir atividades que satisfaçam menos efetivamente as mesmas necessidades às quais ela atende. Assume-se que as pessoas são seletivas nas suas atividades de lazer, escolhendo as opções que podem satisfazer mais efetivamente suas necessidades. Assim, atividades que servem menos eficientemente a funções similares serão descartadas em favor daquelas alternativas mais desfrutáveis e acessíveis.

• Substituição de atividades não estruturadas: quanto mais casual e menos estruturada for uma atividade particular, maior é a probabilidade de que seja deslocada.

• Transformação: outros meios podem ser usados com propósitos específicos mas apenas se sobrepõem parcialmente ao uso da TV. O uso eventual do rádio e do cinema serve como exemplo.

• Proximidade física e psicológica: serão deslocadas com maior probabilidade aquelas atividades que compartilham o mesmo espaço físico e provêm menos satisfação.

Tais princípios vêm sendo observados por diversos estudos desde os anos 70. Em 1972, Robinson, depois de estudar o impacto da TV em 50 países, concluiu: “a TV parece ter uma grande influência na estrutura da vida diária, mais que qualquer outra inovação neste século” (apud Weimann et al., 1992, p. 491). Vinte anos depois, Fowles (1992) concorda que ver TV é hoje a terceira atividade mais freqüente em termos de horas gastas diariamente, deslocando, diminuindo ou substituindo outras atividades que acompanham a espécie há muitas gerações, como socializar, brincar e educar as crianças.

A TV alterou drasticamente atividades de lazer fora de casa (religiosas, esportivas, sociais, de consumo, etc.). Tais atividades, que com freqüência envolvem interação social, são limitadas quando as pessoas optam por ver TV (Barnettet al., 1991). Esses dados explicam por que muitas das atividades que as pessoas executam no seu cotidiano se deslocam, diminuem e até

desaparecem. Esse fenômeno tem se mostrado contínuo ao longo do tempo em diferentes culturas.

Condry explica: “como a TV é um meio atrativo de consumo de tempo, assim que surgiu, ela causou uma poderosa e permanente relocação do tempo. Estes fatos são válidos [...] virtualmente para todo país do mundo em que a TV foi introduzida” (1989, p. 19).

Uma pesquisa feita na Austrália estudou 98 famílias num povoado sem TV, 102 numa cidade onde há apenas um ano contava-se com uma emissora e 82 em que havia dois anos contavam com duas emissoras de TV. Os pais eram entrevistados sobre a quantidade de tempo que eles e suas crianças gastavam em 17 categorias de atividades de lazer. Os resultados mostraram que, onde não havia TV, as crianças gastavam mais tempo em outras atividades de lazer. Quanto mais a TV era disponível, menor o tempo gasto com esporte, menor o uso de cinema, rádio, música, atividades comunitárias e outras fora de casa (Gunter e Mcaleer, 1997).

Outro estudo realizado no Canadá por Williams e Handford (apud Liebert e Sprafkin, 1988) revelou que, quanto maior a oferta de TV, maior o seu impacto sobre outras atividades. A participação dos jovens em atividades comunitárias e esportivas decresceu, enquanto outras como alimentação ou atividades escolares foram alteradas com a chegada da TV. Também no Canadá examinou-se o impacto da TV numa comunidade onde esta não existia. A introdução da TV produz uma forte redução em muitas atividades comunitárias e esportivas, como também na participação em festas e eventos sociais. Atividades que não podiam ser facilmente compartilhadas com a TV decresciam quando ela era introduzida.

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Número de ati v id ades de esporte Cidade sem TV Cidades com 1 canal de TV Cidade com 4 canais de TV

Gráfico 5. Envolvimento de jovens em atividades esportivas de acordo com a oferta de TV (Adaptado de Liebert e Sprafkin, 1988, p. 7).

Nos Estados Unidos, outro estudo mostrou como o uso de jogos de vídeo, gravador e instrumentos musicais, a participação em atividades sociais e os horários de sono decresciam à medida que a presença da TV aumentava. Na África do Sul observou-se o mesmo fenômeno. À medida que as crianças se envolviam com a TV, outras atividades decresciam. Cinema, rádio, escutar música, leitura, esportes, hobbies e atividades sociais sofreram após a introdução da TV. Porém, quando o tempo de TV diminuía, o envolvimento com as atividades afetadas permanecia nos níveis reduzidos originados com a chegada do meio (Gunter e Mc Aleer 1997). Os autores concluíram que, além de diminuir o tempo gasto em outras atividades, o meio também induz a um decréscimo do interesse por elas, mesmo quando o tempo de ver TV diminui. Esses achados foram confirmados por outras pesquisas. Nas décadas de 1970 e 1980, estudos realizados por Fowles (1992) em 11 países de América do Sul, América do Norte e Europa confirmaram que atividades como sono, encontros sociais fora de casa, leitura, trabalhos manuais, conversação, manutenção de correspondência e cuidado do lar decresceram pelo uso da TV. Outros mostram que aspectos íntimos da vida cotidiana da família – como horários de alimentação (Neuman, 1991), quantidade de comunicação familiar (Seiter et al., 1991) e mesmo a mobília do ambiente do lar – têm sido alterados pelo uso da TV.

Kubey e Csikszentmihalyi (1990) têm encontrado com muita freqüência que as pessoas usam a TV de forma paralela ou secundária a outras atividades. Esse tipo de uso pode explicar até 63,5% do tempo total de exposição. Dessa porcentagem, as pessoas relatam estar comendo em 25% do tempo. Para pessoas que moram sós esse índice se eleva para 37%. No entanto, o uso da TV como atividade paralela não se mostra homogêneo entre culturas diferentes. Estudos na África relatam que as pessoas se envolvem de maneira mais intensa com a TV e menor número de atividades paralelas. Em Israel, crianças se envolvem em menos atividades paralelas enquanto assistem à TV, investem maior atenção, esforço cognitivo e retêm mais do conteúdo que crianças dos Estados Unidos. Entre canadenses e italianos de diferentes idades, as diferenças no uso da TV como atividade paralela são mínimas.

Há consenso sobre o fato de que a TV transformou a forma como o tempo é distribuído e empregado na vida diária de mais pessoas no século XX que qualquer outro meio ou invenção (Robinson apud Weimann et al., 1992). A penetração da TV nas últimas décadas tem levado estudiosos a afirmar que a TV “se converteu em parte da existência, como o amanhecer ou a força da gravidade” (Fowles, 1992, p. 32). Os estudos recentes confirmam que a

mídia está intrinsecamente incorporada às rotinas cotidianas da vida no lar, porém, com consideráveis diferenças de gênero (Pasquier, et al. 1998).

Nas palavras de Comstock:

“a TV tem mudado o caráter e a disponibilidade de outras opções e marcado a forma como cada dia é vivido no lar padrão. A atenção extensiva aos meios de comunicação de massa pela qual a TV é em boa parte responsável, representa uma das características que definem a vida na segunda metade de nosso século (1989, p. 242)”.

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