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Capítulo 1: O uso da Televisão

1.1. O lugar da TV no mundo de hoje

Não há esfera da vida moderna em que não se tenha observado, em maior ou menor medida, a influência da TV sobre o comportamento das pessoas. Cinco décadas de pesquisa em psicologia e outras ciências sociais ilustram como a TV atinge a cognição, o afeto e a conduta de indivíduos, grupos e instituições das mais variadas origens étnicas, credos e características demográficas e culturais.

O conteúdo dos programas apresentados – sejam de ficção ou não – fornecem informações que são incorporadas nas estruturas de conhecimento dos membros da audiência. Isto tem levado muitos autores a considerar a TV um ‘informante universal’ ou uma ‘janela para o mundo’ (Condry, 1989, p. 29).

Numa perspectiva sociocultural, a TV representa hoje uma instituição que influencia substancialmente todas as outras instituições. No dizer de Kubey e Csikszentmihalyi, “a TV é junto com a família, a escola e a Igreja, uma das principais fontes culturais de socialização” (1990, p. 24). A TV é tida como o meio mais universal e influente da mídia (Davis e Westbrook, 1985) e como um dos “principais veículos da cultura contemporânea” (Weimann et al., 1992, p. 492).

O tamanho da audiência da TV, sua abrangência geográfica, dimensão econômica e perspectivas de expansão são de proporções não conhecidas antes por nenhum outro Meio de Comunicação (M.C.). Em 1990, meio bilhão de lares no mundo contavam com um aparelho de TV (Dunnett, 1990). Em 1994, o total de aparelhos de TV chegou a 1,24 bilhão (Almanaque Abril, 1998).

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Ásia Am. do norte e

central

Am. do sul Oceania África

Gráfico 1. Distribuição percentual de aparelhos de TV no mundo (Fonte: Almanaque Abril, 1998).

Em países como os Estados Unidos, dos 94% dos lares que têm uma TV, 45% possuem duas e 24% contam com três ou mais receptores em uso (Bennett e Bennett,1994). No Brasil também se registrou uma difusão vertiginosa da TV. Entre 1950 e 1960, o país chegou à marca de 1 milhão de aparelhos vendidos. Nos cinco anos seguintes, até 1965, esse número duplicou. A partir dessa data, a quantidade de aparelhos em uso não parou de crescer (Caparelli, 1982). 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 40000 45000 50000 60 70 80 90 décadas milhares de aparelhos

Gráfico 2. Número de aparelhos de TV por década no Brasil (Fonte: Caparelli, 1982 e Almanaque Mundial, 1995).

Em 1997 o Brasil contava com 45.643.000 aparelhos de TV em uso. Dos domicílios brasileiros, 36 milhões possuíam uma TV, o que correspondia a 85,1% do total. Na região Sudeste esse índice era de 93, 6%, seguido das regiões Sul (93,1%), Centro-Oeste (85,3), Norte (79,4%) e Nordeste (66,7%) (Almanaque Abril, 1998).

Hoje, é possível que 9 de cada 10 famílias brasileiras possuam uma TV em casa. Segundo alguns autores, no Brasil, “nenhum meio de comunicação exerceu tanto fascínio” (Caparelli, 1982, p. 89-90). Atualmente, o número de pessoas que assistem habitualmente à TV no país

imensa maioria dos brasileiros, a TV é a única fonte de informação (Revista Meio e Mensagem, 1998, p. 24). 0 40 80 120

Sudeste Sul Centro Oeste Norte Nordeste

Gráfico 3. Distribuição percentual de aparelhos de TV no Brasil por região (Fonte: Almanaque Abril 1998).

A TV conta com a singularidade de ser a única atividade de lazer que interessa regularmente à maioria da população adulta (Critchter, 1992). As pessoas desejam ver TV 90% do tempo, em contraste com seu desejo de trabalhar (15%). O desejo de ver TV só perde para atividades como comer, fazer sexo, conversar e, em algumas culturas, para ler e fazer esportes (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990). Isso se manifesta nos padrões de uso do meio. Segundo esses autores, em países como os Estados Unidos, as únicas atividades que absorvem mais tempo que ver TV são o sono e o trabalho. Nesse país, a TV permanece ligada 7 horas por dia – 8 horas em lares com TV a cabo – e assiste-se em média de 2 a 3 horas por dia. Em qualquer momento da noite, mais de um terço da sua população está vendo TV, sendo que no inverno (mesmo em dias de semana), a metade da população está sentada diante da TV.

Um adulto norte-americano médio que trabalha e dorme 8 horas diárias, geralmente dispõe de 8 horas ‘livres’ de vida consciente. Entre as múltiplas escolhas de atividades disponíveis para ocupar seu tempo livre, ele escolherá a TV em 50% das vezes. Isto é, metade do tempo livre dos adultos é dedicado a ver TV (Condry, 1989; Greenberg, 1984), sendo que aos 70 anos terão gasto 7 dos 47 anos de vida consciente vendo TV (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990). Ou seja, mais tempo do que se gasta em qualquer outra atividade, exceto pelo trabalho e pelo sono (Weimann et al., 1992). Tais fatos levaram o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos a concluir que, para muitas pessoas, lazer significa o mesmo que ver TV.

A importância da televisão na vida diária do adulto norte-americano foi recentemente ilustrada por uma pesquisa que revelou que 25% dos americanos não desistiriam de ver TV nem por um milhão de dólares, enquanto 20% não desistiriam por menos dessa quantia (Nussbaum e Coupland, 1995).

Esse fenômeno não se restringe às fronteiras daquele país. Nas palavras de Kubey e Csikszentmihalyi, a TV “tem chegado a ser a forma dominante de lazer em nossa cultura e o

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meio de comunicação mais poderoso. Em quatro curtas décadas ela se converteu no canal primário de informação que compartilhamos como nação e como mundo” (1990, p 24).

O tempo de uso da televisão continua a crescer a cada ano, e não só nos Estados Unidos1. A TV tem aumentado o consumo dos M.C. em uma hora diária e responde por ¾ de

todo o consumo da mídia (Comstock e Paik, 1991).

A TV está crescendo em popularidade em cada país do globo. Uma pesquisa realizada em doze países, com o objetivo de estabelecer como homens e mulheres que vivem em ambientes urbanos gastam o tempo diário, confirmou que em alguns países assistir à TV: a) é a atividade que consome mais tempo, perdendo somente para o sono e o trabalho; b) como atividade única, ocupa um terço de todo o tempo de lazer, e 40% do tempo quando descrita como secundária ou complementar a outra atividade; c) é a primeira atividade de lazer, superando a socialização, a leitura, eventos fora de casa, viagens, tarefas de casa, entre outras (Szalai apud Comstock, 1989).

O padrão dominante do uso da TV na vida diária difere relativamente pouco ao redor do mundo. Kubey e Csikszentmihalyi explicam:

“Em sociedades maiores, pessoas que trabalham gastam aproximadamente um terço de suas horas de vigília no trabalho ou a caminho do trabalho; perto de 40% do tempo é gasto com atividades de manutenção como comer, cozinhar, dormir etc. e cerca de 30% do tempo é dedicado ao lazer. Ver TV é a única atividade que claramente absorve a maioria do tempo nas sociedades modernas” (1990, p. 12). Embora o número de horas de exposição à televisão varie entre países de acordo com a quantidade de programação diária disponível (quanto mais tempo de programação diária, maior o consumo de TV), nos últimos 30 anos esses padrões básicos de uso têm se aplicado a um grande número de países do mundo (Liebert e Sprafkin, 1988). Tais dados permitem apreciar a profundidade com a que a TV penetrou em nossa vida diária. Como é ilustrado no gráfico 4, desde sua aparição nos anos 50, o consumo de TV – medido em número médio de horas que a TV permanece ligada no lar – vem crescendo de maneira constante (Condry, 1989).

horas/dia

1 Segundo Kubey e Csikszentmihalyi (1990), programas norte-americanos são vistos cada vez mais por

enormes audiências no mundo todo. Em uma reunião internacional de empresas de distribuição de séries de TV realizada em Cannes, estimou-se que a TV norte-americana faturou U$ 2,7 bilhões em 1992, o que equivale a um crescimento de 1.200% comparando as vendas 10 anos antes.

5,5 6 6,5 7 7,5

Ano

Gráfico 4. Número médio de horas diárias de uso da TV no lar nos EUA entre 1963-1985. (Adaptado de Condry, 1989, p. 33).

Já na década de 1990, as estimativas de tempo de uso aumentaram em virtude da expansão da oferta de TV (satélite, a cabo) e de acessórios tecnológicos (vídeo, filmadoras, jogos de vídeo, TV digital, etc. Comstock e Paik, 1991). Essas inovações estão levando cada vez mais as pessoas a assistir mais à TV (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990). Embora a relação não seja perfeitamente linear, existe forte consenso em que “quanto maior é a exposição, maior a influência” da TV (Condry, 1989, p. 4). Tais fatos possuem sérias implicações já que os estudos concordam que nenhum outro M.C. se arraigou de maneira tão profunda na vida cotidiana das pessoas. Diariamente, no mundo todo, assiste-se a mais de 3,5 bilhões de horas de TV (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990, p. 1).

O constante aumento do uso da TV leva a pensar que a audiência tem o meio em alta estima. Porém, os dados são contraditórios. Enquanto o consumo médio de TV vem aumentando de maneira constante ao longo das últimas décadas, a avaliação pública do meio tem sido menos favorável. Alguns dados mostram posições francamente ambivalentes. Pesquisas de opinião mostram que 75% do público acredita que há um excesso de comerciais, enquanto a mesma proporção de usuários afirma que é um preço justo a pagar pelo serviço (Condry, 1989).

Mesmo diante de tais fatos, a penetração e a influência da TV na vida diária do mundo moderno são consideráveis. Segundo Mankiewitz e Swedlow:

“A televisão afeta cada aspecto da vida. [...] Ela alterou o modo de viver em todos os níveis da sociedade [...] os programas de TV proporcionam hoje em dia, progressivamente, e a uma taxa alarmante de crescimento, os elementos básicos, o ritmo e os princípios sob os quais vivemos. Ao fazê-lo, a TV penetra profundamente

em nossas vidas, a ponto de ser freqüentemente irreconhecível essa influência e, muitas vezes, impossível de se evitar” (apud Pfromm Netto, 1980, p. 31).

Esses achados dão uma amostra não apenas do imenso atrativo que a TV exerce sobre as pessoas e o lugar que ocupa na vida moderna, mas da importância acadêmica do estudo de seu uso pela audiência.

O estudo do uso da TV na vida cotidiana se circunscreve à área do estudo da audiência. Sua importância radica em que o primeiro passo de um processo de influência é o próprio uso do meio. Isto é, a exposição ao meio – quantidade e qualidade – é precondição de sua possível influência.

Como não haveria efeito sem audiência, o estudo do uso da TV faz parte do estudo dos efeitos da TV. Assim, entende-se que assistir à televisão em si mesmo é um de seus efeitos mais importantes (Comstock, 1989). Esse empreendimento tem entrado na sua quinta década e continua a envolver esforços científicos (Preston e Clair, 1994).

Desde a década de 1950 a ampla aceitação pública e a popularidade da TV motivam os cientistas sociais e do comportamento a estudar como as pessoas usam a TV e o uso da TV na vida cotidiana. Apesar do longo percurso da pesquisa em mídia, há uma série de tópicos relacionados com a audiência que ainda esperam por respostas. Muitas das explicações sobre como, por que e com que conseqüências as pessoas usam a TV são causa de intenso debate.

Na visão de alguns autores, como as pessoas vivem com esse M.C. tem sido capturado apenas parcialmente (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990). Para estes, parte da incerteza se associa ao fato de que teorias e métodos com os quais é avaliado o que as pessoas fazem com a informação que recebem da TV, e o que acontece nas horas – ou dias – após a recepção, ainda está nos primeiros estágios de desenvolvimento.

Alguns autores defendem que um completo entendimento da influência da TV sobre o comportamento exige identificar não apenas o caráter do conteúdo ao qual se assiste, mas identificar quem é o usuário, por que, quando e como assiste a ele. Para estes, só estudos que se centram no estudo da audiência podem responder sobre as características, os motivos e a forma como as pessoas vêem TV (Condry, 1989).

Entender a experiência de ver TV deve ser o principal fim, a prioridade lógica e o ponto de partida para o estudo de outros efeitos da TV (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990). Eles acreditam

que ainda não sabemos por que as pessoas assistem tanto à TV, como o meio as afeta e qual o seu impacto cultural.

Barwise e Ehrenberg tem chamado a atenção para a conveniência de considerar o conceito de audiência nos debates acerca do impacto da TV sobre o comportamento. Na opinião deles, não é raro desconhecer o papel da própria audiência no conjunto do processo, uma vez que raramente é feita qualquer referência à audiência, exceto para tratar de seus índices. Conhecer como os usuários consomem TV não apenas amplia nossa compreensão sobre temas políticos práticos, mas também sobre a natureza geral do meio.

Há um crescente acordo em que a explicação cabal dos usos e efeitos da mídia obriga “a volta” ao estudo da audiência. Segundo Weimann et al(1992), atualmente, o interesse da pesquisa sobre a audiência em TV tenta responder a perguntas como: quem assiste e com que freqüência? Com que motivos; isto é, por que as pessoas assistem à TV e quais são os Usos e as Gratificações (U.G) que orientam os usuários a certos programas? Quais são as atitudes dos usuários – apreciação e crítica do conteúdo da TV, opinião sobre a qualidade do conteúdo e da oferta de programação? Quais os efeitos sobre os usuários: cognitivos (formação, mudança e reforço de atitudes), afetivos (ativação emocional) e comportamentais (consumo e voto)?

A TV é inquestionavelmente aceita como normal e é parte essencial do sistema familiar, a ponto de que uma grande parte da audiência nem imagine a possibilidade de viver sem ela. Esses precedentes fazem com que os padrões de uso da mídia constituam indicadores dos desejos, valores, interesses e necessidades dos membros da audiência.

Na ótica de Davis e Westbrook (1985), a compreensão da extensão e da qualidade de dita influência envolve a consideração de inúmeras variáveis e a participação de distintas disciplinas e enfoques teóricos. Estabelecer os fatores que motivam o uso cotidiano da mídia exigiria examinar variáveis tão diversas como: significado e funções que possui para a audiência, exigências do mundo do trabalho, circunstâncias de vida, clima de comunicação da família e contexto psicossocial, econômico e ecológico do usuário em que ocorre o uso da mídia.

Esses autores atribuem a particular ubiqüidade da TV a uma miríade de funções que o meio assume na vida diária das pessoas. Estas podem ser de ordem prática, afetiva e psicológica. A TV é usada para enfrentar os problemas do dia-a-dia e possui um alto valor emocional para o usuário, pois “provê remédio para a solidão e é usada para criar sentimentos ‘bons’ ou definir relações humanas”(Davis e Westbrook, 1985, p. 213).

De uma perspectiva puramente psicológica, compreender a natureza da conduta de ver TV, as condições em que esta varia e sua influência sobre crenças e condutas do usuário é

crucial para entender como o meio afeta a aprendizagem e o comportamento (Kubey e Csikszentmihalyi, 1990), bem como para “aprender sobre a psicologia do indivíduo” (Condry, 1989, p. 21).

Os estudos contemporâneos em comunicação preocupam-se em esclarecer a natureza do uso da TV, suas motivações e gratificações. Eles têm produzido tipologias de uso da TV e explorado os vínculos entre tais usos e várias características individuais. Esse esforço é recente. Apenas na década de 1980 os estudos sobre a audiência tentaram ir além da identificação e da qualificação de necessidades, relacionando-as com atitudes, condutas e características individuais e sociais. Enquanto as primeiras tentativas empregavam medidas únicas de variáveis isoladas, as pesquisas contemporâneas abordam os estudos sobre a audiência, tentando estabelecer simultaneamente as relações entre motivações e os padrões de uso em combinação com uma série de características sociodemográficas (Weimann et al. 1992).

A TV tem se convertido num campo central de investigação para pesquisadores vindos tanto das ciências sociais como das humanas. Essa diversidade de bagagens disciplinares tem feito da pesquisa em TV um lugar de idéias e modelos concorrentes, que abarcam desde descrições fenomenológicas do significado da experiência de ver TV, até a tentativa da formulação de modelos matemáticos e leis para explicar a conduta de ver TV e a evolução do meio (Henriksen, 1985).

Outros autores defendem que devem ser incorporadas novas variáveis para um entendimento cabal da relação das pessoas com a TV. Rogge (apud Seiter et al., 1991) afirma que não há investigação suficiente nas áreas da vida diária, particularmente da vida familiar, em que a mídia pode exercer sua influência e que igualmente pouca atenção tem sido dada à estreita relação entre situação de trabalho, possibilidades de lazer, fatores socioecológicos determinantes e rotinas estabelecidas em contato com a mídia.

Como foi dito, a entrada de novas tecnologias de mídia está associada a maior tempo de uso e escolhas mais diversificadas. Quanto maior a diversidade de programas ou opções de TV, maior o número de motivações de uso. Assim, a quantidade de opções de programação está se configurando como um forte preditor de tempo de uso (Lin, 1993). Tal quadro, visto desde uma perspectiva tanto ideológica quanto teórica, levanta até hoje sérios debates sobre a função política, social e cultural da TV, levando os acadêmicos a avaliar o conteúdo, a estrutura, os usos, seus efeitos e formas de controle do meio (Weimann et al., 1992).

Porém, o ritmo do desenvolvimento tecnológico superou em muito o do conhecimento que as ciências sociais e do comportamento possuem sobre a relação das pessoas com a mídia e seus efeitos sobre o comportamento. Estamos muito aquém do estado ideal de conhecimento sobre o próprio impacto da TV, quanto mais do que é preciso para explicar o efeito potencial de novas tecnologias televisivas e o imenso crescimento da oferta e da disponibilidade da mídia.

Estas e outras razões vêm se somando para chamar a atenção sobre a importância social do estudo da audiência e suas aplicações. Dele participam aproximações originárias de disciplinas muito diversas das ciências humanas e sociais (Jensen e Rosengreen, 1990).

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