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CAPÍTULO 6 – E XPERIMENTAÇÕES PESSOAIS : POÉTICAS DA INTERFACE

6.2 Deslocamentos

Ao adotar a Internet como meio, transponho o transeunte urbano para um transeunte virtual. A metáfora da rede como espelho do universo urbano, da própria fluidez (ou a falta desta), multiplicidade de estímulos sensoriais e caos é sempre recorrente, como coloca Christine Mello6,

curadora do núcleo Net Arte Brasil, na 25ª Bienal de São Paulo (2002):

Ruas, viadutos, transeuntes e grandes anéis viários: links, interfaces, arquivos e servidores. A própria rede torna-se a própria metáfora da cidade, reproduz no microcosmo informacional, a cena urbana, com todas as suas qualidades e infinitos problemas. Ao problema insolúvel dos engarrafamentos a cidade virtual propõe como solução a banda larga, logo saturada também com o aumento exponencial de sites e acessos. A cidade da informação mantém sua velocidade e seu fluxo na proliferação de avenidas invisíveis, no transporte de mensagens via fibra ótica, fios de cobre e cabos.

Os fluxos urbanos refletem-se no próprio ciberespaço. Aos néons reluzentes, os banners e as janelas pop-up saltitantes. Ao anonimato da multidão, os chats e seus apelidos pouco reveladores. Aos nichos de decadência na cena urbana, os sites de pedofilia, de remédios duvidosos, de sexo

como produto. Um submundo telemático7.

>cidade vários homens que carregam cartazes em branco. O irônico e instigante acontecimento, amotina muitas pesso- as e provoca a intervenção da polícia. Em uma espécie de processo de purgação do vazio nos canais midiáticos, o artista realiza outros trabalhos como “60 segundos de branco” quando convenceu uma emissora de televisão francesa a deixar a tela sem imagem durante a apresentação de um telejornal.

6Segundo a autora, algumas das associações sugeridas foram feitas em conjunto com o artista Daniel Sêda.

7Aliás, essa visão de submundo virtual é colocada pelo artista Lucas Bambozzi no site de web arte Meta4Walls (2002),

disponível em http://www.bienalsaopaulo.org.br/Meta4walls, onde revela situações espúrias, desconfiáveis, amorais, oriundas da própria Internet – presentes no universo espalhafatoso dos SPAMs (Prática ilícita em alguns paises que consiste no envio de e-mails em massa, com fins comerciais e conteúdo inoportuno, não solicitados pelos destinatários).

Assim, partindo das considerações urbanas estabelece-se uma premissa que é especular sobre as expectativas do outro, suas visualidades pré-estabelecidas, suas práticas condicionadas. No meio digital, essas especulações esbarram nas questões de interface que num entendimento mais geral é assim colocada por Pierre LÉVY (1993:181):

Interface é uma superfície de contato, de tradução, de articulação entre dois espaços, duas espécies, duas ordens de realidades diferentes: de um código para outro, do analógico para o digital, do mecânico para o humano... Tudo aquilo que é tradução, transformação, passa- gem, é da ordem da interface.

Mais específico, JOHNSON (2001:17-35) discorre:

A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível a outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma rela- ção semântica, caracterizada por significado e expressão (...) Um computador pensa – se pensar é a palavra correta no caso – através de minúsculos pulsos de eletricidade, que representam um estado ligado ou um estado desligado, um 0 ou um 1. Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos,imagens, sons, associações. (...) O grande drama das próximas décadas vai se desdobrar sob as estrelas cruzadas do analógico e do digital. Como o coro da tragédia grega, filtros de informação vão nos guiar através dessa transição, traduzindo os zeros e uns da linguagem digital nas imagens mais conhecidas, analógicas, da vida cotidiana. Essas metaformas, esses mapeamentos de bits virão para ocupar prati- camente todas as facetas da sociedade contemporânea: trabalho, divertimento, amor, fa- mília, arte elevada, cultura popular, política. Mas a forma propriamente dita será a mes- ma, apesar de suas muitas aparências, a labutar continuamente nessa estranha nova zona entre o meio e a mensagem. Essa zona é o que chamamos de interface.

Essa zona de diálogo pode tomar outros rumos que não visam necessariamente uma comunica- ção objetiva, como é habitual. Muito pelo contrário, aliás, é possível buscar um certo estranhamento em determinadas situações que desvirtuam condicionamentos estabelecidos no meio telemático para expor experiências que questionam nossa sensibilidade e semântica. Nesse ponto, nada mais contundente do que o site Jodi8, no qual inspiram-se minhas primeiras experimentações, da

mesma forma que influenciou toda uma geração de artistas da web9, na busca de uma linguagem

coerente com a rede Internet.

8Sobre Jodi, DONATI (1997:108) analisa: “[O site]tem a preocupação de excitar na mente do usuário procedimentos

análogos aos que o próprio meio tecnológico evoca, uma busca insistente pelo caminho, pela possibilidade de percurso que os leve a navegar pela Web. A utilização dos recursos para navegação, através dos links que ora abrem janelas/ frames criando molduras, ora transportam para outras páginas, acabam por criar camadas que se sucedem, mas que coexistem simultaneamente em potência. (...) As imagens são trabalhadas em excesso com a questão da sobreposição, imbricação na composição das páginas, começando por definir significados na abordagem da tecnologia como o produ- to de camadas sucessivas de conhecimentos, que viabilizam o sentido e o significado para o homem”. Disponível em http://www.jodi.org , http://sod.jodi.org .

O questionamento do suporte – e/ou linguagem – é uma prática que perpassa todos os meios apropriados pelos artistas, persistindo ainda, na pintura como um dos seus pilares de sustenta- ção: a discussão a respeito de elementos constituintes do universo pictórico – tais como linha, representação, espaço – é relevante para muitas pesquisas artísticas contemporâneas.

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