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Deslocamentos de manutenção do apoio: passear e andar As territorialidades ciganas se guiam pelo funcionamento do apoio

DESLOCAMENTOS CIGANOS

3.1 Deslocamentos de manutenção do apoio: passear e andar As territorialidades ciganas se guiam pelo funcionamento do apoio

que possui como pilares: as redes de parentes, a autorização do proprietário, e a infraestrutura. Os deslocamentos ciganos podem funcionar como uma engrenagem que permite o funcionamento das territorialidades ciganas ba- seadas na lógica do apoio. Para fazer a manutenção do funcionamento do

apoio os deslocamentos se expressam no passear de um acampamento para

outro, isto é, viagens curtas entre os acampamentos para visitar parentes que cultivam as relações entre a rede de parentes, ou no andar, quando saem do acampamento para a rua.

O passeio envolve uma viagem de estabelecimento provisório em um outro pouso onde tenha parentes, às vezes com período de permanência já determinado, pois se trata de fins recreativos, como passar as férias, visitar parentes ou ir para uma festa de casamento, e expressa como valorizam o fato estarem juntos e entre parentes.

Passear é o trânsito de curta duração, podendo levar alguns dias

ou semanas, entre a rede de acampamentos. É ir aos pousos dos parentes. Nas primeiras idas a Araras, me recordo de ter fotografado alguns ciganos, e quando voltei para entregar as fotos impressas, perguntei onde estariam os três ciganos de uma das fotos para que eu pudesse entregar pessoalmen- te. Eram ciganos do Rio de Janeiro, que não estavam mais lá, pois haviam ido passear em Araras em razão do casamento que aconteceu dias antes em Guarapari.

Casamentos entre ciganos atraem parentes vindos de fora, às vezes de outro estado, para passear. Nesses casos, se forem muitos ciganos vindos de fora, monta-se uma barraca provisória, ou se forem poucas pessoas, tra- zem consigo o que eles chamam de barraca de praia, barracas utilizadas em campings que montam dentro da barraca de parentes, ou apenas estendem uma lona no chão e cobertores à noite para dormir.

Depois que a turma do Noá se mudou de Tucano (Cariacica) para Baixo Guandu, alguns ciganos já estiveram lá a passeio. O Pablo, sobrinho do Noá, ficou umas semanas em Baixo Guandu enquanto estava de férias da escola, assim como a Amanda, outra sobrinha do Noá. A Alzira e seu irmão também foram para Baixo Guandu semanas antes da Amanda, alugaram um carro e passaram uma noite lá, período que Amanda considera curto já que o trajeto de carro de Cariacica até Baixo Guandu gasta aproximadamente 2 horas. Adoniran, irmão do Noá, disse que qualquer dia pretende ir para Baixo Guandu visitá-los e aproveitar para comprar algumas coisas e revender em

Cariacica. A Léa, que também se mudou para Baixo Guandu, as vezes fica uns dias na barraca dos seus pais em Viana para que possam acompanhar sua gravidez. A chegada de um bebê também atrai a realização dos passeios, como a Ester, que está pousada em Gavião, e foi a Tucano a passeio para conhecer o neném da Bruna, nascido há dois meses. Ela foi de carro junto de outra cigana e mais um casal, e depois voltou de ônibus. O casal dormiu na barraca da Bruna e a Ester dormiu na barraca da sogra da Bruna, que também é sua ex-sogra.

Um passeio também pode incluir uma questão financeira se preten- dem comprar produtos na cidade do acampamento para revender posterior- mente. Porém, a razão econômica não aparece isoladamente. Um cigano não viaja a passeio para outro acampamento apenas para comprar produtos para revenda, mas viaja porque tem parentes próximos e como consequência disso pode aproveitar para tentar implementar a renda com a compra de produtos ofertados na cidade do acampamento para onde se passeia.

Os ciganos já compram mercadorias para revenda fora dos municí- pios onde moram, então não viajariam a passeio exclusivamente por esse mo- tivo, porque em sua rotina já buscam os produtos para venda longe da onde moram. Assim, se o motivo econômico também estiver incluído no motivo do passeio, geralmente acontece quando no destino para onde pretende-se passear, encontra-se produtos mais difícies de serem achados para comprar nos locais onde já costumam ir.

Os trens ou ônibus intermunicipais servem de meios de transpor- te quando vão passear, como fazia Laura nas vezes que viajou para Baixo Guandu para visitar sua família.

Ainda que “andar” nomeie a condição de se mudar de um acampa- mento para o outro, também pode designar o ato de sair do acampamento para a rua. Quando perguntei à Laisa se os moradores da barraca em frente da dela estariam lá dentro, ela respondeu que não estavam, e tinham saído para andar. Esse sentido de andar não equivale ao caminhar, mas sim, sair para a rua, e indica sair do acampamento para resolver algo no centro, e não necessariamente caminhando. A rua serve para designar um status urbano de um lugar. Quando a Rebeca falava de Araras onde “tinha só três casas aqui quando cheguei, agora virou rua aqui”, ela aciona o sentido de rua como um lugar que se tornou urbano. Às vezes dizem que alguém “foi para rua” no sentido de ir e estar na cidade.

Andar, nesse sentido, é o deslocamento diário que fazem para a ma- nutenção da vida no acampamento, e pode incluir motivos como ir ao centro comprar tecidos, ou no caso dos homens, comprar objetos para depois reven-

der.

Como os ciganos se locomovem quando precisam sair do acampa- mento para ir na rua? Para ir à escola, as crianças vão a pé, mas sempre acom- panhadas de um adulto que podem se revezar entre quem leva e quem busca. Em Tucano, os pais das crianças matriculadas na escola se revezavam entre aqueles que levavam e os que buscavam no fim do turno. Os irmãos Irineu e Carol iam de bicicleta para a escola, mas depois que a bicicleta foi roubada, passaram a ir a pé também.

Para percorrer curtas distâncias, como se locomover dentro do bair- ro ou em bairros vizinhos, podem dirigir carro ou moto, porém, como nem todos que dirigem possuem a habilitação, quando precisam percorrer longas distâncias podem usar o transporte público. O marido da Aline sabe dirigir e possui um carro, mas para ir ao trabalho vai de ônibus porque além de ganhar vale transporte, não tem a carteira de habilitação e precisa percorrer uma longa distância, de Cariacica até a Serra, onde trabalha. Adoniran também vai de ônibus de Tucano até o centro de Cariacica para vender joias, e como o ponto de ônibus onde há mais possibilidades de linhas não é tão perto, vai de bicicleta até o ponto de ônibus e a deixa amarrada lá.

Em Tucano, o Severino pediu emprestado o carro para seu tio, Noá, para levar a Alzira no hospital que estava com pé inchado após ser picada por um inseto. O Noá concordou em emprestar o carro, com a condição de que o Severino abastecesse alguma quantidade de gasolina. Ao propor isso, o Se- verino disse que certamente abasteceria o carro, e comentou que tinha alguns ciganos que pediam emprestado o carro e devolviam sem abastecer. Quando se trata de uma mesma turma, o carro pode ser compartilhado, sem a necessi- dade de pedir emprestado como fazem os irmãos Fabiano, Rafael e Cristiano. Nota-se que manutenção adquire o sentido de manter uma condição em que se encontram, e não se trata de querer reparar ou consertar uma condi- ção de apoio que pode ter se fragilizado. Por exemplo, para a rede de parentes continuar coesa, os parentes precisam passear entre a rede de acampamentos e visitar uns aos outros.