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DESMISTIFICANDO A CATEGORIA JUVENTUDES: INTERFACES ENTRE OS CONCEITOS DE JUVENTUDES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS JUVENTUDES

2 CAPÍTULO I – ELEMENTOS CONCEITUAIS SOBRE JUVENTUDES E CONDIÇÕES MATERIAIS E SOCIAIS DE EXISTÊNCIA DAS JUVENTUDES

2.1 DESMISTIFICANDO A CATEGORIA JUVENTUDES: INTERFACES ENTRE OS CONCEITOS DE JUVENTUDES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS JUVENTUDES

A categoria juventudes que aparece como uma categoria central neste estudo é conceituada a partir de referenciais distintos considerados para delimitar as juventudes. É a partir de 1920 que se registra o interesse pela investigação sistemática sobre jovens, notadamente nas áreas da Sociologia e Psicologia Social (CATANI; GILIOLI, 2008). Na América Latina, os estudos sobre juventudes apresentaram tradicionalmente como foco considerações demográficas, biológicas e psicológicas. Estudos relacionados aos enfoques sociológicos e políticos, e às perspectivas culturais e antropológicas também foram sendo priorizados (UNESCO, 2004). Aqui, destacamos algumas das premissas teóricas que nortearam as investigações sobre as juventudes.

Nos anos de 1920, a Escola de Chicago, liderada por Robert Ezra Park (1864-1944), fundamenta posições com uma linha teórica que tem a juventude como um problema social, devendo ser objeto de contenção ou repressão por parte do Estado ou por setores organizados da sociedade civil. Como temas prioritários das/dos suas/seus pesquisadoras/es, estavam: gangues juvenis, delinquentes, marginais, códigos das ruas e outros. A delinquência juvenil concebida como defeito no processo de socialização ganha o centro das discussões, sendo corrigida por medidas correcionais. Vale pontuar que estudos que comparavam as/os jovens ditas/os normais com outras/os de comportamento condenável tinham como parâmetros as “tábuas de predição da delinquência juvenil” estabelecidas na época. Os temas sobre boemia, radicalismo político das/dos jovens, drogas, vestuário e preferências musicais surgiram nas décadas de 1950-1960, o que resultou em uma aproximação de outras tendências e escolas que datam de 1960 (CATANI; GILIOLI, 2008; JOUBREL, 1963).

Na década de 1940, aparece predominantemente a ideia de uma unidade cultural da juventude no mundo. Nessa tendência, a juventude é considerada no singular e isso implica no universalismo, que, por vezes, encobre diferenças significativas entre as/os jovens. A existência de uma subcultura juvenil genérica, como um todo homogêneo, com hábitos e modos de vida diferentes das/dos adultas/os, foi defendida pelo sociólogo Talcott Parsons (1902-1979), que manteve a compreensão da delinquência e do ativismo político como “desvios” de um padrão de comportamento classificado como “normal”. Aqui também a juventude se configurava como um “problema” (CATANI; GILIOLI, 2008; DAYRELL, 2001a).

A Escola de Birmingham nos marcos da década de 1960 contribui para consolidar o entendimento da juventude composta de um sem-número de pequenos grupos sociais com culturas específicas, trabalhando então com o conceito de subculturas juvenis com ênfase para a diversidade de condições juvenis existentes. Isso culminou no abandono da ideia de uma cultura juvenil homogênea. Cabe apontar que as subculturas foram tratadas de forma

trivializada, naturalizada, domesticada, em que a/o outra/o é reduzida/o ao comum sem merecer atenção especial; ou de forma exótica com a/o outra/o sendo folclorizada/o negativamente. Não obstante os problemas conceituais dessa Escola, a noção de subculturas juvenis merece atenção por sugerir um potencial de subversão do sistema nas expressões juvenis que foram foco da atenção dos seus estudos (CATANI; GILIOLI, 2008).

As/os jovens como temática também estão nos estudos mais recentes que se referenciam em múltiplos olhares sobre a juventude. É a partir da década de 1980 que os estudos relacionados à juventude se convertem em estudos culturais, com análise da significativa influência das culturas juvenis sobre as indústrias culturais, a moda, a comunicação e os cenários da vida cotidiana das cidades. Data da década de 1980 a ocorrência em vários estudos de um movimento de regressão a perspectivas que tinham a/o jovem como “problema”. A caracterização da juventude como fase de menores responsabilidades associando a condição juvenil ligada ao lazer emerge como outra linha de pesquisa com força a partir da década de 1980 (IBID.).

Registrou-se na década de 1990 um movimento de ênfase à juventude como capital humano a ser aproveitado economicamente que perdura até os dias atuais. A/o jovem permanece sendo encarada/o como “problema” social. O elemento diferencial é que a “solução” não consistiria mais nos antigos métodos de repressão dos comportamentos e da rebeldia, ganhavam destaque as políticas públicas como tentativa de integrar as/os jovens excluídas/os no mercado de trabalho (IBID.).

Com uma perspectiva mais radical, têm-se os estudos norteados pela interpretação de que se vive em um sistema baseado no “etarismo” (“idade” + “ismo”) representado por Martín Sagrera, o qual denota que, como há o racismo, o machismo, discriminações de classe, entre outras, a sociedade da atualidade organiza-se de acordo com um sistema “etarista”, refletindo discriminação às/aos jovens, crianças e velhas/os. Nessa tendência, cada uma das etapas (infância, juventude, maturidade e velhice) deveria adequar-se a um conjunto de normas socialmente definidas, que, agregadas a um imaginário social, ditam desde o que pode ou não pode fazer em cada idade até o que vestir ou como falar. Não seguir tais normas implica “cair no ridículo”, estabelecendo-se como uma forma de coagir as/os “desviantes” dessas normas. É nessa perspectiva que ser jovem ou comportar-se como jovem tem significados negativos, dos quais podemos destacar: ter menos credibilidade, ser considerada/o menos capaz, menos experiente, precipitada/o e instável, aspectos que ganharam força naquela conjuntura e que ainda encontram destaque na atualidade (CATANI; GILIOLI, 2008; DAYRELL, 2004).

Em se tratando dos estudos e interpretações a respeito da juventude brasileira, é a partir dos anos 1950 que a juventude adquire força como segmento social, resultado que decorre da expansão industrial e urbana posterior à Segunda Guerra Mundial. Deste cenário até os anos de 1970, foi atribuído à/ao jovem estudante foco de interesse nas pesquisas, considerada/o, inclusive, parte fundamental do processo de modernização da sociedade, acompanhando o fenômeno que se dava na América Latina. De um lado, o alongamento da escolarização abria perspectiva de ascensão social e ampliação/consolidação para a eminência de uma classe média; de outro lado, a/o jovem estudante era vista/o como importante atriz/ator política/o no processo de mudança social e democratização (CATANI; GILIOLI, 2008).

As análises da condição juvenil no Brasil apresentaram, a partir dos anos de 1980, relativa sintonia com as tendências registradas aqui. Como reflexo, os estudos dos grupos juvenis marginalizados foram impulsionados e igualmente se tinha a preocupação em constituir políticas públicas que estivessem voltadas aos problemas enfrentados pela juventude, episódio que particularmente incide nos anos de 1990. Também foram colocadas na ordem do dia questões do consumo e do lazer que até então recebiam pouca atenção nas pesquisas brasileiras até os anos de 1970, tendo como força motriz a expansão dos meios de comunicação (IBID.).

O debate sobre juventudes nos leva à necessidade de trazermos à tona uma discussão sobre as políticas públicas para as juventudes, com base nas determinações e contradições da realidade que atravessam o cotidiano das juventudes. Sabe-se, pois, que, na contemporaneidade, os modos de existências e trajetórias das juventudes se dão nos marcos da sociedade capitalista. As políticas públicas para as juventudes não se constituem diretamente como objeto deste estudo, no entanto, têm relação direta com o objeto de estudo - as juventudes -, que se situa no contexto de uma política pública de educação profissional. O intento é demarcar ponderações em interface aos fundamentos dos conceitos de juventudes, além de apontar as particularidades das políticas públicas pensadas e direcionadas para as juventudes. Não faremos adiante uma análise das políticas públicas para as juventudes, mas situaremos e traremos brevemente esse debate em razão da vinculação que há entre concepção de juventudes e as diretrizes que norteiam as políticas públicas para as juventudes no cenário mundial e brasileiro.

Nos marcos de 1965 é que se registra o compromisso da Organização das Nações Unidas (ONU) com a juventude, quando há a assinatura da Declaração sobre o Fomento entre a juventude dos ideais de paz, respeito mútuo e compreensão entre os povos por parte dos Estados-membros. Todavia, somente em 1985, o tema alcançou materialidade, ampliando-se a sua visibilidade com a instituição pela ONU do Ano Internacional da Juventude: Participação, Desenvolvimento e Paz. Passados dez anos da celebração do Ano Internacional da Juventude

foi que a ONU, em 1995, propôs aos países-membros a adoção de uma estratégia internacional para enfrentar os desafios da atualidade e desafios futuros da juventude. Quanto às políticas públicas implementadas para a juventude pelos países, demarca-se que a avaliação da ONU era de que as iniciativas permaneciam sendo impulsionadas por estereótipos negativos relacionados às/aos jovens, aparecendo como foco a delinquência, o uso indevido de drogas e a violência. Em razão disso, as Nações Unidas recomendavam que os países implementassem políticas integradas para a juventude de modo a estabelecer vínculos entre as diferentes áreas prioritárias do Programa Mundial de Ação para a Juventude (PMAJ) a partir de 2000, cuja atenção especial deveria ser destinada aos direitos das/dos jovens mais vulneráveis (SILVA; ANDRADE, 2009). A temática das juventudes no contexto internacional foi apresentando avanços no âmbito da ONU e também na agenda dos países-membros da Organização Ibero-Americana de Juventude. Não obstante esses avanços, os indicadores de acesso das/dos jovens aos direitos sociais, culturais e econômicos se apresentavam de forma desoladora no que se refere à concretude dos direitos humanos para grande parte da juventude do mundo, conforme constava no Informe sobre a Juventude Mundial de 2005 da ONU. Neste Informe, foi enfatizado que, embora a juventude estivesse contemplada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, não era explicitamente mencionada nesses documentos, resultando em invisibilidade das/dos jovens tanto na interpretação quanto na implementação desses tratados. Alertava ainda ao desafio de encontrar formas sustentáveis para consolidar os direitos humanos das/dos jovens e romper o ciclo intergeracional da pobreza. O caminho indicado pelas Nações Unidas apontava para a necessidade de intervenções públicas nas áreas de educação, saúde e emprego, como desafios a serem enfrentados pelos Estados e pela sociedade em geral (IBID.).

No ano de 2006, aconteceu em Havana, Cuba, a XIII Conferência Ibero-Americana de Ministros e Responsáveis de Juventude, em que as/os participantes ratificaram a Convenção Ibero-Americana de Direitos da Juventude de 2005, quando assumem o compromisso de apoiar a elaboração de um Plano de Cooperação e Integração da Juventude na Ibero-América, objetivando fortalecer a luta contra a pobreza e a exclusão social das/dos jovens da região. Convém assinalar que, na declaração final desta conferência, as/os representantes dos países participantes reconhecem a juventude como atrizes/atores de mudança e transformação social e como etapa com essência própria no processo de desenvolvimento pessoal, devendo ser vivida plenamente com o exercício integral de seus direitos. Em 2009, na XIV Conferência ocorrida em Santiago, Chile, o Brasil ratificou sua intenção de integrar o grupo como membro pleno,

posto que participava dos trabalhos da Organização Ibero-Americana de Juventude (OIJ) como observador, desde 1996, quando da sua criação (SILVA; ANDRADE, 2009).

As concepções que caracterizam a juventude como etapa problemática ou como fase preparatória da vida, apesar do tempo remoto que se referem, ainda estão presentes nas temáticas atuais que tratam das/dos jovens. Com a iminência da chamada onda jovem, como resultado do crescimento populacional do grupo jovem, passou-se a relacionar as juventudes positivamente com o desenvolvimento socioeconômico, implicando no surgimento de uma nova perspectiva sobre as juventudes: tornam-se atrizes/atores estratégicas/os do desenvolvimento. Este novo enfoque impulsiona a reatualização da visão preparatória da juventude, determinando, de um lado, investimentos maiores na área de educação com o objetivo de possibilitar acúmulo de “capital humano” por parte das/dos jovens; de outro lado, demandando a adesão do corte geracional nos diversos campos da atuação pública, a exemplo da saúde e qualificação profissional, e, ainda, resultando no incentivo à participação política das juventudes, referenciado, por sua vez, na noção de protagonismo jovem (AQUINO, 2009)

Outra concepção de juventudes que ganha destaque na década de 1990 está relacionada ao entendimento das/dos jovens como sujeitas/os de direitos, sendo determinado pela mobilização social e política das/dos jovens naquela conjuntura. Assim, a definição das juventudes a partir das incompletudes ou desvios dá lugar às especificidades e necessidades das/dos jovens que começam a ser reconhecidas no espaço público como demandas cidadãs legítimas (ABRAMO, 2005b). Desta feita, a mobilização social e política protagonizada pelas juventudes resultou na demanda

pela formulação de políticas específicas para a juventude, com espaços para participação e influência direta dos jovens. Do diálogo destes grupos com os poderes públicos, os movimentos sociais, os partidos políticos, as organizações não governamentais (ONGs) e outros atores estratégicos, configurou-se uma agenda que busca ir além das ações tradicionais. Conceitualmente, estas “políticas de juventude” associam os aspectos de proteção social com os de promoção de oportunidades de desenvolvimento: de um lado, visam à garantia de cobertura em relação às várias situações de vulnerabilidade e risco social que se apresentam para os jovens; de outro, buscam oferecer oportunidades de experimentação e inserção social múltiplas, que favoreçam a integração social dos jovens nas várias esferas da vida social (AQUINO, 2009, p. 36).

O marco legal no Brasil é somente a partir de 2004, quando se inicia um amplo processo de diálogo no âmbito federal entre governo e movimentos sociais sobre a necessidade de se instaurar uma política nacional voltada para as juventudes. Constituía-se, então, o desafio de pensar políticas com vistas à garantia de cobertura das diversas situações de vulnerabilidade e risco social vivenciadas pelas/os jovens e que pudessem oferecer oportunidades de

experimentação e inserção social múltiplas, promovendo a integração das/dos jovens em várias esferas sociais (CASTRO; ABRAMOVAY, 2003; AQUINO, 2009; SPOSITO, 2003; ABRAMO, 2005a). Algumas iniciativas importantes desse período merecem destaque:

i) realização da Conferência Nacional de Juventude pela Comissão Especial de

Juventude da Câmara dos Deputados, que organizou debates - conferências regionais - em todo o país sobre as principais preocupações dos jovens brasileiros e possíveis soluções para seus problemas; ii) criação do Grupo Interministerial ligado à Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), que realizou um extenso diagnóstico das condições de vida dos jovens do país e dos programas e das ações do governo federal voltados total ou parcialmente para a população juvenil; iii) realização do Projeto Juventude, do Instituto Cidadania, que também propôs como metodologia debates regionais e temáticos e organizou uma pesquisa nacional para traçar o perfil da juventude; iv) encaminhamento de projeto de lei (PL) propondo a criação do Estatuto de Direitos da Juventude (PL nº 4.529/2007); e v) encaminhamento de PL versando sobre o Plano Nacional de Juventude (PL nº 4.530/2004), o qual estabelece os objetivos e as metas a serem alcançadas pelos governos para a melhoria das condições de vida dos jovens brasileiros. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 49-50).

Em 2005, foram instituídos pela Lei nº 11.129: a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), com o objetivo de articular os programas federais de juventude existentes em diversos órgãos do governo federal; o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), órgão de articulação entre o governo e a sociedade civil, consultivo e propositivo; e um programa de emergência, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM), que contava com ações de aceleração de escolaridade, qualificação profissional e execução de ações comunitárias direcionada às/aos jovens e transferia auxílio financeiro no valor de R$ 100,00 (cem reais) para as/os jovens entre 18 e 24 anos que estivessem fora da escola e do mercado de trabalho. Assim, a Secretaria, o Conselho e o Projovem formaram o tripé inicial da Política Nacional de Juventude (AQUINO, 2009; SILVA; ANDRADE, 2009).

No ano de 2007, com a avaliação dos resultados obtidos nas diversas frentes de atuação dessa política, propõe-se a sua reformulação com a finalidade de ampliar a integração entre ações de cunho emergencial com ações vinculadas às áreas de educação, saúde, esporte e cultura, também, de aumentar a escala de sua cobertura para o universo de jovens brasileiras/os socialmente excluídas/os. Desta vez, abarcando as/os jovens de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental, não trabalham e vivem em domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo. Entretanto, essa reformulação não resultou na extinção ou na readequação das ações anteriores, as quais foram abrigadas sob a rubrica de um único programa que foi o ProJovem Integrado, tendo sua gestão compartilhada entre a Secretaria Nacional de Juventude e os ministérios diretamente envolvidos (AQUINO, 2009).

Acerca das referências conceituais que dão sustentação ao escopo das políticas públicas direcionadas para as juventudes, é imprescindível assinalar que Castro e Abramovay (2003, p. 25) alertam que existem alguns vieses em “paradigmas conceituais sobre juventude que devem ser analisados, pois, em grande medida, são decisivos para a ausência ou ineficácia de políticas públicas para a juventude”. Vejamos a seguir três destes.

O primeiro que damos ênfase constitui em não conceber as/os jovens como atrizes/atores com identidade própria: este deslize permeia desde as políticas públicas de caráter mais conservador àquelas que se conclamam inovadoras. Nesse caso, suas/seus formuladoras/es não percebem a juventude como uma/um atriz/ator social independente, com vontade, desejos, pensamentos e ações, sujeitas/os que sabem decodificar seu cotidiano e devolver à sociedade uma reação, o chamado capital cultural, que traduz o que querem as/os jovens, o que propõem, considerando suas experiências e trajetórias adquiridas na família, escola, lugar onde vive, enfim, toda a sua vida (IBID.).

O segundo viés refere-se ao fato de não considerar a diversidade entre juventudes: a orientação das políticas públicas formuladas considerando-se a juventude um bloco monolítico, homogêneo, sem especificidades, reflete nitidamente a incapacidade de se perceber que a juventude instrumentaliza diferentes linguagens e enfoques ao manifestar seus anseios e insatisfações. Ressalta-se o imperativo de conceber que a juventude assume faces diferentes de acordo com as condições materiais e culturais que a cercam, conforme, portanto, o território em que se encontra (IBID.).

E, em terceiro, aparece o viés que prioriza pensar a juventude por um dualismo adultocrata e maniqueísta: esta é uma herança do conflito geracional que marca a história da juventude. As/os jovens sempre foram vistas/os como capazes de contestar, de transgredir as leis, reverter a ordem; porém, ao atingirem a etapa adulta do desenvolvimento humano considera-se, outro estereótipo, que entrariam em fase de calmaria, enquadrando-se nas “regras do jogo”. Ao tempo em que as/os jovens são vistas/os como irreverentes, transgressoras/es, as/os são como peças modernizantes da sociedade; as/os jovens são, ao mesmo tempo, consideradas/os como “marginais”, ameaça e, também, são idealizadas/os como esperança. Essa perspectiva concebe a/o jovem quase sempre como o futuro, abandonando, deste modo, a concepção da/do jovem como agente histórico no presente (IBID.).

Em termos de concepção sobre as juventudes, vê-se que exerce influência direta nas orientações das políticas públicas e que até mesmo podem coexistir distintas concepções em uma mesma política, como apontam Sposito e Carrano (2003, p. 18-19):

vive-se a simultaneidade de tempos no debate sobre a juventude, o que faz a convivência, muitas vezes dentro de um mesmo aparelho de Estado, de orientações tais como as dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à formação de mão-de-obra e também as que aspiram à realização dos jovens como sujeitos de direitos. No que pese o maior ou o menor predomínio de determinada tendência ao longo da história, algumas formulações em torno dos segmentos juvenis e da juventude têm sido mais fortemente reiteradas nos últimos anos. Os jovens ora são vistos como problemas ou como setores que precisam ser objeto de atenção.

Acompanhando as recomendações dos organismos internacionais acerca das prioridades para o desenvolvimento de ações destinadas às juventudes, especialmente àquelas socialmente e economicamente mais vulneráveis, o Brasil vem incorporando a temática juvenil na sua agenda pública a partir dessas orientações de atenção prioritária a determinadas juventudes. Como desafio posto, identificamos a necessidade de ampliar o escopo da Política Nacional de Juventude de modo a considerar as particularidades da condição juvenil, isto é, das condições materiais e sociais de existência das juventudes brasileiras e a diversidade dessas juventudes, tendo como premissa que as/os jovens são sujeitas/os de direitos, contrariando a tendência que