• Nenhum resultado encontrado

2. IMPERIALISMO E FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO: A ORIGEM E FORMAÇÃO

2.7 O desmoronamento do mundo colonial

A Segunda Guerra Mundial trouxe soluções, pelo menos por algumas décadas. Os problemas sociais e econômicos do capitalismo aparentemente sumiram quando a economia do mundo Ocidental entrou em uma nova fase de prosperidade, que Hobsbawm (1995) chama de “Era de Ouro” (1947-1973), proporcionada por uma democracia política ocidental apoiada por uma extraordinária melhora na vida material que garantiu certa estabilidade, em parte gerada pela competição entre EUA e URSS na chamada “Guerra Fria”, que polarizou o mundo controlado pelas superpotências em dois campos marcadamente distintos, deslocando a guerra para o Terceiro Mundo como subproduto de suas competições e ambições internacionais. Ela também contribuiu para o desaparecimento dos velhos impérios coloniais,

pois “pela primeira vez, colonialismo e dependência se tornaram inaceitáveis mesmo para os que até então se beneficiavam com eles” (HOBSBAWM, 1995, p.211).

Ferro (1996) lembra que o papel dos movimentos de resistência à dominação colonial variou segundo os períodos da história, mas renasceram fortalecidos logo após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo com a prova de que os brancos e seus Estados podiam ser derrotados e que as velhas potências coloniais encontravam-se fracas demais, apesar de uma guerra vitoriosa, para restaurar suas antigas posições, em que “a concessão de independência com manutenção da dependência econômica e cultural era preferível a longas lutas que provavelmente acabariam em independências sob governos esquerdistas” (HOBSBAWM, 1995, p.219). No caso das colônias britânicas de povoamento branco, já haviam investimentos de infra-estrutura desde a segunda metade do século XIX em relação aos demais domínios territoriais. No caso francês, o Império havia sido da mesma forma um bom negócio para as empresas privadas até a crise de 1929, quando altos investimentos na infra-estrutura de suas colônias feitas pelo Estado francês ainda geravam lucratividade. A partir daí, o problema do custo do Império tornou-se o aspecto mais relevante para o desmonte colonial. Assim é que agora as dependências ultramarinas já não precisavam ser mantidas sob o jugo do antigo regime político, pois as multinacionais podiam utilmente substituí-lo.

Conforme apontam Hobsbawm (1995) e Ferro (1996), nos anos antes de 1941 apenas a dominação britânica enfrentava dificuldades, mas após o final da guerra os franceses e holandeses também passariam pela mesma experiência. Foi na Ásia que os velhos regimes coloniais ruíram primeiro, com a independência da Síria e do Líbano (antes franceses) em 1945, além da Palestina britânica, cujo território foi reorganizado com a independência da Transjordânia (depois Jordânia) e a fundação do Estado de Israel (1948). Ainda em 1947, era a vez das britânicas Índia e Paquistão, junto com Birmânia (Mianmá) e Ceilão (Sri Lanka) em 1948 se tornarem independentes, além das Índias Orientais Holandesas (Indonésia).

A Índia era o núcleo de todo o Império Britânico, mas essa supremacia começou a se esgotar e se esfacelar. Se em partes da África, Caribe e Pacífico a supremacia britânica reinava inconteste, ali – uma parte significativa do globo que ainda permanecia sob seu comando – começou a sentir os efeitos da Segunda Guerra Mundial, de tal modo que jamais os governantes britânicos haviam sentido tão pouca confiança na manutenção de sua velha supremacia imperial. Ao contrário do que aconteceria com franceses e holandeses, “a Grã- Bretanha aprendera com a longa experiência na Índia que, a partir do surgimento de movimentos nacionalistas sérios, a única maneira de manter as vantagens do império era abrir mão do poder formal” (HOBSBAWM, 1995, p.216).

A vitória de Mao Tsé-Tung na China em 1949 mudou a situação no Extremo Oriente. Abalados, os Estados Unidos e seus aliados (sob o selo das Nações Unidas) intervieram na vizinha Coréia em 1950 para impedir que o regime comunista do norte avançasse em direção ao sul. O resultado ali foi um empate, que estabeleceu uma zona de armistício e a fundação das respectivas República Popular Democrática da Coréia e a República da Coréia. Na Indochina francesa (Camboja, Laos e Vietnã), a guerra de libertação sob a liderança de Ho Chi Minh fez com que os americanos tentassem barrar o comunismo no Vietnã com os mesmos objetivos, levando o conflito colonial ali instaurado a uma verdadeira soma de problemas internos com fatores internacionais, caracterizando a dupla internacionalização do seu combate (FERRO, 1996), o que causou a derrota dos EUA. Esse mesmo processo vai aparecer mais tarde também nas colônias portuguesas na África.

A forte ascensão dos Estados Unidos, da União Soviética e afirmação do nacionalismo árabe juntaram-se durante a crise do Canal de Suez (1956), no Egito. Com o objetivo de impedir o avanço soviético aos mares quentes do sul, a aliança anglo-americana era vista pelo Egito de Gamal Abdel Nasser (que buscava ser a vanguarda do nacionalismo árabe-islâmico) como uma ameaça à unidade do mundo árabe (FERRO, 1996). Ao ocupar e nacionalizar o Suez, Nasser acabara com a posição privilegiada dos ingleses no controle do canal, fato que inspirou ao mesmo tempo os rebeldes da Argélia a buscar sua independência da França. A reação francesa, com o aval dos ingleses, foi o apoio a Israel como seu baluarte na região durante a guerra de ocupação do Sinai, pois o temor israelense era que se os ingleses saíssem do Egito, Nasser fizesse alianças com os vizinhos árabes, ameaçando suas fronteiras. A reação inglesa foi cortar o cordão umbilical do Egito, concedendo a independência ao Sudão. A crise do Suez selou não só a decomposição os Impérios Francês e Britânico, como demonstrou que o estatuto de grande potência (pelo menos da Grã-Bretanha) não podia mais agir sem o aval dos Estados Unidos.

Na África negra francófona, a descolonização pôde ser feita pela negociação, por iniciativa das Nações Unidas ou dos movimentos nacionalistas e partidos políticos, mas antes que se cometesse o irreversível, como bem recordam a Indochina ou a Argélia. Nesse caso, os políticos franceses agiram a tempo ou descobriram antes nas colônias as forças hostis que poderiam levar a um rompimento violento. Da mesma forma, Londres percebeu que avançar com demasiada lentidão era pior do que se apressar na África negra britânica. No Congo Belga, assim como na pequena Ruanda-Urundi – ganha como indenização pela invasão alemã na Primeira Guerra –, havia uma relativa estabilidade, onde a administração belga, ao lado da Igreja, mantivera sua infra-estrutura. A partir dos protestos iniciados em 1959, a decisão da

Bélgica de acabar na mesma hora com o regime colonial nesses países pegou todos de surpresa e não houve nem sequer tempo para preparar uma elite pronta para administrá-los, caracterizando a típica “descolonização atropelada” a qual se refere Ferro (1996). Em 1951, a Líbia, antiga colônia italiana, havia conquistado sua independência, que se seguiu no norte da África com o Marrocos e a Tunísia (1956), ao passo que a resistência da França em conceder a libertação nacional à Argélia terminaria em 1962. Na África negra, a britânica Gana (1957) e a francesa Guiné (1958) foram as primeiras a se libertar.

Se há um ano, 1960 pode ser considerado o “ano da África”: nada menos do que Benin, Alto Volta (Burquina Fasso), Camarões, Chade, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Madagascar, Mali, Mauritânia, Níger, República Centro-Africana, Senegal e Togo do lado francês, além da britânica Nigéria e das partes da Somália se tornaram independentes. Nos anos seguintes, as antigas colônias britânicas de Serra Leoa, da parte britânica de Camarões e da Tanzânia (1961), assim como Uganda (1962), Quênia (1963), Malauí e Zâmbia (1964), Rodésia do Sul (Zimbábue), Gâmbia e a ilha Maurício (1965), além de Botsuana e Lesoto (1966) também o haviam feito, aumentando consideravelmente a lista de países do chamado “Terceiro Mundo”. Restou apenas a pequena Guiné Equatorial, que conseguiu independência da Espanha em 1968, e a resistência do Portugal de Salazar, cujas colônias de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe libertaram-se em 1975.36

O fato é que assim como a América Latina, a África negra passou por uma espécie de “colonização de classe” (FERRO, 1996), no qual as novas elites nativas assumiram o lugar dos colonos metropolitanos. A perpetuação dos laços privilegiados entre a Europa e suas ex- colônias, com a sobrevivência de uma espécie de “pacto colonial”, tornou-se mais grave com a adoção do princípio da intangibilidade das fronteiras instituídas no passado, e que na África negra, em particular, gerou a partir daí uma série de conflitos trágicos, com a ressurgência de situações que o período colonial ajudou a modificar, a agravar, quando na verdade tinha-se a impressão de que esses conflitos ancestrais estavam anestesiados para sempre.

Hobsbawm (1995) acrescenta que quando a economia transnacional estabeleceu seu domínio sobre o mundo, ela solapou uma grande instituição que até 1945 era praticamente universal: o Estado-nação territorial. Sendo um Estado que já não podia controlar mais do que uma parte cada vez menor de seus assuntos, seu enfraquecimento veio acompanhado de uma outra “moda”, a de recortar os velhos Estados-nações territoriais em supostos Estados novos (menores), baseados na exigência, por algum grupo, de um monopólio étnico-lingüístico. O

36 Foi concedida a independência às pequenas possessões francesas das ilhas Comores (1975) e Djibuti (1977),

fato era que os novos mini-Estados-nações sofriam precisamente as mesmas deficiências dos velhos, só que, sendo menores, mais ainda. Além disso, “era menos surpreendente do que parecia, simplesmente porque o único modelo de Estado de fato existente no fim do século XX era o do território delimitado com suas próprias instituições autônomas – em suma, o modelo de Estado-nação da Era das Revoluções” (HOBSBAWM, 1995, p.414).

As maiores colônias britânicas no Caribe foram tranquilamente descolonizadas na década de 1960 e as ilhas menores em intervalos entre essa data e 1981,37 as ilhas do Pacífico e Índico em fins da década de 1960 e 1970. Na América do Sul, a Guiana Britânica alcançou a independência em 1965, e a parte holandesa (Suriname) também a alcançou em definitivo dez anos depois. Em 1980 nenhum território significativo continuava sob administração das ex- potências colonialistas, com exceção da ilha da Groenlândia, que recebeu o status de “país autônomo” sob administração do Reino da Dinamarca ou da Namíbia, ocupada por uma potência regional: a África do Sul sob o regime do apartheid.

Se no Primeiro Mundo, a estabilidade política e social continuava em pleno curso desde o começo da Guerra Fria e o que quer que desse sinal de fumaça sob a superfície do Segundo Mundo era abafado pelo partido comunista ou gerasse uma potencial intervenção militar soviética; foram raros os Estados do Terceiro Mundo que atravessaram o período pós- década de 1950 (ou da data de sua fundação) sem algum tipo de revolução, golpe militar (para impedi-la ou promovê-la) ou alguma outra forma de conflito armado interno. Mas a União Soviética, que esteve praticamente fora da economia mundial e imune à Grande Depressão, não pôde escapar aos novos choques a partir da década de 1970.